Obama e a América Latina – de igual para igual?

Mesmo com poucos resultados práticos imediatos, a visita de Obama à América Latina no final de março refletiu as preocupações e interesses do imperialismo estadunidense no novo cenário internacional de crise capitalista e corrida imperialista sobre a América Latina.

O presidente dos EUA Barack Obama esteve no Brasil, Chile e El Salvador entre os dias 19 e 23 de março. O tom dos discursos no Teatro Municipal do Rio ou no Palácio de La Moneda em Santiago indicava uma conversa “entre iguais”. Obama reivindicou as democracias latino-americanas e fez questão de enfatizar que começava ali uma nova fase nas relações entre os EUA e a América Latina.

Por trás da retórica, o que se viu foi bem diferente. A começar pela repressão intensa contra qualquer um que quebrasse o coro de bajuladores. No Rio, enquanto Obama falava em democracia e fazia referências ao passado da presidente brasileira, Dilma Rousseff, como presa política, 13 manifestantes que participaram de um protesto pacífico em frente ao Consulado dos EUA foram enviados à prisão de forma totalmente arbitrária.

Se os agentes de segurança estadunidenses trazidos na comitiva de Obama chegaram ao ponto de submeter ministros de Estado a uma revista vexatória, o tratamento dado ao povo nas ruas não poderia ter sido diferente.

Mais do que as visitas a comunidades pobres ou pontos turísticos do Rio, a marca da visita de Obama está nas cabeças raspadas de jovens e trabalhadores transformados em presos políticos pelos governos de Dilma e Sergio Cabral a serviço do governo estadunidense.

Mas, isso não é tudo. Também ficará marcado que foi em solo brasileiro, minutos antes de um jantar no Palácio do Planalto que Obama autorizou o ataque militar à Líbia, uma ação imperialista voltada para conter a revolução árabe e não com fins humanitários como apresentada.

Crise e corrida imperialista

A América Latina historicamente foi tratada como quintal do imperialismo estadunidense. Num momento em que a economia dos EUA busca encontrar caminhos de recuperação depois da grave crise que atingiu seu pico em 2008 e 2009, mais uma vez, a América Latina é vista como campo de exploração.

Desde 2009, muitos países latino-americanos puderam amenizar o impacto mais forte da crise internacional aproveitando-se das exportações de commodities ao mercado asiático, em particular à China. Esse foi o caso do Brasil que, junto com uma política de utilizar dinheiro público para sustentar a atividade econômica e fomentar o crédito, conseguiu uma taxa de crescimento do PIB da ordem de 7,5% em 2010 diante de um crescimento abaixo de zero em 2009.

Em 2010, o Brasil teve o maior déficit comercial de todos os tempos em relação aos EUA. As exportações do Brasil ao mercado estadunidense caíram 37,8% no auge da crise (primeiro quadrimestre de 2009). Enquanto isso, em relação à China, as exportações cresceram 62,67% no mesmo período. Isso fez com que a China fosse hoje o primeiro mercado para as exportações brasileiras em todo o mundo.

Ao contrário de países latino-americanos como o México e países da América Central, mais dependentes do mercado estadunidense, esse distanciamento em relação aos EUA favoreceu a economia brasileira. Porém, criou novas contradições e problemas.

Nas vésperas da visita de Obama, a imprensa noticiou que o subsecretário de Estado dos EUA, Arturo Valenzuela havia declarado estar “contente” com as relações do Brasil com a China, porque com o dinheiro das exportações ao país asiático, o Brasil compraria “máquinas americanas”.

Essa declaração reflete uma contradição fundamental da “emergente” economia brasileira. As relações construídas com a China reproduzem um modelo neocolonial de exportação de produtos primários e importação de produtos industrializados. Entre EUA e China, a disputa é de quem o Brasil e a América Latina comprarão mais.

A guerra cambial em curso, com a valorização da moeda brasileira, junto com medidas protecionistas que apontam os riscos de uma guerra comercial generalizada, tende a agravar a situação. O resultado disso é um processo de desindustrialização e retrocesso nas bases fundamentais da economia brasileira, com graves efeitos sociais, mesmo quando há índices positivos de crescimento.

Os investimentos chineses no Brasil visam garantir o acesso à matéria prima, produtos agrícolas, alimentos e minérios que o país necessita. Mais recentemente, a China se voltou para a perspectiva de o Brasil tornar-se futuramente um grande exportador de petróleo. Esse tema também foi central na visita de Obama ao Brasil.

A perspectiva de exploração de grandes bacias petrolíferas em águas profundas na camada pré-sal na costa brasileira é alvo de grande atenção do ponto de vistas dos interesses imperialistas. Apesar de muito incerta do ponto de vista do financiamento e dos riscos ambientais para sua produção (haja vista o desastre do vazamento no Golfo do México), o petróleo do pré-sal pode representar uma mudança significativa do papel do Brasil no cenário da produção internacional do petróleo.

