As consequências do 11/9: Um mundo de ponta cabeça
Dez anos se passaram desde que as Torres Gêmeas desabaram em Nova Iorque. Após esse ataque terrorista, o imperialismo dos EUA desencadeou uma carnificina em massa no Afeganistão e Iraque, levando alguns a acreditar que havia chegado uma era de domínio total da única superpotência mundial. Mas a crise econômica global e a impotência dos EUA frente à revolução no norte da África e Oriente Médio expuseram a falsidade dessa ideia.
Os sangrentos ataques terroristas de 11 de setembro de 2011 em Nova Iorque, Pensilvânia e Washington foram um dos momentos definidores da história recente. As mortes de milhares de pessoas deram à reação capitalista – liderada por George W Bush e o agora desacreditado primeiro ministro britânico da época, Tony Blair – a desculpa para iniciar uma nova era de terríveis guerras imperialistas e impulsionar as névoas envenenadas da divisão étnica e do racismo, dirigidos especialmente contra os de fé islâmica. Isso resultou num número colossal de mortes e destruição que infligiram mais miséria e sofrimento a milhões de trabalhadores e pobres, especialmente no mundo neocolonial.
O Partido Socialista, desde aquela época, condenou claramente a Al Qaeda, que esteve por trás desses ataques, descrevendo seus métodos como os de “pequenos grupos que empregam terrorismo em massa”. Ao mesmo tempo, não demos uma sombra de apoio a Bush ou Blair, ou à cacofonia da mídia capitalista que chamava por uma “guerra mundial contra o terrorismo”. Na verdade, usaram o 11/9 para justificar o terror estatal contra pessoas indefesas e inocentes por todo o mundo, simbolizados nas câmaras de tortura de Guantánamo e na infame prisão de Abu Ghraib no Iraque.
Contundo, esse ponto de vista politico não foi compartilhando até por alguns grupos socialistas, que se recusaram a condenar esses ataques. Essa era uma abordagem profundamente errada que se arriscava a alienar a maioria dos trabalhadores, que foi repelida pela carnificina de Nova Iorque e Washington. Além disso, abria a possibilidade de levá-la para os braços de Bush e Blair em seus preparativos para invadir o Afeganistão e depois o Iraque.
Historicamente, o marxismo sempre se opôs a métodos terroristas. Na Rússia, o marxismo foi obrigado desde o início a se opor a esses métodos na luta contra o brutal regime ditatorial do czar. Os marxistas os contrapunham às lutas de massa da classe trabalhadora que, ao se ligar com os camponeses, especialmente as massas rurais pobres, era a única força que poderia liderar uma luta vitoriosa contra o czarismo. Não o assassinato mesmo dos mais repressivos ministros do governo, mas a ação de massas, a greve geral, um levante de massas para derrubar regimes ditatoriais, poderia lançar as bases para o sucesso duradouro.
Leon Trotsky comparou o terrorismo ao liberalismo capitalista, mas com bombas. Isso nos parece estranho hoje. É inconcebível, por exemplo, que Nick Clegg, líder dos Liberal-Democratas da Grã-Bretanha e vice primeiro ministro, fosse associado a métodos terroristas! Mas a ideia de Trotsky continua válida. Os liberais acreditam que a remoção desse ou daquele ministro ou mesmo de um governo pode introduzir mudanças fundamentais. O terrorista tem a mesma abordagem, só que com métodos violentos. A substituição de um ministro ou de um governo é insuficiente para trazer verdadeiras mudanças sociais. A remoção do atual governo da Grã-Bretanha, por exemplo, e a subida ao poder de Ed Miliband e seu Partido Trabalhista mudaria fundamentalmente a situação? Colocar a situação já é respondê-la. Como um governo Miliband estaria enraizado dentro da estrutura do capitalismo, não haveria nenhuma mudança dramática, especialmente nas condições sociais da massa do povo.
Contudo, a Al Qaeda possuía um perfil terrorista inteiramente diferente. Apesar das tentativas de alguns grupos de esquerda para embelezar a imagem dos terroristas islâmicos, a Al Qaeda estava enraizada nas doutrinas dom wahabismo, uma versão medieval do islã sunita e o credo predominante do regime teocrático da Arábia Saudita. No passado, grupos terroristas que se baseavam, pelo menos na teoria, nos interesses sociais das massas, se engajaram no assassinato de figuras e governos reacionários específicos etc. As origens da Al Qaeda, com sua oposição messiânica e sem visão classista ao “infiel” e ao “Grande Satã”, os EUA, não distinguia ao empregar terror em massas. Ela não apenas atacou os EUA e seus aliados, ela também abateu trabalhadores inocentes. Isso era evidente em 11/9, mas também em seus outros atos terroristas antes e depois.
