Irlanda: Eleições veem o colapso do Fianna Fail, o tradicional partido do establishment, e avanço dos socialistas

A eleição geral na Irlanda foi histórica, mas não pelas razões enfatizadas pelos parceiros provável novo de governo do Fine Gael e do Partido Trabalhista. É verdade que ambos os partidos conseguiram sucessos sem precedentes nas eleições, mas são vitórias de Pirro e temporárias.

A eleição foi histórica principalmente porque ela viu o quase colapso do Fianna Fail, o partido dominante do establishment capitalista na Irlanda desde a fundação do Estado e um dos mais bem sucedidos partidos capitalistas da Europa dos últimos 80 anos. Os resultados eleitorais também foram extremamente significativos porque marcou o surgimento da Aliança da Esquerda Unida (ULA, em inglês), que ganhou cinco mandatos parlamentares.

O Partido Socialista, que iniciou o processo que levou à formação da Aliança da Esquerda Unida, elegeu dois TDs (membros do Dail – o parlamento irlandês). Clare Daly foi eleita pela primeira vez ao Dail no distrito de Dublin Norte (com 7.513 votos de preferência, ou 15,2%). Joe Higgins voltou ao Dail representando Dublin Oeste (8.084 ou 19%). Os dois excelentes resultados também representam a perspectiva de muitos trabalhadores em todo o país, que veem os TDs do Partido Socialista como representantes daclasse trabalhadora em geral, não apenas de seus distritos particulares.

Em Cork Norte Central, o candidato do Partido Socialista Mick Barry teve uma campanha excelente, ganhando 4.803 (9,2%) votos de preferência, quase três vezes os votos que recebeu em 2007. Isso coloca o Partido Socialista numa posição muito forte para concorrer a uma vaga no Dail quando ocorrer a próxima eleição geral.

O partido também teve uma plataforma muito boa para concorrer em Dublin Sudoeste, onde nosso candidato Mick Murphy ganhou 2.461 votos ou 5,25%. Na vaga de Dublin Centro-Oeste, Rob Connolly ganhou 622 votos, ou 1,5%. Em Laois Offaly, Ray Fitzpatrick teve 561 ou 0,8%. Em Dublin Nordeste, Brian Greene teve 869 ou 2%. Carlow Kilkenny viu Conor Mac Liam receber 1.135 ou 1,5% e, finalmente, na cidade de Limerick, o candidato do Partido Socialista Cian Prendiville ganhou 721 ou 1,7%.

Lançamos mais candidatos do que nunca e em Dublin Centro-Oeste, Carlow Kilkenny, Laois Offaly e Limerick, nossos camaradas concorreram pela primeira vez em uma eleição geral. A base de apoio do Partido Socialista se fortaleceu em todas essas áreas, como resultado disso.

A Aliança da Esquerda Unida (ULA) é formada pelo Partido Socialista, Aliança Povo antes dos Lucros (PBPA), Grupo de Ação dos Trabalhadores e Desempregados (WUAG, em Tipperary) e um grupo socialista independente em Sligo. Os outros três TDs da ULA eleitos foram Joan Collins (PBPA) em Dublin Sul-Central, com uma votação de preferência de 6.574 ou 12,9%, Richard Boyd Barrett (PBPA/SWP), em Dun Laoghaire, com 6.206 ou 10,95% e Seamus Healy (WUAG) com 8.818 ou 21,3%. A ULA concorreu em onze dos doze distritos eleitorais de Dublin e recebeu 38.808 votos de preferência ou 7,6% dos votos totais nesses distritos.

Colapso do Fianna Fail em meio à crise

Essa eleição ocorreu no contexto de uma profunda crise da sociedade e, em particular, a intervenção da União Europeia/FMI no ano passado, e o pacote de austeridade que o governo de Fianna Fail e dos Verdes assinou com eles em novembro.

O colapso dos votos do Fianna Fail espelha o colapso da economia irlandesa e mostra o quanto a autoridade e a base do establishment capitalista estão sendo minados. Em 2007, o Fianna Fail recebeu 41,5% dos votos e 78 mandatos. A contagem das eleições de 2011 ainda não foi totalmente concluída em três distritos, mas parece que o Fianna Fail dessa vez vai receber apenas 17% e possivelmente 20 mandatos no total!

