Enterrar de vez o bolsonarismo através da luta da classe trabalhadora!
Não à conciliação de classes! Construir uma alternativa socialista!
Bolsonaro foi finalmente derrotado nas urnas em 30 de outubro. Depois de tanto sofrimento e retrocesso nos últimos anos, esse resultado representa uma vitória significativa para os trabalhadores e a juventude, para as mulheres, negros e negras, população LGBT+, povos indígenas e todos os setores oprimidos.
Sua derrota é resultado da ampla rejeição a seu governo, com sua gestão criminosa da pandemia e uma política econômica de fome e miséria. Representa uma recusa da maioria da sociedade brasileira ao seu projeto político antipopular, reacionário e autoritário.
Ainda assim, o bolsonarismo não é cachorro morto e não pode ser menosprezado como ameaça que persiste. Derrotá-lo definitivamente ainda é uma tarefa a ser concluída.
A classe trabalhadora e o povo pobre e oprimido do Brasil têm agora melhores condições para avançar nessa luta estratégica contra a extrema direita. Essa oportunidade não pode ser desperdiçada sob pena desse mal nefasto retornar com ainda mais força no futuro.
A condição fundamental para isso é não subestimar o inimigo e confiar somente na capacidade de organização e luta de nossa própria classe. Para cortar o mal pela raiz, devemos enfrentar o bolsonarismo combatendo também o sistema que o criou e aprendendo com os limites e erros da esquerda hegemônica.
Uma vitória apertada
A derrota de Bolsonaro se deu apesar de sua candidatura ter promovido uma das campanhas eleitorais mais sujas da história do país. A extrema-direita lançou mão de todo tipo de recursos ilícitos, da utilização indiscriminada da máquina do Estado e compra de votos a céu aberto.
Promoveram a disseminação massiva de ‘fake news’ e de um verdadeiro “terrorismo” ideológico fundamentalista religioso e anti-esquerda, utilizando-se de uma vasta rede de pregadores evangélicos direitistas e outros meios escusos.
Vimos também uma ampla campanha de assédio dos patrões sobre os trabalhadores nos locais de trabalho e o crescimento da violência política, resultando em intimidações, agressões e assassinatos no período eleitoral.
A campanha de Bolsonaro manteve um perfil antissistêmico e golpista, mobilizando sua base mais radical de extrema-direita, ao mesmo tempo em que sustentou os acordos corruptos feitos com o “Centrão”. Mesmo questionando o sistema eleitoral, esforçou-se ao máximo para vencer as eleições.
Apostaram, de um lado, no antipetismo e na rejeição a Lula de uma parcela substancial das classes médias, principalmente nas regiões sul e sudeste do país. Para reforçar isso, enfatizaram cinicamente o tema da corrupção nos governos petistas, reconciliando-se com o ex-juiz e ex-ministro Sergio Moro (eleito senador pelo Paraná) e recuperando o apoio da base social do “Lavajatismo”.
Por outro lado, Bolsonaro apostou em políticas sociais eleitoreiras de curto prazo, como o aumento do “Auxílio Brasil” para 600 reais (cuja continuidade sequer estava prevista na proposta de orçamento para 2023) que adotou para tentar diminuir sua enorme rejeição entre os setores mais pobres da população.
Aproveitou-se também da atenuação temporária e artificial de alguns dos piores efeitos da crise econômica (que hoje voltam com toda força), como o aumento nos preços dos alimentos e combustíveis e o desemprego.
Bolsonaro saiu da disputa no primeiro turno, em 2 de outubro, obtendo muito mais votos do que indicavam as pesquisas e demonstrando relativa força. Além disso, conseguiu bons resultados nas eleições legislativas e nos governos estaduais.
Ex-ministros e o vice-presidente Mourão foram eleitos para o Senado. Aliados do bolsonarismo foram eleitos para o governo de estados centrais, como Rio (Cláudio Castro) e Minas Gerais (Zema), além de São Paulo, onde Tarcísio de Freitas surpreendeu sendo o primeiro colocado no primeiro turno e acabou por vencer no segundo turno. O PL (Partido Liberal), que abrigou Bolsonaro e a maior parte do bolsonarismo, também se tornou o maior partido na Câmara de deputados, com 99 deputados federais.
Do primeiro para o segundo turno, Bolsonaro conseguiu ampliar sua votação em mais de sete milhões de votos, enquanto Lula obteve um aumento de pouco mais de três milhões. A diferença favorecendo Lula diante de Bolsonaro caiu de 6 milhões de votos no primeiro turno para pouco mais de 2 milhões, que representam apenas 1,8% dos votos válidos.
