Anapu e Goiânia: Chega de ataques aos movimentos sociais
Em uma semana sangrenta, pelo menos seis pessoas foram assassinadas no campo, começando com a morte da Dorothy Stang, em Anapu (Pará) no dia 12 de fevereiro. Mais três foram mortos no Pará e dois em Alagoas. Em Goiânia, 12 mil sem teto foram brutalmente despejados no dia 16 de fevereiro pelo 2,5 mil homens da Polícia Militar. A chamada “Operação Triunfo” deixou pelo menos dois mortos.
Segundo manifesto divulgado por movimentos sociais, ONGs e entidades religiosas em Goiânia, há a suspeita de que existam mais de 10 mortos escondidos em valas no Parque Oeste Industrial onde o acampamento Sonho Real era situado.
Movimentos sociais, sindicatos e partidos da esquerda têm que responder essa violência exigindo o fim da impunidade e opressão, fim da política neoliberal e por uma verdadeira reforma agrária e urbana.
“O agronegócio é violento. Os grandes produtores têm o projeto deles, que prioriza o lucro e o capital. E estão ligados ao poder do estado do Pará. São eles que financiam as campanhas políticas para governador e deputados. Eles saem e entram no palácio do governo com toda a tranqüilidade. Há também a conivência da polícia corrupta e do judiciário, que não estão dispostos a superar a impunidade e que colaboram pela sua inércia. Portanto, trata-se de um crime organizado que tem a dominação fundiária como motivo econômico”, diz Dom Tomás Balduíno, presidente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) para a Agência Carta Maior.
Ao mesmo tempo o governo Lula não faz uma reforma agrária e se alinha com o agronegócio e os latifúndios. Somente 117,555 mil famílias foram assentadas (segundo dados oficiais) durante 2003 e 2004, da meta de 170 mil.
Mas, as coisas estão ficando ainda pior. Segundo o própio ministro do desenvolvimento agrário, Miguel Rossetto, com os novos cortes anunciados no fim de fevereiro no Orçamento da União, o dinheiro só dará para assentar 40 mil famílias, da meta 115 mil esse ano. Dos 3,7 bilhões de reais previstos para o Ministério este ano na proposta aprovada pelo Congresso, foram cortados 2 bilhões. Existe também um processo oposto, uma contra reforma. Segundo a CPT, 35,292 mil famílias foram despejadas de suas terras em 2003. Dados parciais indicam o despejo de outras 34,850 mil famílias camponesas no ano passado.
A violência no campo contra os sem terra, pequenos proprietários, sindicalistas, advogados, etc é endêmica, especialmente na região norte e no estado do Pará. De 1985 a 2004, foram registradas pela CPT 1,379 mil mortes em conflitos agrários no país. Desse total, 523 assassinatos ocorreram no Pará, ou seja, 38% do ocorrido em todo o território nacional. Somente dez casos foram a julgamento, o que corresponde ao ínfimo percentual de 1,91% dos assassinatos registrados no Estado nesse período. E desses, apenas cinco mandantes e oito executores foram condenados.
Somente nos primeiros 23 meses do governo Lula, 58 trabalhadores rurais foram assassinados, mais que as 44 registradas nos três últimos anos do governo FHC.
Dorothy Stang foi assassinada por que lutava contra a devastação ilegal das florestas, indo contra os interesses dos madeireiros. O FSC (Conselho Mundial de Manejo Florestal) estima que 42% da madeira provém de extração clandestina e que o setor madeireiro gira cerca de 2,5 bilhões de dólares por ano na região da Amazônia. A grilagem no Pará ocupa um território semelhante às áreas dos estados de Alagoas, Sergipe e Rio de Janeiro juntos, algo em torno de 1% do território nacional.
Lutar contra isso requer não só uma luta contra grileiros e criminosos. Também é necessário ter uma política contra a pobreza no campo. Muitos preferem trabalhar numa serraria ou empunhando uma motosserra, o que rende, em média, de 800 a mil reais por mês, o dobro do pago em atividades agrícolas ou pastagens.