O informado correspondente do The Independent, Patrick Cockburn, pontuou: “Um aspecto violento das atividades da Al Qaeda é sub-divulgado na mídia ocidental: ela sempre matou mais muçulmanos xiitas do que americanos. O grupo é sectário antes de ser nacionalista. Os xiitas eram vistos como heréticos tão merecedores de morrer quanto um soldado americano ou britânico. Várias vezes seus ataques suicidas miravam trabalhadores diaristas xiitas enquanto esperavam trabalho nas praças públicas nas manhãs de Bagdá, ou bombas eram detonadas enquanto os fieis xiitas deixavam suas mesquitas”. O mesmo quadro aparece no Paquistão, com o Taliban dali (uma extensão da Al Qaeda) chacinando muçulmanos xiitas onde pudessem.
Além disso, a Al Qaeda em grande parte não conseguiu nos últimos dez anos atingir qualquer sucesso real seja contra o imperialismo americano ou seus regimes clientes no Oriente Médio e Norte da África. O principal grupo em torno de Osama bin Laden era pequeno, sua bandeira era “terceirizada” para grupos terroristas islâmicos em todo o mundo. A ideia de que havia um tipo de “Comintern islâmica” era um enorme exagero. O mais próximo que ele chegou de organizar forças substanciais foi no Afeganistão, nas montanhas Tora Bora, provavelmente entre 1996 e 2001.
Aderindo à luta de massas
Nas magníficas revoluções do Oriente Médio e norte da África, iniciadas na Tunísia e Egito, a Al Qaeda teve pouca ou nenhuma influência. Como previmos – ao contrário de muitos grupos de esquerda, como o Socialist Workers Party na Grã-Bretanha, que se adaptou a organizações baseadas no islã político de direita e exagerava sua importância – os jovens e trabalhadores rejeitaram o falido modelo terrorista e abraçaram os métodos da luta de massas. As ocupações das praças públicas, greves e manifestações foram as armas políticas para as massas tunisianas e egípcias derrubarem Ben Ali e Mubarak.
É verdade, o gatilho para a revolução tunisina foi a autoimolação do vendedor de rua Mohamed Bouazizi. Mas esse ato individual não tinha nada em comum com os métodos de terror em massa indiscriminado de homens-bomba que marcam a Al Qaeda. Além disso, as condições para a revolução já tinham que estar preparadas por todo o período precedente para que um gatilho acidental pusesse em ação o movimento de massas na Tunísia e Egito, uma característica de todas as verdadeiras revoluções.
Onde a religião ainda mantém uma certa base e atração para as massas, especialmente no mundo neocolonial, em parte é devido às condições de ditadura ou no caráter econômico subdesenvolvido de alguns países, com uma grande população agrícola. Na ditadura stalinista da Polônia antes de 1989, foi o catolicismo, através das igrejas, que forneceu os meios de organização da resistência por parte dos trabalhadores poloneses. Portanto, o levante teve uma acentuada coloração religiosa. Contudo, isso não os levou a tirar conclusões pró-capitalistas, num primeiro momento, de sua oposição ao stalinismo. Em 1980-81, o movimento Solidariedade, com comitês e participação de massa, representava na base o movimento pela revolução política a substituir as estruturas estatais stalinistas antidemocráticas. Ao mesmo tempo, ele procurou manter os elementos de uma economia planificada, a nacionalização etc. Na revolução Iraniana de 1979, testemunhamos uma forma de “islã radical” que apelou à classe trabalhadora por um tempo. Não se pode excluir que tal fenômeno possa surgir de novo no mundo neocolonial.