Interessa à classe dominante dos EUA diversificar seus fornecedores de petróleo, principalmente num contexto de crises revolucionárias no Oriente Médio. Mas, interessa também que empresas estadunidenses participem do lucrativo empreendimento no Brasil.

Em 2009 foi assinado um acordo que prevê um empréstimo chinês de cerca de US$ 10 bilhões para investimentos nas novas reservas do pré-sal, tendo como contrapartida a garantia de entrega de uma quantidade fixa de petróleo por dez anos para a China.

No Brasil, Obama propôs um “diálogo estratégico sobre energia” com intenções parecidas. Mas, quando se trata do imperialismo estadunidense, não se pode limitar as relações entre países a meros acordos comerciais. Uma nova ofensiva dos EUA sobre a América Latina inclui desde a pressão “democrática” sobre governos da região até o uso direto ou indireto da supremacia militar.

A reativação da IV Frota da marinha estadunidense para monitorar o Atlântico não é uma ação gratuita, supostamente motivada por razões humanitárias ou combate ao narcotráfico. Esta também relacionada à corrida imperialista pela América Latina.

Lula e Dilma: política externa progressista?

O início de governo de Dilma Rousseff, herdeira de Lula, tem sido marcado por um retorno às políticas neoliberais mais explícitas que caracterizaram o primeiro governo do PT, como continuidade do governo de Fernando Henrique Cardoso, abertamente neoliberal.

Depois de uma profunda crise política marcada por escândalos de corrupção em 2005 e os graves efeitos da crise econômica internacional de 2008 e 2009, o governo Lula não conseguiu aprofundar o curso neoliberal adotado desde o início. Como quase todos os governos burgueses do mundo, Lula foi obrigado a jogar o peso do Estado para salvar os capitalistas e amenizar os efeitos da crise. Junto com isso tentou adotar uma aparência mais desenvolvimentista e menos neoliberal.

Seguindo a tendência internacional, o governo Dilma parte com força para remediar os “excessos” do período de crise. O governo já anunciou cortes da ordem de R$ 50 bilhões, além de retomar os planos de uma nova contra-reforma da previdência social, congelamento de salários para o funcionalismo público, etc.

Mesmo para muitos críticos do primeiro mandato de Lula, a política externa do governo era a única área onde o governo mereceria aplausos por sua postura independente e soberana. Na verdade, a política externa brasileira não deixou de ser coerente com a política interna.

O lulismo no poder representou uma expansão do capitalismo brasileiro sobre a América do Sul, reeditando uma perspectiva subimperialista. O governo Lula representou os interesses econômicos das grandes empresas brasileiras e multinacionais instaladas no Brasil e interessadas no mercado e potencial econômico dessa região.

Se essa política pode ter gerado ocasionalmente algum desconforto em relação ao governo estadunidense, nunca representou nenhum tipo de ruptura ou intenção de avançar nessa direção. Na prática, o Brasil atuaria como sócio menor do imperialismo.

Para os interesses do subimperialismo brasileiro é fundamental a construção de uma situação de paz social e estabilidade na América Latina. Essa é a razão pela qual o governo brasileiro jogou um papel protagonista tanto na tentativa de contenção das ações golpistas em países como Venezuela, Bolívia e Honduras, como na busca consciente de frear processos de transformação radical dessas sociedades numa perspectiva revolucionária e anticapitalista.

O papel de empresários e políticos brasileiros ao estimular política, econômica e ideologicamente o processo de restauração capitalista em Cuba aponta também na mesma direção.

Além disso, as ambições da burguesia brasileira e do grande capital aqui instalado buscam um reconhecimento maior do papel político do país internacionalmente. A aspiração por um assento permanente para o país no Conselho de Segurança da ONU simboliza isso. É isso que leva o governo brasileiro a buscar intervir em temas polêmicos como a questão do Irã e Oriente Médio.

No caso do Haiti, a missão da ONU encabeçada por forças brasileiras, não passa de uma força armada de ocupação sobre um país profundamente abalado por desastres naturais, epidemias e uma verdadeira espoliação por parte dos interesses econômicos internacionais.

A presença do Brasil no Haiti, assim como de tropas de outros países latino-americanos, deixa claro o papel retrógrado da política externa do governo brasileiro.

A luta contra o imperialismo no Brasil e na América Latina está vinculada também à luta contra seus sócios menores em território nacional. Trata-se, portanto, de uma luta contra os interesses capitalistas em solo brasileiro e latino-americano. Trata-se de uma luta anti-capitalista e pela unidade socialista da América Latina. 

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