”O MTST é mais do que um movimento por moradia”
Falamos com o companheiro Guilherme Boulos da coordenação estadual do MTST (Movimentos dos Trabalhadores Sem Teto) sobre as lutas do movimento no ano de 2006 e as perspectivas para o ano de 2007.
O acampamento “Chico Mendes” em Taboão da Serra em São Paulo terminou em maio, quais foram as conquistas que as famílias obtiveram?
O Acampamento “Chico Mendes” foi um processo de luta vitorioso. Levou a um avanço da organização popular na região e à conquista de centenas de moradias. Mostrou, principalmente, que através de uma postura autônoma e combativa é possível pressionar os governos a fazer concessões ao povo organizado. Foram mais de vinte marchas, ocupações de prédios do Estado, um acorrentamento de quinze dias em frente ao Palácio do governo e uma greve de fome em frente a casa do Lula. Tudo isso em nove meses.
O resultado foi um acordo com o governo federal para a construção das casas via CEF e, com o município e o estado, duzentas e cinqüenta bolsas-aluguel para resolver a situação imediata das famílias. Apesar disso, as famílias continuam organizadas e mobilizadas para agilizar a construção e realizar lutas por outras reivindicações, como creche, posto de saúde, um centro cultural, etc.
Os núcleos têm dois objetivos complementares. O primeiro é manter a base social organizada na região, informada do andamento do projeto habitacional e mobilizada para realizar novas lutas. O segundo é avançar na pauta de reivindicações. O MTST não é um movimento de moradia. Temos a clareza de que a falta de moradia é apenas um dentre os muitos problemas produzidos pelo capitalismo. Segmenta-los é um erro grave de setores da esquerda.
Por isso os nove núcleos de base que formamos aqui na Zona Sul têm o objetivo de levantar outras bandeiras, desenvolver lutas de acordo com os problemas principais de cada comunidade. Para isso criamos o instrumento da Associação Periferia Ativa. Por exemplo, no Jardim Helga, nós estamos organizando a comunidade em torno da reivindicação de uma creche, envolvendo também pessoas que não participariam de uma ocupação. Assim, o trabalho se expande e se qualifica ao mesmo tempo.
A Associação Periferia Ativa é um espaço de unidade que reúne dezenas de associações e militantes comunitários na Grande São Paulo. Tem uma força maior nas regiões sul e oeste da metrópole, mas também está em Guarulhos e no ABC. Seu objetivo central é organizar e unificar lutas específicas nas comunidades. O método da APA é a atuação territorial nas periferias estimulando o poder popular e a mobilização.
Hoje estamos encampando a luta pela tarifa social de energia elétrica. A Eletropaulo está privando do direito à luz aquelas famílias que não podem pagar suas taxas abusivas; são as reintegrações de fios, que tem acontecido em todo o estado de São Paulo. Vamos travar lutas reivindicando uma tarifa reduzida, aliás, já prevista em lei, para o povo pobre.
Foi um processo rápido, mas vitorioso. As famílias ficaram três dias nos prédios, até a CEF atender as reivindicações do movimento. Acertou-se uma agenda de negociações com as prefeituras e subprefeituras para o atendimento imediato em programas habitacionais do governo federal. A ação destravou uma série de canais que estavam emperrados.
Ficamos dois dias acampados na subprefeitura do Campo Limpo para barrar o despejo. Alcançamos uma vitória parcial: o despejo foi adiado por algumas semanas e se abriu um canal de negociação com a prefeitura e o governo estadual. Mas o povo está mobilizado, realizando assembléias diárias na comunidade. Se as negociações fracassarem teremos novas mobilizações.
Não vejo nenhum sinal de mudança importante na política do governo Lula para o próximo mandato. Penso que será o complemento fiel do primeiro: mais reformas neoliberais, mais cortes de investimento, mais dinheiro para os investidores financeiros. As eleições serviram para mostrar a força que ainda preserva a figura messiânica de Lula, principalmente quando apoiado e financiado pelo grande capital. Mas é possível obter conquistas para o povo pobre através de mobilizações unitárias dos movimentos populares.
Temos três objetivos principais para o próximo ano. O primeiro é avançar na organização: aprimorar nossas formas de ação, formar novos militantes, construir o movimento em outras regiões (especialmente nos grandes centros do interior do estado). O segundo é avançar nas lutas: realizar novas ocupações e mobilizações comunitárias, encampar pautas de reivindicação mais diversificadas. O terceiro é avançar na unidade das forças populares: desenvolver ações conjuntas com outros movimentos e setores da esquerda, construir espaços de unidade. Sem isso será impossível enfrentar com força os enormes desafios que estão colocados.