Haiti: Um desastre agravado pelo capitalismo
O fornecimento de energia e as comunicações foram destruídos e apenas um aeroporto continua operando. Estima-se que cerca de três milhões de pessoas, a maioria das quais ficou sem casa, tenham necessidades diretas como água, comida, roupas, abrigo e medicamentos essenciais.
O país desesperadamente pobre possui poucos recursos para lidar com a catástrofe. As pessoas estão limitadas a tentar resgatar as vítimas dos entulhos com as mãos nuas.
Semelhante às grotescas cenas de um campo de batalha medieval, milhares de corpos inchados empilham-se nas ruas de Porto Príncipe. Não há serviços estatais básicos para lidar com os mortos com qualquer dignidade, sem falar de resgatar os vivos ou assistir os sobreviventes.
Muitos haitianos estão agora em rudimentares “acampamentos informais” ao ar livre, descritos como “insalubres” e “perigosos”. A falta de água potável, alimentos e meios sanitários significam que doenças infecciosas e mortais podem se espalhar. O corpo médico está completamente subjugado pelas condições. Os feridos, frequentemente com ossos quebrados, estão enfrentando amputações de membros ou a morte devido à falta de medicamentos básicos e tratamento.
Para os ricos a situação é muito diferente; suas grandes casas no “fresco e verde subúrbio” de Petionville “foram, em sua maioria, poupadas” e possuem “estoques de alimentos duráveis” (Washington Post, 18/01/10). Trabalhadores de resgate internacionais informam que estão sendo instruídos a primeiro encontrar estrangeiros nos grandes hotéis de luxo em colapso. O Washington Post prevê que os ricos em Petionville “receberão uma grande soma de dinheiro americana e internacional para ajudar na reconstrução”.
Os trabalhadores de todo o mundo estão compreensivelmente horrorizados e assustados com essa tragédia humanitária. Muitas pessoas, instintiva e generosamente, correram para fazer donativos e ajudar os esforços de resgate. Compare isso com os insignificantes fundos prometidos pela ONU e as maiores potências mundiais. A ONU inicialmente disse que levantaria 550 milhões de dólares em ajuda para o Haiti – uma mera fração dos mais de 100 bilhões de dólares que está sendo pago mundialmente em bônus aos banqueiros este ano.
Sem dúvida, em um ato que pretendia ser de “boas relações públicas”, o banco de Nova Iorque Citigroup disse que daria 250 mil dólares à Cruz Vermelha americana para serem usados em ajuda imediata ao Haiti. Mas o valor gasto pelo Citigroup com o pagamento de bônus, principalmente para os altos executivos em 2009, é calculado em cerca de 5,3 bilhões de dólares.
Ao mesmo tempo, a lenta resposta das grandes potências, especialmente do vizinho rico do Haiti, os EUA, está causando uma crescente frustração e raiva em todo o mundo. Apesar da retórica de Washington, pouca ajuda chegou nos dias seguintes ao terremoto, quando era mais necessária e quando as pessoas presas debaixo dos prédios derrubados ainda estavam vivas.
Furiosos com a miserável ajuda fornecida, alguns haitianos recorreram a protestos com bloqueios de estradas feitos com corpos mortos e escombros das construções. Muitos moradores de Porto Príncipe perderam qualquer esperança de ajuda além-mar e estão fugindo a pé para o interior.
As administrações dos EUA e da ONU afirmam repetidamente que sua resposta deplorável é causada pela falta de infraestrutura e coordenação no Haiti. Mesmo essa desculpa para a inação é sem dúvida enormemente exagerada, o Haiti certamente já era um estado muito pobre antes do terremoto. É o país mais pobre do hemisfério ocidental e tem uma história de destrutivos desastres naturais. Mas de quem é a culpa disso? É do nocivo papel do imperialismo dos EUA, junto com uma série de regimes haitianos corruptos e pró-EUA, que deixaram o país tão empobrecido e vulnerável aos desastres naturais.
Junto com o terremoto medido em 7 pontos na escala Richter, a enorme dimensão do desastre humano foi causada pela pobreza do Haiti. O país possui apenas dois postos de bombeiros e nenhuma moradia “a prova de tremores”. Terremotos similares causaram muito menos impacto na vizinha República Dominicana, onde os regulamentos de construção são muito mais severos, ou na vizinha Cuba, onde a administração de emergências é infinitamente melhor.