No Egito, inicialmente, as massas puderam concentrar suas forças de oposição ao regime Mubarak em torno das mesquitas e, em certa medida, dos sindicatos clandestinos independentes. Mas a Irmandade Muçulmana era a única organização que podia funcionar de maneira semipolítica, e também como organização de caridade e autoajuda. Naturalmente, para alguns setores essas eram as organizações para as quais se voltaram logo após a derrubada da ditadura egípcia. Embora grupos e partidos islâmicos existam na Tunísia, parece que nessa etapa eles não tem as mesmas raízes que no Egito. A Líbia pós-Gadaffi, de outro lado, pode ver uma fratura do país e o crescimento dos grupos islâmicos. Mas não está claro que essa seja a tendência dominante. No Egito, apesar da recente e considerável mobilização dos islâmicos na Praça Tahrir, de forma alguma está garantido que eles ganhem uma maioria absoluta mesmo nas eleições apressadamente organizadas. Além disso, não é certo que a Irmandade Muçulmana continue como uma força coesa e unificada. Há divisões que em parte refletem divisões de classe. Fala-se da formação de pelo menos quatro diferentes partidos políticos a partir da Irmandade.
Ao mesmo tempo, as forças que se opõem ao islã político de direita, secularistas e socialistas, estão encontrando um eco entre setores recém-despertados da classe trabalhadora no Egito, Tunísia e em toda a região. Mesmo no Iêmen, que é “amplamente visto como a origem da franquia Al Qaeda” (The Guardian), o levante de fevereiro levou à criação de comitês revolucionários onde as discussões giravam em torno de estratégias não-sectárias para a mudança. Em todo o Oriente Médio e Norte da África o impulso inicial nas revoluções era de uma abordagem não-sectária com uma clara direção para conclusões classistas por parte das massas. Nas inenarráveis condições sociais do Iêmen, um país de sete milhões de pessoas onde um terço da população está condenada à “insegura alimentar” e 10% é desnutrida, precisará mais do que a religião para satisfazer as demandas das massas.
Libertadas do jugo da ditadura, elas entraram na arena política e, como mostra o exemplo do Egito, não serão silenciadas pelos éditos da desacreditada elite militar. Elas apresentarão suas demandas de melhoria drástica nas condições de vida, direitos democráticos, organização sindical etc. O ingrediente vital que está faltando para garantir o sucesso na luta é a existência de organizações de massas, de poderosos sindicatos e partidos independentes dos trabalhadores. Mas os convulsivos movimentos já vistos e os ainda maiores que virão serão grandes professores das massas, que apenas através de sua própria bandeira serão capazes de conquistar uma posição onde possam começar a realizar suas aspirações por empregos, moradia e padrões de vida toleráveis.
O beco sem saída da Al Qaeda
Um dos grandes impulsos para a revolução – e o fator que permitiu ao Comitê por uma Internacional dos Trabalhadores (CIT) esperar um movimento para derrubar Mubarak, como esboçamos ano passado – foi a piora das condições sociais em toda a região, especialmente o aumento espetacular do desemprego em massa. Isso por sua vez surge do aprofundamento da crise econômica mundial do capitalismo, acompanhado pela deterioração da oferta de alimentos e da importação massiva de grãos para a região que, historicamente, foi o próprio berço da civilização e da fundação da agricultura humana no arco fértil entre os rios Tigre e Eufrates. Nada poderia ilustrar melhor o caráter destrutivo do latifúndio e do capitalismo modernos e sua incapacidade de satisfazer as demandas básicas dos trabalhadores e camponeses de toda a região.
Uma coisa é absolutamente clara: o islã politico de direita da Al Qaeda não tem nada a oferecer em termos concretos, seja para a luta ou para a realização dos objetivos das massas nesta região. Não apenas no Norte da África e Oriente Médio, mas também no Paquistão e Afeganistão, os métodos da Al Qaeda representam um beco sem saída político. O assassinato de bin Laden em julho foi um não-evento para as massas paquistanesas. Quando ele foi morto por ordens do imperialismo dos EUA, sua organização já estava politicamente morta.
Contudo, o perigo do terrorismo e de ideias terroristas atraindo setores alienados da sociedade, incluindo jovens e até alguns trabalhadores, não está restrito ao mundo neocolonial. Como mostrou o exemplo das Brigadas Vermelhas na Itália nos anos 1970 e 1980, se a classe trabalhadora e suas organizações não tomarem a iniciativa da mudança, pessoas desesperadas podem buscar o atalho do terrorismo. As condições da classe trabalhadora hoje, especialmente entre os jovens, são incomparavelmente piores. Portanto, é preciso examinar e combater os métodos terroristas de um ponto de vista marxista a fim de evitar que muitas forças potencialmente socialistas entrem nesse beco sem saída.