As ameaças são conhecidas
Depois da morte o governo promete novas medidas, pacotes e decretos. Mas o governo não faz nada para atingir as raízes dos problemas. “Sem reforma agrária a violência não para”, é o posicionamento dos que trabalham no campo com os movimentos sociais. Mandar 2 mil soldados pode dar uma ilusão de capacidade de agir, mas não resolve nada.
“A execução da irmã Dorothy Stang, em Anapu (PA), já deflagrou o ritual estabelecido para ‘administrar’ esse tipo de incidentes: abertura de ‘rigoroso’ inquérito policial; envio de caravana ministerial ao enterro; prisão de dois ou três suspeitos; enérgicas declarações das autoridades nos grandes jornais; anúncio de um ou dois factóides ‘para resolver a falha que ocasionou o assassinato’.
O rito dura usualmente de uma a duas semanas – tempo em que o noticiário passa das páginas nobres para as páginas secundárias. Em seguida, o assunto é esquecido e, até o massacre seguinte, tudo volta ao ‘normal’.” Assim escreveu Plínio de Arruda Sampaio em um editorial do Correio Da Cidadania.
É óbvio que a polícia civil e militar do Pará e os juízes não são dignos de confiança. Mas podemos confiar nos órgãos federais? Provavelmente os culpados diretos pela morte da Dorothy Stang vão ser julgados. Mas os interesses econômicos e políticos atrás da violência do campo existem também em nível federal. O Congresso está cheio de representantes do agronegócio e seus cúmplices.
O recém eleito presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, fez, por exemplo, um discurso no dia 2 de março no ano passado, atacando o combate ao trabalho escravo no campo.
“Ora, Senhoras e Senhores Deputados. Vamos parar de hipocrisia, de fingir que somos a França, os Estados Unidos ou a Alemanha e que podemos copiar as suas avançadas legislações trabalhistas”, disse ele.
Severino defendeu, entre outros, o senador João Ribeiro (PFL-TO) que no dia 22 de fevereiro foi condenado a pagar R$ 760 mil por reduzir 38 trabalhadores à condição de escravos. O recém eleito primeiro-secretário da Câmara Inocêncio Oliveira (PMDB-PE), também utilizou-se de trabalho escravo. Em março de 2002 foram libertadas 54 pessoas que eram mantidas como escravos em suas propriedades.
Inocêncio também tem amigos que o defendem na Câmera. Um deles é o ex-presidente da casa, João Paulo Cunha (PT-SP), que o defendeu abertamente quando um dos periódicos da própria Câmara publicou um texto em que citava o caso da denúncia de escravidão.
Massacre em Goiânia
O terreno no Parque Oeste Industrial em Goiânia era um caso típico. Um milhão de metros quadrados, não usado em décadas. Os proprietários acumulavam dívidas de impostos da ordem de 3 milhões de reais. Do outro lado havia 4 mil famílias, cerca de 12 mil pessoas, sem um lugar para viver. Começaram a construir o Sonho Real em maio do ano passado. Durante a campanha eleitoral, o governador Marconi Perillo (PSDB) e o depois eleito prefeito Íris Rezende (PMDB) prometeram que as famílias poderiam ficar no terreno. Isso fez com que os sem teto começassem a construir casas.
“Com o Marconi nós estivemos com ele em 2004, ele nos recebeu no palácio, nos deu uma palavra muito agradável, aonde ele demonstrou claramente que ele não tinha nenhum interesse de tirar as famílias lá de dentro. Isso nos deu bastante força para continuar o movimento lá dentro, e até antes da polícia entrar, nós acreditávamos que a polícia não iria entrar”, diz Américo Novaes, do MTL e do Conselho Pró-Moradia.
Mas no mundo dos políticos burgueses a prioridade é outra. O jornal Diário da Manhã de Goiás publicou depois da morte dos sem teto a lista dos empresários que financiaram a campanha eleitoral de Íris Resende no ano passado. A maioria é de imobiliárias e construtoras.
Como no caso de Dorothy, o governo, na pessoa de Nilmário Miranda, secretário nacional de Direitos humanos, foi avisado da iminência da tragédia pelo vereador do P-SOL Elias Vaz, pela deputada federal do P-SOL Luciana Genro, o deputado estadual Mauro Rubem do PT e por uma comissão de moradores da área ocupada, que se reuniram com ele um dia antes dos assassinatos.