80% dos haitianos vivem abaixo da linha da pobreza e o PIB per capita do país em 2009 foi de apenas dois dólares por dia. O desemprego está em terríveis 75%. A taxa de sobrevivência dos recém-nascidos é a mais baixa do hemisfério ocidental. “Para muitos adultos, as fontes mais promissoras de renda provavelmente vêm do tráfico de drogas, comércio de armas, pertencerem a uma gangue, seqüestro e extorsão”, comentou o jornal The Guardian (15/01/10).
Ao invés de uma ajuda de emergência em larga escala ao Haiti, a Casa Branca embarcou numa intervenção armada de larga escala. Os EUA se referem a “pilhagens generalizadas” para justificar a necessidade de milhares de soldados e fuzileiros americanos. Mas com as lojas destruídas ou fechadas, esse é o único meio, para muitos, de conseguirem água ou alimento. Até agora, segundo o The Guardian (18/01/10), “os alertas de que Porto Príncipe cairia na anarquia não se materializaram”.
Ajuda humanitária ou intervenção armada?
A tomada militar dos EUA nas operações de emergência no Haiti significa que as manobras aéreas militares americanas receberam prioridade no aeroporto de Porto Príncipe, forçando muitos vôos humanitários que não fossem norte-americanos a se desviar para a República Dominicana. Isso provocou uma furiosa resposta de outras potências com interesses na região, incluindo Brasil e França. O ministro francês das relações exteriores acusou os EUA de tratar o aeroporto como um “anexo de Washington”.
Temendo protestos e motins em massa, caso a ajuda não alcance os sobreviventes, os EUA estão colocando tropas no solo para manter a “lei e a ordem”. Isso pode marcar o começo do que será, de fato, um governo militar dos EUA, que será usado contra o povo do Haiti, assim como os nove mil soldados da ONU eram empregados no Haiti antes do terremoto devastador.
Já que o governo Obama e outras potências falharam por vários dias cruciais em fornecer mesmo a ajuda mais básica necessária às massas haitianas, quem pode seriamente acreditar que fornecerão os grandes recursos necessários para reconstruir e modernizar o país, incluindo a construção de prédios “à prova de tremores”? Os EUA, a ONU e as ONGs estrangeiras – já amplamente ridicularizados pelos haitianos por torrar 50% de suas verbas em “gastos com administração” – ficarão cada vez mais desacreditados aos olhos dos pobres.
Por décadas, o Haiti é assolado pela pobreza, desemprego e ditaduras militares. Apenas as massas do Haiti, com a classe trabalhadora jogando o papel principal, podem encontrar uma saída da pobreza, violência e golpes sem fim.
Hoje, mais do que nunca, uma alternativa de massas dos trabalhadores e pobres tem que ser construída em oposição à minúscula elite rica. O desastre do terremoto e o fracasso abjeto das grandes potências em fornecer ajuda, somado a um adequado “programa de reconstrução” irão realçar cruelmente para as massas haitianas a necessidade do controle democrático dos recursos da sociedade.
Na base do capitalismo, a vasta maioria do povo continuará empobrecida, sem emprego, analfabeta, faminta e vivendo em favelas. Essa existência significa que a massa do povo permanecerá altamente vulnerável a “desastres naturais”.
Os trabalhadores e os pobres do Haiti precisam de suas próprias organizações de classe independentes, sindicatos e um partido de massas com um programa socialista, para lutar por uma verdadeira mudança fundamental, apelando para a classe trabalhadora e os pobres de todo o Caribe e das Américas.
O papel podre do imperialismo
Nos anos de 1780, sob o domínio francês, o Haiti exportava 60% de todo o café e 40% de todo o açúcar consumido na Europa. Há apenas 200 anos atrás, as massas negras aboliram a escravidão no Haiti e ganharam a independência nacional da França; atos que inspiraram as massas do Caribe e do mundo.
Mas as potências mundiais eram vingativas e determinaram que a “república negra” cairia e iniciaram uma série de intervenções e intromissões sem fim. Em 1825, o Haiti foi sobrecarregado com enormes pagamentos de “reparações”, que estavam sendo pagos até 1947!
Fuzileiros americanos ocuparam o Haiti de 1915 a 1934. Entre 1957 e 1986, os EUA apoiaram os notórios regimes de ‘Papa Doc’ e ‘Baby Doc’ Duvalier, até que a tirania hereditária foi derrubada por um movimento de massas dos trabalhadores e estudantes.