O ódio da classe trabalhadora para com o Fianna Fail podia ser sentido quando fizemos campanha porta em porta durante a campanha eleitoral e, como esperado, o Fianna Fail foi destruído no dia da eleição. É uma estatística incrível, mas o Fianna Fail agora tem apenas um mandato em Dublin (ele tinha 20 em 2007) comparado aos dois do Partido Socialista e o total de quatro da ULA! Dois anos atrás, o Partido Socialista tomou o único mandato do parlamento europeu do Fianna Fail na capital, também. O Fianna Fail agora enfrenta a possível extinção nas cidades e áreas urbanas. Os Verdes também não foram poupados e passaram de seis TDs a zero.

Apoio volátil aos partidos da oposição

Os principais beneficiários nestas eleições foram o Fine Gael (36%, um aumento com 8,8%), o Partido Trabalhista (19,4%, aumento com 9,3%) e Sinn Fein (9,9%, aumento com 3%). O Fine Gael provavelmente terminará com 76 mandatos, o Partido Trabalhista terá em torno de 37 TDs e o Sinn Fein 14 ou mais. No contexto do aumento desses partidos de oposição “oficial” ao Dail, o sucesso do Partido Socialista e da ULA elegendo 5 foi muito significativo.

Há 166 TDs no total no Dail, com 84 sendo o suficiente para compor uma maioria viável. O Fine Gael e o Trabalhismo têm sido parceiros de coalizão em várias ocasiões antes, mas estão fora do governo nacional há 14 anos. Sempre foi provável que eles formariam o novo governo, mas no meio da campanha começaram a atacar um ao outro, para tentar maximizar seus respectivos votos e, assim, suas respectivas forças e influência em um futuro governo de coalizão.

O Trabalhismo disse que o Fine Gael desejava impor uma austeridade violenta e que as pessoas deveriam votar no Trabalhismo para barrar isso e que ele seria um freio sobre o Fine Gael no governo. A ideia de que o Trabalhismo é anti-austeridade é uma piada cruel. Contudo, tal propagada teve um certo efeito ao empurrar algumas pessoas a votarem no Trabalhismo, na esperança de que ele pudesse fazer uma diferença. Isso de certa forma afetou os candidatos do Partido Socialista e outros da esquerda.

O Trabalhismo não aproveitou todas as oportunidades devido ao seu giro à direita

Comparado à eleição de 2007, o Trabalhismo foi bem, mas na verdade essa eleição mostrou sua incapacidade de aproveitar as oportunidades colocadas devido ao seu apoio ao mercado capitalista e ao resgate da UE/FMI.

Algumas pesquisas de opinião em meados de 2010 colocavam o Trabalhismo à frente do resto dos principais partidos, em mais de 30%, e indicavam que ele podia se tornar o maior partido. O principal cartaz que o Trabalhismo produziu no início da campanha dizia “Gilmore para Taoiseach”, referindo-se à esperança de que seu líder, Eamon Gilmore, pudesse sair como o novo primeiro ministro. Contudo, ao fim da campanha, esses cartazes eram uma lembrança do fracasso do Trabalhismo de atingir essa meta.

O principal ponto de inflexão para o Trabalhismo veio logo depois do resgate da UE/FMI, com sua aceitação dos termos e parâmetros básicos para o plano de austeridade. Desde então, as intenções no Trabalhismo declinaram rapidamente. Ele pode ter se recuperado marginalmente nos últimos dias da campanha, com base no medo de que o Fine Gael pudesse ter uma maioria própria, mas isso foi marginal – sua bolha havia estourado.

Que tipo de novo governo?

Foram eleitos treze TDs independentes, incluindo vários de direita. Embora a mídia especulasse que o Fine Gael pudesse formar um governo de minoria com o apoio de alguns desses independentes, tal administração seria inaceitavelmente instável do ponto de vista da classe capitalista irlandesa, que precisa que um violento programa de austeridade seja implementado.

O Fianna Fail não é uma opção como parceiro de coalizão para o Fine Gael, nesse ponto, pois ele é tóxico demais, embora possa ser que um arranjo seja considerado no futuro.

É bastante provável que o Fine Gael e o Trabalhismo farão um acordo um programa para o governo nas próximas semanas. Pode haver algum embate teatral durante as negociações entre os dois partidos, até com o Trabalhismo dando murros na mesa. Mas, como diz um ditado da política irlandesa: “O Trabalhismo luta com sua consciência, mas ele sempre ganha”. Um acordo entre o Fine Gael e o Trabalhismo é provável, por causa da pressão da classe capitalista e porque os políticos de ambos os partidos querem estar no poder.