A vitória de Lula foi inquestionável e legítima, mas o fôlego demonstrado pelo bolsonarismo precisa ser levado em consideração na continuidade da luta contra ele.
Erros da campanha de Lula
Grande parte da força eleitoral demonstrada por Bolsonaro se apoiou nos limites e erros cometidos pelo PT e seus aliados.
Desde o início, a campanha de Lula investiu na construção de uma ampla aliança que envolvesse desde o PSOL, pela esquerda, até setores da direita neoliberal, simbolizados pela figura de Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente.
Acharam que, dessa forma, poderiam vencer já no primeiro turno e apostaram todas as suas fichas no ‘voto útil’ em Lula, adotando uma retórica catastrofista caso isso não acontecesse.
Como a vitória final não veio em 2 de outubro, essa linha de campanha serviu para criar desorientação e até certo pânico nas fileiras lulistas no início da campanha do segundo turno.
O resultado do primeiro turno deixou evidente que a aliança com a direita não trouxe mais votos para Lula. Seu objetivo foi centralmente o de agradar aos grandes capitalistas.
Como explicou Leon Trotsky nos anos 1930, referindo-se a alianças entre partidos operários e partidos burgueses nas chamadas ‘Frente Populares’, os defensores dessa política não conseguem raciocinar além da primeira regra da aritmética, a adição. A simples soma de partidos não garante a maioria em um contexto agudo da luta de classes.
O que não entendem é que a moderação política, o rebaixamento programático, o medo da ação militante e da luta da classe trabalhadora, consequências inevitáveis da aliança com a burguesia e setores da direita, só atrapalham o desempenho da esquerda. Isso é ainda mais válido no caso de nosso embate com o bolsonarismo que, esse sim, mantém um perfil antissistêmico, embora de cunho reacionário.
Ao invés de levantar com força as bandeiras de luta dos trabalhadores, como a defesa da revogação das contrarreformas trabalhista e previdenciária, ou do movimento de mulheres, como a defesa dos direitos reprodutivos, a campanha de Lula foi no sentido inverso.
Em nome da aliança com o grande capital, acabaram limitando-se a defender a negociação com os patrões sobre os direitos trabalhistas. No segundo turno, aderiram de mala e cuia a uma linha conservadora de campanha, onde o candidato não apenas negava explicitamente a defesa do direito ao aborto, como ainda acusava o adversário de não ser suficientemente cristão e temente a “deus”.
Desde o início, a campanha de Lula tentou evitar uma mobilização ofensiva da classe trabalhadora, das mulheres, da juventude e demais setores oprimidos durante a campanha eleitoral.
A prioridade da campanha foi a de costurar alianças por cima e de apresentar-se com um perfil pacificador, conciliador e, por consequência, que desestimulava a combatividade e a luta de massas nas ruas, nos locais de trabalho, estudo e moradia.
O cenário na campanha do segundo turno só se modificou quando o risco real de vitória de Bolsonaro fez com que amplos setores da militância de esquerda e dos movimentos sociais se movessem de forma mais efetiva, apesar da desorientação de sua direção. Mesmo assim, a linha política da campanha de Lula quase pôs tudo a perder.
Força e fraqueza do Bolsonarismo
O resultado eleitoral e o contexto pós-eleições, com a mobilização do bolsonarismo radical bloqueando rodovias e manifestando-se diante dos quartéis do Exército em muitos estados, indicam que a luta contra a ameaça bolsonarista de extrema-direita, antipopular, racista, misógina, violenta, golpista e autoritária, não terminará tão cedo.
As mobilizações da extrema-direita questionando o resultado eleitoral começaram com mais de 600 pontos de bloqueio de rodovias logo após o segundo turno. Elas foram alimentadas pelo dinheiro de empresários e por todo tipo de narrativas fantasiosas típicas dessa extrema-direita.
Diante da perda de força dos bloqueios, o movimento da extrema-direita priorizou as concentrações diante dos quartéis do exército em vários estados, algumas delas relativamente expressivas, exigindo “intervenção federal”, um eufemismo para intervenção militar e golpe de Estado.
O movimento chegou a anunciar um intento de “greve geral” (na verdade uma tentativa de locaute patronal) sem muita consequência. Essas ações refluíram relativamente na medida em que não houve respaldo ativo e imediato das forças armadas e dos setores mais importantes do grande capital.
Diante da impossibilidade imediata de um golpe de Estado, a intenção dos mentores semiocultos dessas ações (o próprio Bolsonaro e seu círculo de extrema-direita) era principalmente a de demonstrar força para manterem-se vivos politicamente e pressionarem contra a perspectiva de serem julgados e condenados pelos inúmeros crimes cometidos uma vez que deixassem o governo.