O Haiti seguiu com uma série de regimes altamente instáveis e de curta duração. Infelizmente, esses anos de movimentos urbanos radicais não tiveram uma direção revolucionária socialista que pudesse tomar o poder, varrer o capitalismo e realizar as demandas dos trabalhadores.
Na semana passada, o presidente Obama uniu-se aos antigos presidentes Clinton e Bush, prometendo atender o “momento de necessidade” do Haiti. Esse foi um momento de nauseante hipocrisia, já que o papel que Clinton e Bush jogaram quando estavam no cargo aprofundaram a pobreza e corrupção do Haiti.
Jean Bertrand Aristide ganhou as eleições presidenciais do Haiti de 1990 prometendo enfrentar a pobreza e a injustiça social. Suas reformas iniciais eram populares entre os pobres, mas tímidas comparadas ao realmente necessário para acabar com a pobreza e o desemprego. Contudo, a reacionária elite rica se opôs violentamente a Aristide.
Aristide foi derrubado pelo General Cedras, em 1991, mas voltou ao poder em 1994, nas costas de 20 mil soldados americanos, depois que a administração Clinton eventualmente perdeu a paciência com o regime volátil e desafiador do general. Clinton assegurou que Aristide não ameaçasse os interesses vitais dos EUA ou a continuação do domínio da elite rica.
Em 2000, Aristide foi novamente eleito à presidência com mais de 90% de apoio, mas esse apoio diminuía à medida que ele deixava de fazer qualquer mudança real nas condições de pobreza e as alegações de corrupção e compra de votos aumentavam.
A administração de Bush não obstante se opôs a Aristide e bloqueou a ajuda internacional ao Haiti. A oposição reacionária montou um levante em 2004, com o apoio de membros do Partido Republicano dos EUA, e Aristide foi despachado do Haiti por tropas americanas.
Os anos desde a remoção de Aristide têm sido uma contínua crise, marcada pela violência e uma sucessão de primeiros-ministros. Em 2006, René Préval foi anunciado ganhador da eleição presidencial. O aumento das tropas estrangeiras, lideradas pelo Brasil (jogando um papel imperialista regional) provocou grandes choques entre as tropas da ONU e gangues armadas em Cité Soleil, uma das maiores favelas dos pais. Mas também foram usadas contra trabalhadores e estudantes que protestaram. Motins por comida, em abril de 2008, forçaram o governo a anunciar um plano de corte dos preços do arroz.
Apesar da descrição do Presidente Préval como um “campeão dos pobres”, ele não enfrentou as profundas desigualdades do Haiti. O enorme fosso social entre a maioria negra e pobre de fala Creole, que constitui 95% da população, e os 5% mulatos que falam de francês, dos quais 1% possui aproximadamente metade da riqueza do país, continua sem solução.
As políticas comerciais impostas pelas agências financeiras internacionais deixaram o Haiti dependente das importações de comida, especialmente dos EUA. A subida dos preços de arroz e outros itens em 2009 atingiram duramente o povo haitiano. O Haiti foi sobrecarregado com 50 milhões de dólares por ano em pagamento da dívida. Na semana passada, foi concedido um “empréstimo de emergência” de cem milhões de dólares do FMI, mas com a condição de congelamento dos pagamentos do setor público.
Antes do terremoto, Bill Clinton, como enviado especial da ONU ao Haiti, estava promovendo ainda mais empresas baseadas na precarização e super-exploração dos trabalhadores, com os quais as corporações americanas, canadenses e a elite rica do Haiti lucrariam.
- Financiamento massivo imediato para ajudar as vítimas do terremoto e reconstrução.
- Controle democrático sobre toda a ajuda e assistência de emergência – resgate, remédios e reabilitação das pessoas afetadas, e massivos programas de reconstrução – através de comitês eleitos de trabalhadores, agricultores e pobres de cada área.
- Construção de moradias, hospitais, escolas, estradas e infraestrutura de boa qualidade à prova de tremores, além de outros recursos e serviços públicos vitais.
- Subsídios estatais para os pequenos agricultores em dificuldade.
- Cancelamento de todas as dívidas externas e injustas políticas comerciais.
- Empregos e salários decentes para todos
- Colocar a economia sob propriedade pública, com controle e gestão democrática dos trabalhadores.
- Tropas dos EUA e ONU fora do Haiti – fim da intromissão imperialista
- Construir sindicatos independentes e um novo partido de massas da classe trabalhadora e dos pobres, com políticas socialistas.
- Por um Haiti socialista, como parte de uma federação socialista igualitária e voluntária do Caribe.