O ataque às torres gêmeas e ao Pentágono dez anos atrás foi o ato terrorista mais espetacular da história. Foi também, do ponto de vista da Al Qaeda, o de mais alto “custo-benefício”, a um preço de menos de US$500 mil, uma mera bagatela para o filho da rica família saudita bin Laden. Ao mesmo tempo, humilhou o aparentemente todo-poderoso e multibilionário aparato de segurança do imperialismo dos EUA. Mas a Al Qaeda falhou na década que se seguiu para realizar seus objetivos de derrotar o imperialismo e os regimes que o apoiam na “terra do islã”, Oriente Médio e Norte da África. Ao mesmo tempo, permitiu que o imperialismo mobilizasse a chamada “guerra ao terror” e todas as implicações reacionárias que derivavam disso.
Ele permitiu que o imperialismo, especialmente os EUA, fortalecesse seu poder militar, que depois mobilizou para a intervenção militar no Afeganistão e Iraque, com consequências sangrentas para as massas mundialmente. Robert Harris comentou: “A fumaça das torres gêmeas ainda paira sobre o planeta. Sente-se como se vivêssemos em uma era mais sombria, mais paranoica, menos otimista do que a dos anos 1990, quando a Guerra Fria acabou e o ‘choque das civilizações’ ainda estava para começar. A América nunca se recuperou totalmente; nem o Ocidente”. (Sunday Times, 14 de agosto de 2011)
Soberba imperialista
Mas o equilíbrio mundial de forças que pesou decisivamente a favor do imperialismo americano passou por uma mudança profunda. O imperialismo inicialmente se fortaleceu com o 11/9 à medida que seus representantes afirmavam com arrogância sua dominação. Em 2001, ele era ainda a principal potência econômica e militar do globo. Sua ambição de conseguir a “dominação no amplo espectro militar” foi implementada na esteira do 11/9. Como resultado, os EUA gastaram quase tanto quanto o resto do mundo junto em armas destritivas, incluindo as de destruição em massa.
Isso foi acompanhada pela doutrina superficial da “guerra contra o terror”. O então secretário de defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, disse que ela ia durar pelo menos 50 anos! Não durou dez anos e, como previmos, ficou totalmente desacreditada mesmo entre a burguesia. Não obstante, sob esse guarda-chuva foi lançado um enorme ataque aos direitos democráticos dos povos, nos EUA e no resto do mundo.
A mídia capitalista nos EUA e associados se limitaram ainda mais do que o normal ao se alinhar atrás do regime Bush. Isso lançou a base para a intervenção imperialista no Afeganistão e Iraque, sob a hipócrita manchete de “intervenção militar liberal”. A direita americana sonhava reverter a “síndrome do Vietnã” e recebeu a oportunidade no 11/9. Esse é mais um aspecto das implicações reacionárias do terrorismo: ele fortalece a mão do Estado para reprimir e minar os direitos democráticos, incluindo os da classe trabalhadora e do movimento operário. Mesmo os recentes e em grande parte espontâneos motins na Grã-Bretanha foram usados pelo governo para mover o pêndulo político para a direita, com crescentes ameaças de repressão.
Muito antes das guerras, o CIT indicou que era provável que o Afeganistão e o Iraque fossem invadidos. Contudo, contestamos os inevitáveis medos e desapontamentos, se não total pessimismo, que penetrava em particular o movimento dos trabalhadores. Logo depois dos ataques do 11/9, escrevemos: “O 11/9, como vimos, claramente abriu uma nova fase para o mundo e o capitalismo. Apesar das bazófias de Bush e seus parceiros menores, como Blair, isso não significa um período vitorioso e triunfalista para o imperialismo. As ‘vitórias’ que foram conquistadas estão crivadas de contradições. Certamente, o colosso dos EUA cavalga o mundo como em nenhuma outra época na história. Mas, ao mesmo tempo, ele embutiu em suas fundações todo o material explosivo do capitalismo mundial”. (Pós-11 de setembro, Can US Imperialism Be Challenged? – setembro de 2002)
O imperialismo dos EUA de fato experimentou enormes mudanças, que reduziram a pó todas as doutrinas de Bush e seus apoiadores neoconservadores. Quem agora pode falar de um presidente americano jogando o papel de um “César” moderno, como foi o caso depois do 11/9? Barack Obama foi um expectador incapaz de intervir nas primeiras etapas das revoluções na Tunísia e Egito. Apenas com a ajuda dos regimes teocráticos contrarrevolucionários da Arábia Saudita, Bahrein e outros, ao lado da intervenção da OTAN na Líbia, o imperialismo americano conseguiu ganhar uma vantagem muito temporária na situação do Oriente Médio e Norte da África.