Junto com seu poder de mobilização nas ruas, o peso que o bolsonarismo terá nos governos estaduais e no Congresso Nacional representa uma ameaça real para o povo brasileiro e uma pedra no sapato do futuro governo petista.
Ainda assim, é importante relativizar a situação no contexto da derrota que Bolsonaro sofreu nas urnas. Sem a máquina do governo nas mãos, o bolsonarismo perde força e seu projeto de escalada autoritária por dentro do Estado foi interrompido, pelo menos por enquanto.
Muitos dos políticos oportunistas que surfaram na onda bolsonarista, os integrantes do “Centrão”, por exemplo, podem perfeitamente vender seu passe ao novo governo de Lula em troca de benefícios e vantagens, como sempre fizeram.
Além disso, sem Bolsonaro na presidência, mesmo bolsonaristas de primeira hora, como o novo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tendem a ser mais pragmáticos na relação com o governo federal.
Isso de forma alguma significa que o bolsonarismo e a extrema-direita deixarão de representar um perigo. Setores que hoje demonstram adotar um posicionamento mais pragmático podem perfeitamente radicalizar sua postura em um cenário mais polarizado com o fim da ‘lua-de-mel’ do governo petista.
A questão fundamental que se coloca é como aproveitar esse momento de derrota de nossos inimigos e impedir que o bolsonarismo retome sua força plena e coloque em risco os direitos democráticos e os interesses da classe trabalhadora e da maioria do povo brasileiro.
Confiar nas instituições ou na força da classe trabalhadora?
Os atos antidemocráticos pós-segundo turno demonstram que a extrema-direita, embora seja uma minoria, possui significativa capacidade de mobilização e tem condições de causar muitos problemas hoje e no futuro.
O bolsonarismo seguirá sendo um elemento central no cenário político brasileiro e poderá recuperar sua força aproveitando-se de um cenário de crise e dos erros e limites do PT e aliados no governo.
Nossa resposta diante dessa ameaça não pode resumir-se a confiar nas instituições do sistema político, renunciando à mobilização massiva dos trabalhadores, da juventude e do povo oprimido.
Foi esse mesmo sistema político que legitimou o golpe institucional de 2016, que levou à prisão de Lula em 2018 e que abriu caminho para a ascensão do bolsonarismo.
São essas mesmas instituições que se mostraram incapazes de conter Bolsonaro durante sua gestão genocida da pandemia, apesar das denúncias da CPI do Senado e dos mais de cem pedidos de impeachment na Câmara.
Essas instituições também se mostraram tímidas diante dos crimes eleitorais de Bolsonaro. Forças policiais chegaram a atuar como cabos eleitorais do bolsonarismo, como no caso da PRF. No futuro poderão perfeitamente se voltar contra o movimento dos trabalhadores e a esquerda.
O que faltou em todos esses momentos foi uma aposta contundente da esquerda e das direções dos movimentos sociais na disposição de luta dos trabalhadores por suas reivindicações, por direitos e contra a ameaça bolsonarista.
Em 2015 e 2016, a mobilização contra o golpe foi sabotada pelo duro ajuste fiscal e a política econômica neoliberal promovidos por Dilma e seu ministro Joaquim Levy.
Em 2017, a poderosa greve geral contra o governo ilegítimo de Temer não teve continuidade. As direções do PT e da CUT preferiram apostar todas as suas fichas na estabilização da situação e no processo eleitoral de 2018. O resultado já conhecemos, Lula foi preso e Bolsonaro venceu as eleições.
O movimento pelo ‘Fora Bolsonaro’ explodiu nas ruas a partir de 2020, apesar da pandemia e da posição contrária das direções do movimento de massas e do PT. Mais uma vez, a luta nas ruas não foi prioridade para esses setores e quase colocaram tudo a perder.
Diante das mobilizações golpistas depois da vitória eleitoral de Lula, grande parte das direções das entidades sindicais e populares e do PT, com algumas exceções, continuaram com a política de não convocar mobilizações e confiar nas instituições.
Alguns setores do próprio PT defendem abertamente um grande acordo, uma espécie de anistia aos crimes do bolsonarismo, como forma de pacificar o país e retomar a normalidade institucional. Esse é o caminho certo para novas derrotas.
A impunidade é o caminho para que voltem a cometer novos crimes no futuro. Bolsonaro, seus cúmplices no governo e os empresários que sustentam seu movimento golpista precisam pagar pelos crimes que cometeram contra o povo brasileiro.
O verdadeiro caminho para derrotar a ameaça bolsonarista é a mobilização dos oprimidos e dos trabalhadores com base em um programa de transformações radicais em benefício da maioria da população, junto com um trabalho consciente de organização e mobilização pela base.
