Líbia: Não à intervenção militar do imperialismo

Vitória para a Revolução Líbia – Construir um movimento independente dos trabalhadores e da juventude!

A decisão majoritária do Conselho de Segurança da ONU de impor militarmente uma “zoa de exclusão aérea” contra a Líbia, embora saudada com alegria nas ruas de Benghazi e Tobruk, de forma alguma pretende defender a revolução líbia. Os revolucionários na Líbia podem pensar que essa decisão irá ajuda-los, mas estão errados. Puros cálculos políticos e econômicos estão por trás da decisão das potências imperialistas. Não é um salva-vidas que possa “salvar” a revolução, no verdadeiro sentido da palavra, contra Gaddafi.

As grandes potências imperialistas decidiram que elas agora querem explorar a revolução e tentar substituir Gaddafi com um regime mais confiável. Contudo, o anúncio do ministro líbio das relações exteriores de um cessar fogo imediato complicou a posição imperialista. 

Face a um rápido avanço vindo do oeste das forças de Gaddafi, muitos no leste da Líbia se voltaram para a ideia de uma zona de exclusão aérea para ajuda-los a deter essa maré, mas esse não é o caminho para defender e ampliar a revolução. Infelizmente, o impulso inicial da revolução para o oeste, onde vivem dois terços dos líbios, não se baseou em um movimento construído sobre comitês democráticos populares que pudesse oferecer um programa claro para conquistar o apoio das massas e dos soldados de base, enquanto travam uma guerra revolucionária. Isso deu a Gaddafi a oportunidade de reagrupar. 

O crescente apoio a uma zona de exclusão aérea foi um retrocesso do sentimento expressado em cartazes escritos em inglês exibidos em Benghazi em fevereiro, que diziam: “Não à intervenção estrangeira – Os líbios podem fazer isso por si mesmos”. Isso após os maravilhosos exemplos da Tunísia e Egito, onde a ação de massas prolongada minou completamente os regimes totalitários. As massas líbias confiavam que seu ímpeto asseguraria a vitória. Mas Gaddafi foi capaz de manter o controle de Trípoli. Essa relativa estabilização do regime e sua contraofensiva levaram à mudança de atitude para com a intervenção estrangeira, que permitiu que a direção, em grande parte pró-ocidental, do rebelde “Conselho Nacional Interino Provisório” superasse a oposição da juventude e pedisse ajuda ao Ocidente.

Contudo, apesar das horripilantes palavras do regime de Gaddafi, não é em absoluto certeza que suas forças relativamente pequenas pudessem ter lançado um ataque total a Benghazi, a segunda maior cidade da Líbia, com cerca de um milhão de pessoas vivendo em seus arredores. Uma defesa de massas da cidade teria embotado o ataque de Gaddafi. Agora, se o cessar-fogo continuar e Gaddafi continuar no poder em Trípoli, pode ocorrer uma ruptura de facto do país, retornando a algo como as entidades separadas que existiam antes da Itália criar a Líbia em 1912 e que a Grã-Bretanha recriou no final dos anos 1940.

Quaisquer que sejam os efeitos imediatos da “zona de exclusão aérea”, qualquer confiança posta na ONU ou nas potências imperialistas ameaça minar todas as genuínas esperanças e aspirações da revolução que começou no último mês. Isso porque as potências que impõem a ameaça de ação militar não são amigos das massas líbias. Até recentemente, elas estavam muito satisfeitas em negociar e agradar a assassina camarilha de Gaddafi, para manter uma “parceria”, especialmente em relação ao gás e petróleo da Líbia. De fato, no dia seguinte que a ONU tomou essa decisão, o Wall Street Jornal de Murdoch lamentou que “a parceria estreita entre o serviço de inteligência do líder líbio Col. Muammar Gaddafi e a CIA tenha sido prejudicado” (18/03/11). O jornal anunciou que “segundo um alto oficial americano”, a “parceria” anterior foi “especialmente produtiva”.