Na Síria, foi apenas depois de um período prolongado de levantes que Obama se sentiu capaz de intervir contra Bashar al-Assad com a ameaça de sanções econômicas se ele não deixasse a cena. Assim como todas as forces pró-capitalistas da região, contudo, Obama está aterrorizado com o que se seguiria se Assad fosse derrubado. Isso não parece estar colocado imediatamente, com o regime de Assad ainda mantendo uma base de apoio em áreas chave, como Damasco e Aleppo.
Mas a saída de Assad poderia levar a uma desintegração “desordenada” do país e sua ruptura em linhas étnicas e religiosas. Isso poderia ter repercussões imediatas, com Israel, por exemplo, agindo para assegurar sua posição se os levantes na Síria afetassem territórios que ele controla, como as Colinas de Golã. A Turquia é que mais ameaça uma intervenção militar para preservar sua “estabilidade”. Isso significa que ela agirá se achar que é provável que a população curda da Síria, livre do controle de Assad, possa reforçar a oposição dos curdos da Turquia ao governo de Erdoğan. Nessa situação, a intervenção do imperialismo americano toma mais a forma de palavras. Isso levou ao escritor do Independent Robert Fisk comentar: “Obama ruge. O mundo treme. Até parece”.
O terrível legado do imperialismo
Isso sublinha o fato de que o imperialismo dos EUA, embora ainda seja um gigante econômico e militar, não mais possui o poder de impor sua vontade ao mundo como parecia ser o caso após o 11/9. Ele está bloqueado por sua fraqueza econômica, simbolizada pelo escancarado déficit no orçamento, parcialmente consequência da violência imperialista no Afeganistão e Iraque. Colossais US$3 trilhões foram esbanjados na catástrofe da intervenção americana no Iraque e Afeganistão. Isso é o equivalente a um quinto do PIB total anual dos EUA. Muito pior é a mortandade total: pelo menos 600 mil civis iraquianos inocentes pereceram, assim como soldados da coalizão liderada pelos EUA, que morreram em guerras invencíveis nesses países.
E qual é o balanço dessas intervenções? O Talibã continua a desafiar. Ainda pior, sua influência venenosa como consequência da guerra no Afeganistão agrava a situação das massas paquistanesas, já mergulhadas em profunda pobreza e no puro desespero que invade as maiores áreas e cidades deste país.
O fantoche afegão da Grã-Bretanha e EUA, Hamid Karzai – ‘o prefeito de Cabul’ – está cada vez mais sitiado e pode ser derrubado se o apoio e as baionetas imperialistas forem retirados, como é provável que seja o caso. Os recentes assassinatos de seu irmão e de outros pilares do regime indicam como o Talibã é capaz de penetrar no próprio coração da capital e quão frágil é o atual Estado afegão. Além disso, o imperialismo está engajado em negociações com o Talibã – comparadas por David Cameron, primeiro ministro britânico, aos “processos de paz” na Irlanda do Norte. Isso mostra o que dissemos desde o início: a guerra não pode ser ganha.
De fato, o imperialismo está para “declarar vitória e retirada”, provavelmente usando a vitrine de um governo de “coalizão” envolvendo o Talibã, ou setores dele, e alguns restos do atual regime. Ao mesmo tempo, ele pode muito bem continuar a despejar recursos para a construção do chamado “exército afegão”, enquanto mantém bases militares na área. Um cenário similar existe para o Iraque. Mais uma vez como previmos, foi dado um terrível legado ao povo iraquiano pela intervenção militar dos EUA e Grã-Bretanha. As forças dos EUA estão preparando a “retirada”, tendo ajudado a destruir o Iraque e não resolver – de fato, reforçaram –os problemas de pobreza, o colapso dos serviços básicos e, acima de tudo, as divisões étnicas e sectárias.
Não obstante, no esplêndido movimento de trabalhadores esse ano, de todos os grupos étnicos, a classe trabalhadora iraquiana está começando a renascer da catástrofe. Esse evento também reforça nosso argumento contra a intervenção imperialista para derrubar Saddam Hussein. Havia alguns supostos esquerdistas – especialmente exilados iraquianos – que argumentavam que apenas a intervenção militar externa poderia remover Saddam. Apontamos para o potencial da classe trabalhadora iraquiana, mas nossos argumentos foram rejeitados pelas afirmações de que “o povo iraquiano está acorrentado, incapaz de agir por si mesmo”, e “o impulso para remover Saddam deve vir de fora”. Muitos olhavam para os mais duros adversários da classe trabalhadora, os capitalistas e imperialistas, para o trabalho que apenas um movimento independente da classe trabalhadora é capaz de preencher.