Governo Lula e a transição – os mesmos erros
O processo de transição para o novo governo Lula tem deixado evidente que o PT não aprendeu com os erros passados. Bolsonaro deixou uma herança nefasta no governo refletida, por exemplo, na proposta de orçamento para 2023 que não contempla recursos para o Auxílio Brasil, a merenda escolar e a educação pública em geral, o aumento real do salário-mínimo e outras políticas sociais.
Ao invés de aproveitar a autoridade de sua vitória usando a mobilização dos trabalhadores para enterrar de vez o ‘teto de gastos’ no Congresso, Lula e o PT preferem negociar com o “Centrão” uma emenda constitucional que apenas permita exceções a esse nefasto dispositivo constitucional.
Da mesma forma, está em curso uma tentativa de repactuação do novo governo Lula com o “Centrão” e outros setores de direita que não fizeram parte da coligação eleitoral de Lula, como o PSD de Kassab (que bancou a candidatura de Tarcísio em São Paulo) ou o União Brasil (fusão do DEM com o PSL, ex-partido de Bolsonaro).
Há até quem chega ao cúmulo de defender um acordo para manter o bolsonarista Arthur Lira na presidência da Câmara sob o disfarce de não intervenção do Executivo na eleição da mesa da Câmara.
É verdade que o futuro governo Lula não tem uma maioria de esquerda no Congresso Nacional. Mas a resposta a esse cenário não pode ser a mera repetição dos métodos utilizados em governos anteriores do PT – o toma lá dá cá com o Congresso e a renúncia a adotar políticas de transformações profundas.
O papel da direita neoliberal no interior da coligação eleitoral de Lula e de novos setores de direita que agora se aproximam do novo governo é pressionar cada vez mais para que Lula abra mão de qualquer vestígio de políticas de mudança efetiva.
Não tenhamos ilusões, essa direita neoliberal no governo não ajuda na governabilidade e na pacificação do país. Se sua política vigorar o que nos espera é mais crise e caos social. Nesse contexto, veremos um espaço para a recuperação do bolsonarismo como oposição de direita.
Isso fica ainda mais evidente se tomarmos em conta que as condições econômicas, políticas e sociais para um novo governo do PT serão muito mais difíceis do que foram de 2003 a 2016 e a margem de manobra será muito menor.
O espectro de uma nova recessão mundial, incluindo a desaceleração chinesa que afetará as exportações brasileiras, o aprofundamento da nova “guerra fria” entre EUA e China, as turbulências e instabilidade da nova ordem internacional, tudo isso afetará diretamente o Brasil. Junte-se a isso um cenário interno de crise econômica e social, polarização política e conflito permanente, com uma extrema-direita enraizada na sociedade.
A velha prática e retórica sobre conciliação de classes e repactuação nacional utilizados no passado terão muito menos efeito dessa vez.
O papel da esquerda socialista e dos movimentos sociais
Nesse cenário, o papel da esquerda socialista e dos movimentos sociais combativos é o de não desistir de apostar no caminho da organização de base e da luta por nossas reivindicações em nome de uma colaboração com o novo governo.
Somente a luta direta e independente de trabalhadores e dos movimentos de mulheres, negros e negras, povos originários, população LGBT+ e todos os setores oprimidos, poderá extrair conquistas do novo governo. Qualquer trégua nesse momento só favorece os setores mais à direita dentro do governo Lula e no Congresso.
Por isso é fundamental que se construa um polo político e social da esquerda socialista, independente do governo, capaz de impulsionar as lutas e defender uma alternativa da classe trabalhadora e dos oprimidos com uma perspectiva socialista.
Esse campo da esquerda socialista deve reunir os setores mais combativos, classistas e socialistas do movimento sindical, estudantil, popular, indígena e do movimento negro, de mulheres e LGBT+. Deve promover a unidade entre os setores da esquerda do PSOL que defendem a independência em relação ao governo e setores da esquerda de fora do PSOL, como PSTU, PCB, UP e outros.
Um polo de esquerda e socialista como esse deve exigir de imediato a punição de Bolsonaro e seus cúmplices pelos crimes cometidos e deve lutar para barra qualquer aventura golpista. Junto com isso, devemos levantar com firmeza a defesa da revogação imediata do teto de gastos e das contrarreformas trabalhista e da previdência. Não podemos aceitar menos que isso.
Nessa luta, deveremos também levantar um programa anticapitalista e socialista, baseado na luta dos trabalhadores, como alternativa à conciliação de classes do governo Lula e como instrumento na luta contra a extrema-direita e a direita tradicional.