Violência de gênero – metendo a colher sim!
Quando pensamos em violência logo imaginamos a cena: uma pessoa sendo agredida fisicamente pela outra, geralmente um mais forte espancando o mais fraco. Fora de contexto esta imagem causa repugnância pela tamanha covardia e com certeza algumas pessoas de bom coração virão apartar a briga.
Agora mudemos o cenário e as personagens: coloquemos um sofá, uma mesa, um fogão, uma TV ligada, o mais forte (ele) espancando, e o mais fraco (ela) apanhando. Em 68,1%* dos casos os filhos estão presenciando esta lamentável cena, em outros 16,2%* os filhos estão sofrendo a violência junto com a mãe. E os vizinhos… nesta hora ninguém ouve nada. A omissão da sociedade também é um ato de violência contra as mulheres.
Além da Lei Maria da Penha
No primeiro caso, a sanção prevista no código penal para quem ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem é pena de 3 meses a 1 ano de reclusão, podendo ser convertida na maioria das vezes em pagamento de cestas básicas, no caso do réu ser primário. No contexto de Violência Doméstica a pena pode variar de 3 meses a 3 anos de reclusão conforme prevê a Lei Maria da Penha, em vigor desde setembro de 2006. Eis aí uma das “ações afirmativas” comemorada pelo movimento feminista desde então. No entanto, a Violência Doméstica é, infelizmente, apenas uma das espécies de violência que as mulheres sofrem no dia a dia. Nós só poderemos nos armar contra estas violações a partir do momento que entendermos como elas funcionam.
Violência de Gênero: é aquela que acomete somente as mulheres pelo simples fato de termos nascido mulheres, são as infelizes frases do tipo “tinha que ser mulher”, “vai pilotar fogão”, “isto é coisa de marica”, podendo atingir todas as faixas etárias.
Violência Moral: é aquela que atinge a honra, o caráter, com palavras de baixo calão, com afirmativas que se presumem ser verdadeiras, que podem ser sentidas de formas diferentes variando de mulher para mulher: “gostosa”, “loira burra”, “galinha”… A Violência Moral esta muito presente no ambiente de trabalho e intimamente ligada ao assédio moral vivido pelas trabalhadoras que quando se recusam a sair com seus colegas ou patrões começam a ser perseguidas e muitas vezes se sentem culpadas por isto, chegando ao adoecimento ou pedindo demissão.
‘Não’ é ‘não’
Violência Sexual: infelizmente não são só os casos de estupro por estranhos que podemos caracterizar como violência sexual. Ora, se a companheira não esta a fim de ter relações e o companheiro a força, não tem outro nome que não estupro. ‘Não’ quer dizer ‘não’ mesmo. Quando uma mulher se submete aos desejos de outro contra a sua vontade, estamos diante de uma violência sexual.
Violência Psicológica: não é preciso um olho roxo, tem relação com os tratamentos desumanos a que muitas mulheres são submetidas, que podem deixar sequelas irreversíveis em sua alma. Esta talvez seja a mais difícil de se combater porque não conseguimos detectar sozinhas, muitas vezes o agressor deprecia, rejeita, manipula, discrimina, desrespeita, é indiferente. Nos rouba a autoestima e nos anula completamente como ser humano. Quando a mulher possui filhos, estes são utilizados como método de coação psicológica, deixando-a mais presa a este tipo de relação.
Agora a mais perversa de todos os tipos de violência contra as mulheres: violência estatal. Não há nenhum outro mecanismo que viole tanto os direitos das mulheres quanto o próprio Estado. Apesar de constar no Artigo 5, inciso II da Constituição brasileira que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações,” isto não passa de mera formalidade.
É visível que o Estado é omisso na solução dos conflitos e necessidade sociais da sua maioria de trabalhadores e trabalhadoras.
Como um governo que pretende punir a violência contra a mulher pode levar em consideração apenas a violência ocorrida em seu espaço domestico? Já não estaria o Estado afirmando que “como lugar de mulher é em casa, então é lá que ela apanha”? Se esta é a grande preocupação, já que a maioria das agressões às mulheres derivam de fato de suas relações íntimas, porque as Delegacias de Defesa da Mulher só funcionam de segunda à sexta em horário comercial? Como garantir abrigo às vítimas contando com apenas 70 casas abrigo no país todo? Como livrar a mulher desta posição de dominação e dependência financeira de seu parceiro? Tem o Estado real interesse nisto?
A questão é: o grande desafio para a sociedade não é ser boazinha e ligar no 180 toda vez que presenciar um ato de violência, mas sim combater todas as formas de violência que o próprio Estado nos impõe todos os dias, principalmente contra as mulheres, e entender que isto não é comum. É o sistema que torna as pessoas violentas e tem interesse de manter assim “cada um no seu lugar”.
Organizar a luta
Para combatermos o machismo e a violência precisamos combater o Estado também. É preciso não sermos coniventes com estes tipos de violência, é preciso organizar as mulheres em suas ruas, em seus bairros, em seus locais de trabalho. Há várias experiências positivas de mulheres que se uniram para enfrentar a violência sofrida no âmbito familiar, como o apitaço para chamar a atenção quando uma mulher esta sendo agredida, porque não um panelaço ou mais originalmente um colheraço? Estas situações não podem ser encaradas como individuais, precisam de ações coletivas.
As companheiras e companheiros da LSR tem o compromisso de organizar e impulsionar as lutas pelo fim de qualquer tipo de violência. Procure um de nós, vamos nos organizar, reivindicar casas abrigos onde não há e espantar a violência para lá. Vamos meter a colher sim!
* Dados divulgados em agosto de 2010 pela Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República.