Nossos argumentos foram confirmados nos magníficos movimentos independentes das massas, que se puseram de pé e racharam o exército no Egito e Tunísia. Além disso, o desenvolvimento da classe trabalhadora e suas organizações independentes, mesmo em sociedades pobres como Afeganistão e Iraque, ocorrerá no próximo período. A tendência para movimentos não-sectários em todos os levantes que testemunhamos também pode se desenvolver em escala regional. Nenhum país, mesmo o mais forte, é viável por si mesmo, especialmente de um ponto de vista econômico. Apenas combinando os recursos dos povos em uma confederação socialista, com plena autonomia e direitos democráticos para todas as nacionalidades e grupos étnicos, incluindo o reconhecimento de direitos linguísticos e minorias religiosas, os povos da região podem sair do pesadelo que enfrentam sob o capitalismo.
Não mais um mundo unipolar
No período imediato após o 11/9, o imperialismo foi capaz de impor sua vontade, dentro de limites, porque não havia potências rivais à vista. Na Guerra Fria, o único rival ao imperialismo dos EUA era a Rússia stalinista. Seu impressionante colapso econômico, após o fim da “União Soviética” e dos restos da economia planificada, debilitaram esse antigo gigante econômico e político.
Essa situação mundial e a posição unipolar dos EUA após o 11/9 não existe mais, especialmente com a ascensão da China, que espera-se ultrapassar os EUA na próxima década, pelo menos em riqueza econômica bruta e produção, embora não em padrões de vida. A China, apoiando-se em seu novo poder econômico, cada vez mais desafia o imperialismo americano mesmo nas esferas militar, diplomática e geopolítica. Isso foi mostrado dramaticamente com o lançamento do primeiro porta-aviões da China, claramente para uso no Pacífico, em especial como contrapeso à ainda dominante marinha americana. Ao mesmo tempo, ela lançou seu próprio avião furtivo e seus aeroplanos perseguiram naves de reconhecimento americanas fora do espaço aéreo chinês, entre China e Taiwan.
Diferente de dez anos atrás, os estrategistas do capitalismo americano reconhecem que ele não pode mais manter sua política de “armas e manteiga”. Nos anos 1990, os gastos globais dos EUA em defesa pareciam ser firmes e sustentáveis. Isso em grande parte porque a fatia dos EUA no PIB global não mudou ao longo da década. Contudo, na primeira década desse século, a fatia dos EUA declinou e seu enorme orçamento de defesa não é mais sustentável. Mas, por causa de suas esbanjadoras intervenções no Afeganistão e Iraque, sua parte nos gastos mundiais de defesa na verdade aumentou de 36% para 42%. Isso agora obriga o governo Obama a esboçar cortes nos gastos de defesa, numa ordem de US$800 bilhões.
Previsivelmente, isso provocou a ira do complexo industrial-militar e seus representantes no Congresso, que estão preparados para selvagens cortes nos gastos sociais para manter suas ilusões da grandeza imperial dos EUA. Mas, com a fraqueza das bases econômicas do capitalismo Americano, ele não pode sustentar isso sem maiores ataques aos padrões de vida da classe média e trabalhadora. Isso significará que os EUA, enquanto saem frustrados no plano internacional, também experimentarão dentro de suas próprias fronteiras a mesma eclosão de ferozes lutas de classe – com características especificamente americanas de ritmo e determinação da classe trabalhadora – como ocorreu na Europa recentemente.
Portanto, ao invés da triunfante nova era de capitalismo fortalecido e florescente, que seus estrategistas esperavam após o 11/9, ocorreu exatamente o oposto dez anos depois. Dilacerado por contradições, enfrentando sua maior crise econômica desde os anos 1930, o capitalismo enfrenta um impasse nos EUA e globalmente. O capitalismo já é um sistema falido. O recente World Bank Development Report estima que um quarto da população mundial agora vive em países severamente atacados por ciclos de violência política e criminosa. Martin Wolf, do Financial Times, declarou calmamente: “O político e o criminoso estão estreitamente conectados”. O México e o cenário de ‘Mad Max’ que ele simboliza indicam isso.