Agora, tendo perdido antigos aliados ditatoriais como Mubarak no Egito e Ben Ali na Tunísia, o imperialismo está tentando tirar vantagem do levante popular na Líbia para restaurar sua imagem “democrática” e ajudar a instalar um regime mais “confiável”, pelo menos em parte da Líbia. Como antes, o Norte da África e o Oriente Médio, com seu petróleo e localização estratégica, são de tremenda importância para as potências imperialistas. 

Isso revela a absoluta hipocrisia das principais potências imperialistas, que apoiaram vergonhosamente regimes ditatoriais repressivos por todo o Oriente Médio por décadas. Ao mesmo tempo que aprovavam a Zona de Exclusão Aérea, as mesmas potências não fizeram absolutamente nada para impedir a Arábia Saudita e seus aliados do Golfo de suprimir brutalmente a maioria da população do Bahrein e de fomentar o sectarismo. Após 12 horas da decisão da ONU, as forças armadas de outro aliado regional, o Iêmen, mataram pelo menos 39 manifestantes na capital, Sanaa. A ONU só foi capaz de tomar essa decisão sobre a Líbia por causa do apoio da Liga Árabe a uma Zona de Exclusão Aérea, mas é claro que esses governantes reacionários não tinham nada a dizer sobre a repressão no Bahrein, Iêmen e outros países árabes.

A “preocupação” de Cameron e Sarkozy com a Líbia é motivada pelo menos parcialmente pela impopularidade doméstica e a esperança de que um sucesso estrangeiro fortaleça sua posição. Cameron claramente espera um sucesso similar ao que Thatcher desfrutou depois de sua vitória na guerra das Falklands de 1983. Mas Thatcher conseguiu uma rápida vitória militar – a operação da zona de exclusão aérea não produzirá uma vitória militar similar. Sarkozy, depois do desastre de sua política na Tunísia, que levou à demissão do ministro das relações exteriores francês, precisa de um “sucesso” para levantar seus baixos índices de popularidade à medida que se aproxima a eleição presidencial do próximo ano.


Zigue-zagues de Gaddafi

Apesar da recente aproximação das potências imperialistas com Gaddafi, o tirano sempre foi um aliado duvidoso. Ao longo de seus quase 42 anos no poder, Gaddafi zigue-zagueou em sua política, algumas vezes violentamente. Em 1972, ele ajudou o ditador sudanês, Nimeiry, a esmagar um golpe de esquerda que ocorreu em reação à repressão da esquerda, incluindo a proibição do partido comunista sudanês, de um milhão de membros. Seis anos depois, Gaddafi proclamou uma “revolução popular” e mudou o nome oficial do país de República Árabe da Líbia para Grande Jamahiriyah Popular Socialista Árabe da Líbia. Apesar da mudança de nome e da formação dos chamados “comitês revolucionários”, isso não era o socialismo democrático genuíno ou um movimento em direção a ele. A classe trabalhadora e a juventude da Líbia não dirigiam seu país. Gaddafi continuou no controle. Isso foi realçado pelo papel cada vez mais proeminente que muitos de seus filhos jogavam no regime.

Não obstante, desde 1969, apoiado nos enormes rendimentos do petróleo e em uma população pequena, houve grandes melhorias na vida da maioria dos líbios, em especial na educação e saúde, o que pelo menos explica parcialmente porque Gaddafi ainda tem alguma base de apoio entre a população. Mesmo que haja uma crescente oposição à camarilha de Gaddafi, especialmente entre a maioria esmagadora da população jovem e escolarizada da Líbia, há também o medo sobre o que poderia substitui-lo e oposição a qualquer coisa que cheire a domínio estrangeiro. O uso generalizado dos revolucionários da bandeira da velha monarquia estava destinado a alienar aqueles que não querem o retorno do passado e foi usado por Gaddafi para justificar a repressão. O agitar da velha bandeira também se arriscava a alienar os líbios do oeste do país, já que o antigo rei veio do leste e não tinha raízes históricas na área em torno de Trípoli.

Mas esses fatores não são uma explicação completa de porque Gaddafi foi capaz, pelo menos temporariamente, de estabilizar sua posição. Embora haja um levante popular no leste da Líbia, Gaddafi foi capaz de manter sua posição no oeste, onde vivem dois terços da população, apesar de grandes protestos em Trípoli e levantes em Misrata, Zuwarah e algumas outras áreas.