A mídia em Goiás tem lançado uma campanha contra os sem teto. O Diário da Manhã escreve, por exemplo, no dia 19 de fevereiro que “teve acesso a documentos sigilosos da polícia e da Agehab que revelam a verdadeira história do Residencial Sonho Real. Por trás da justa busca pela moradia, lideranças tramavam a morte de autoridades, como o governador Marconi Perillo, o prefeito Íris Rezende, o secretário de Segurança Pública Jônathas Silva e o comandante da Polícia Militar, coronel Marciano Queiroz”.
Obviamente quem realmente foi assassinado foram os sem-teto Wagner da Silva Moreira, 21 anos e o comerciário Pedro Nascimento da Silva, 24 anos, com tiros no peito e no abdômen, respectivamente.
O governo não tem política alguma para resolver os problemas urbanos. Segundo Olívio Dutra, o ministério das cidades possui programas que garantem o acesso à moradia à disposição de governos estaduais e municipais como forma de evitar que novos conflitos voltem a ocorrer. Mas são programas sem recursos e sem vontade política de romper o poder dos grandes proprietários. Os cortes anunciados no final de fevereiro significam que o orçamento do ministério de cidades passou de 2,7 bilhões de reais para 731,6 milhões.
Ofensiva da reação
O governo Lula tenta aproveitar a situação alegando que a violência em Pará é uma reação contra a política do governo e que é necessário se juntar atrás do PT contra a ofensiva da direita (as mortes no campo, vitória de Severino na Câmara, etc). Mas, o próprio governo é responsável pela situação, implementando suas políticas neoliberais e fazendo acordos com a mesma direita!
Não é possível lutar pela reforma agrária e urbana sem entrar em confronto com o governo Lula. Por isso, a posição da direção do MST, tentando colocar que a luta é contra um setor do governo (Palocci e Meirelles) e que o governo é um “aliado”, está criando divisões no movimento.
Se o MST não dá uma direção clara para o movimento, para responder a violência e a falta de reforma agrária, pode acabar se enfraquecendo e se dividindo, o que pode abrir espaço para outros movimentos. O “abril vermelho” anunciado pelo MST tem que ser para valer.
Os assassinatos dos sem terra e sem teto mostram que a classe dirigente não vai desistir de seus privilégios sem luta. Por isso é necessário unir a esquerda, os movimentos sociais, sindicais, estudantis, os partidos socialistas, em um luta conjunta contra o sistema que se sustenta dessa opressão e exploração.
A violência no campo e na cidade não vai acabar sem a derrubada do sistema capitalista. A solução não está em usar o exército ou mais polícia. No fundo é um problema político e social. As forças do Estado, policial e judicial, jogam o papel de defender essa sociedade injusta, esse sistema nefasto e os privilégios da classe dominante. Isso não significa que não podem ser forçados a dar passos contra setores mais incontroláveis das elites que podem acabar provocando protestos que ameaçam a “ordem”. Mas o movimento dos trabalhadores tem que confiar em suas próprias forças.
Os movimentos sociais tem o direito de organizar sua própria auto-defesa no campo e acampamentos. Também é necessário criar comissões independentes para investigar as mortes no Pará e em Goiânia, constituídas por representantes dos movimentos sociais, dos sem terra, sem teto, sindicatos, familiares e colaboradores das vítimas e outros movimentos.
É necessária uma campanha nacional de denúncia contra a repressão, contra os governos, os latifundiários e grandes empresas madeireiras. Os movimentos sociais, dos sem terra, sem teto, o movimento sindical e estudantil, junto com os partidos da esquerda têm que jogar todo o peso para convocar atos e marchas.
* Fim da impunidade! Puniçao dos mandantes e assassinos da missionária Dorothy Stang, dos trabalhadores rurais sem-terra e dos sem-teto em Goiânia!
* Por uma verdadeira reforma agrária e urbana! Contra política neoliberal do governo Lula!