A confiança dos capitalistas desintegrando
Uma das piores consequências do 11/9 foi que permitiu ao capitalismo, especialmente a ultradireita, estigmatizar todos os muçulmanos, como apoiadores declarados ou ocultos do terrorismo da Al Qaeda, que não era e não é o caso. Como no conflito da Irlanda do Norte, quando pessoas completamente inocentes eram presas e encarceradas, muçulmanos também foram. Divisões e suspeitas, que já existiam entre os imigrantes e outros trabalhadores, se ampliaram. Isso foi reforçado por Cameron, com sua crítica ao “multiculturalismo”, um ataque mal-escondido aos imigrantes. Os políticos capitalistas da Europa – incluindo Angela Merkel da Alemanha e Nicolas Sarkozy da França – tocam a mesma canção.
Mas, após os recentes motins na Grã-Bretanha e o massacre de três jovens asiáticos em Birmingham, uma abordagem ‘multicultural’ foi adotada por asiáticos, negros e brancos. Isso foi devido em grande parte à magnífica iniciativa do pai de um dos jovens mortos, que forneceu uma oportunidade para o movimento dos trabalhadores intervir e dar sua marca instintiva como uma expressão de classe. Isso aconteceu na Irlanda do Norte em 1969, quando delegados sindicais de Belfast tomaram a iniciativa de formar ‘comitês de paz’ de trabalhadores protestantes e católicos. Infelizmente, o movimento dos trabalhadores não agiu assim em Birmingham e organizações religiosas puderam ocupar o espaço. Apenas uma abordagem de classe, enfatizando os interesses de todos os trabalhadores, pode sustentar o movimento.
A menos que uma novo caminho socialista e dos trabalhadores seja aberto, a influência envenenada da ultradireita pode crescer, algumas vezes resultando em maníacos como Anders Breivik na Noruega, assassinando pessoas inocentes em nome de uma suposta “guerra contra o Islã”. Essa criatura era apenas um espelho que empregava os mesmos métodos fascistas do islã político de direita exemplificado pela Al Qaeda.
A humanidade está sendo arremessada para a deterioração do nível de vida, desastres ambientais, e a destruição de todas as esperanças do futuro com o fim das perspectivas dos jovens. A situação foi resumida por Max Hastings, que contou uma discussão que teve com um banqueiro sobre a projeção do diretor do Banco da Inglaterra de que a Grã-Bretanha iria enfrentar “sete anos magros”. Hastings e o banqueiro concluíram, entretanto, que essa era uma estimativa muito modesta: poderia ser “70 anos”! É claro que ninguém pode dar uma estimativa precisa de quanto tempo essa crise pode durar. Mas uma coisa está claro: os próprios porta-vozes do capitalismo não têm confiança no sistema. Os capitalistas mostram isso por sua recusa em investir o excedente extraído do trabalho da classe trabalhadora de volta na produção. É por isso que US$2 trilhões de dólares estão ociosos nos cofres das grandes companhias da América, e porque £60 bilhões também estão se amontoando nas companhias britânicas. Não há “saída lucrativa”, então elas não investem, o desemprego aumenta, a pobreza cresce e a classe trabalhadora que vá para o inferno num carrinho de mão.
Se ainda não conscientemente, a massa da classe trabalhadora está instintivamente, por suas ações, rejeitando o sistema. Ela ainda não conseguiu superar o legado dos últimos 20 a 30 anos de capitalismo neoliberal e sua campanha ideológica de glorificação desse sistema. Mas, socialmente, as massas mundialmente estão indo para a esquerda. Os políticos sem dúvida se aproveitar desse sentimento, a menos que o capitalismo encontre uma saída do seu atual impasse. Mesmo os defensores desse sistema, nos governos, parlamentos, institutos políticos – os modernos monastérios do capitalismo – têm pouca esperança no resgate do seu sistema para breve. Isso está fornecendo a base para levantes revolucionários dramáticos e convulsivos, o que irá ampliar a audiência para as ideias socialistas e marxistas, e para os partidos de massas que serão construídos sobre essa base.
A verdadeira lição do 11/9 é que nem o imperialismo, nem seu espelho, o terrorismo islâmico – ou qualquer forma de terrorismo – oferecem qualquer saída para a classe trabalhadora e a humanidade. São as ideias emancipadoras e democráticas do socialismo que apontam o caminho para o futuro.