Papel da classe trabalhadora

Diferente do Egito e Tunísia, a classe trabalhadora na Líbia, até agora, não começou a jogar um papel independente na revolução. Além disso, muitos trabalhadores na Líbia são imigrantes que fugiram do país nas últimas semanas. 

A ausência de um foco nacional que, por exemplo, forneceu a federação sindical tunisiana UGTT (apesar de sua direção nacional pró-Ben Ali), complicou a situação na Líbia. O enorme entusiasmo revolucionário da população, até agora, não recebeu uma expressão organizada. O em grande parte autonomeado “Conselho Nacional” que surgiu em Benghazi é uma combinação de elementos do velho regime e elementos mais pró-imperialistas. Por exemplo, o porta-voz ao exterior do Conselho, Mahmoud Jibril, antigo chefe da Câmara de Desenvolvimento Econômico Nacional de Gaddafi, foi descrito pelo embaixador americano, em novembro de 2009, como um “interlocutor sério que ‘conhece’ a perspectiva dos EUA”. 

É fácil para Gaddafi apresentar essas pessoas como uma ameaça aos padrões de vida líbios e agentes de potências estrangeiras. Ao mesmo tempo, essa propaganda terá apenas um efeito limitado, já que a deterioração dos padrões de vida da população e o desemprego aumentaram (estando em 10%) desde o fim do boom do petróleo dos anos 1980 e o início das privatizações em 2003.

O uso por Gaddafi da ameaça de intervenção imperialista juntou algum apoio e se o país for dividido, pode juntar mais. Por quanto tempo isso pode sustentar Gaddafi é outra questão. Além da retórica anti-imperialista, Gaddafi fez concessões para manter seu apoio. Cada família recebeu o equivalente a US$450. Alguns trabalhadores do setor público receberam aumentos salariais de 150% e impostos e taxas sobre alimentos foram abolidos. Mas essas medidas não respondem às demandas por liberdade e fim da crescente frustração da população jovem da Líbia, com uma média etária de 24 anos, com a corrupção e o sufocante controle do regime. 

Em todo o mundo, milhões de pessoas seguem e se inspiram nas revoluções no Norte da África e Oriente Médio. Esses eventos inspiraram protestos contra os efeitos da crise capitalista em muitos países. Alguns daqueles que saúdam os eventos revolucionários na região podem apoiar a “zona de exclusão aérea” da ONU, mas os socialistas dizem que isso é feito primariamente no interesse das potências imperialistas – as mesmas potências que não fazem absolutamente nada para deter as ações repressivas dos Estados do Golfo contra os protestos de massa em seus países. 

Mas então o que pode ser feito internacionalmente para ajudar a revolução líbia? Antes de tudo, os sindicatos devem bloquear a exportação de petróleo e gás líbios. Segundo, os trabalhadores bancários devem se organizar para congelar todos os ativos financeiros do regime de Gaddafi.

A “zona de exclusão aérea” não levará automaticamente à derrubada de Gaddafi. De fato, como Saddam Hussein, o líder líbio pode fortalecer sua posição por um tempo nas partes do país que ele controla. Como mostra a experiência do Egito e Tunísia, a chave para derrubar a ditadura é o movimento da classe trabalhadora e da juventude.

Um programa revolucionário

Assim, o destino da revolução será decidido dentro da própria Líbia. Sua vitória exige um programa que supere as divisões tribais e regionais e uma as massas da população contra a camarilha de Gaddafi e por um futuro melhor.

Um programa para a revolução líbia que beneficie genuinamente a massa da população se basearia na conquista e defesa de verdadeiros direitos democráticos; um fim da corrupção e privilégios; a salvaguarda e ampliação das conquistas sociais obtidas desde a descoberta do petróleo; oposição a qualquer forma de recolonização e por um plano econômico público e democraticamente controlado, para usar os recursos do país em benefício da massa do povo.

A criação de um movimento independente dos trabalhadores, dos pobres e da juventude líbia, que possa realizar uma verdadeira transformação revolucionária do país, é o único caminho para frustrar os planos imperialistas, acabar com a ditadura e transformar as vidas da população.