Haverá um governo marcado por uma política de austeridade, que se tornará impopular muito rapidamente. O Fianna Fail tentou desesperadamente afirmar que poderia se recuperar, assim como o Fine Gael se recuperou de um terrível resultado eleitoral em 2002. A continuidade da crise provavelmente destruirá a base de apoio do Fine Gael e do Trabalhismo nos próximos meses e anos, assim como fez com o Fianna Fail e os Verdes.

A crise econômica irá piorar

O novo governo terá que ir direto à UE/FMI para tentar uma renegociação dos termos e condições do acordo de resgate. Isso é possível, mas certamente não é garantido. Pode haver algumas mudanças, mas elas não serão capazes de superar a crise econômica ou a perspectiva de bancarrota nacional.

Os investimentos na economia irlandesa caíram 31% ano passado. Esse tipo de colapso ou greve dos investimentos, combinados com o draconiano programa de austeridade nos próximos quatro anos, provavelmente criarão um espiral deflacionário que destruirá qualquer chance de restituição das enormes dívidas que foram postas nas costas do povo irlandês. A bancarrota chama!

Um governo do Fine Gael e Trabalhismo pode ter uma enorme maioria, mas não será estável por causa da severidade da crise econômica e por causa dos efeitos que a austeridade tem e terá em destruir os padrões de vida do povo.

Segundo o Memorando de Entendimento sobre o acordo da UE/FMI, além dos 6 bilhões de euros em cortes, no primeiro ano essas instituições querem, entre outras coisas, uma revisão (cortes) dos acordos salariais do setor privado; uma revisão (corte) nos benefícios sociais e seguro-desemprego; um “Imposto Habitacional”; cortes nos empregos e aposentadorias do setor público e a preparação de uma taxa de água. Está sendo criada a base para uma revolta em massa.

A nossa campanha

Concorrendo em nove distritos, com recursos limitados, a campanha eleitoral do Partido Socialista teve diferentes níveis de intensidade. Nas áreas prioritárias de Dublin Norte, Dublin Oeste e Cork Norte-Central, o partido saiu com força total, enquanto em outras áreas a campanha foi mais limitada. Contudo, a panfletagem, colagem de cartazes e campanha porta em porta foram uma característica de todas as nossas campanhas.

Em nossas áreas eleitorais prioritárias, fizemos uma campanha porta em porta em todas as casas dos distritos, incluindo algumas em que fomos uma segunda vez. Complementamos a colagem de cartazes inicial com outdoors adicionais, e cartazes com slogans e pontos sobre as principais questões que vinham das conversas nas portas. Nas principais áreas para o partido, entregamos três diferentes panfletos nas casas: um inicial do Partido Socialista esboçando as bases para nossa candidatura na eleição, nosso manifesto de 4 páginas e depois os panfletos finais sobre as questões locais, e, em particular, as falsas afirmações de que o Trabalhismo lutaria contra a austeridade no próximo governo, uma questão que vinha das pessoas abordadas.

Encontramos uma mistura de respostas nas portas. A raiva com o Fianna Fail era tangível. O apoio a nossa posição nos distritos tradicionais da classe trabalhadora era forte. Em outras áreas, muitas pessoas concordavam com nossa análise da situação na Irlanda e o que devia ser feito, mas hesitavam em se comprometer seu voto.

O establishment e a mídia conseguiram injetar o medo sobre as consequências de não pagar as dívidas dos banqueiros e grandes construtoras. Eles diziam que o sistema financeiro e todas as linhas de crédito deixariam de operar e que haveria um desinvestimento da economia irlandesa. Isso teve um certo efeito para empurrar algumas pessoas ao Fine Gael e também ao Trabalhismo, pressionando um pouco pessoas que antes estavam inclinadas a votar no Partido Socialista ou outros genuínos candidatos da esquerda. Lidar com essa pressão do Trabalhismo foi uma questão importante nas etapas finais de nossa campanha eleitoral.

Dentro da Aliança da Esquerda Unida houve algumas diferenças em relação a como responder ao Trabalhismo, especialmente entre o Partido Socialista e o SWP. Foi relatado por um jornalista do Independent que acompanhou Richard Boyd Barrett em sua campanha que o candidato respondeu a alguns eleitores que disseram que votariam no Trabalhismo indicando que ele estava dando sua segunda preferência (no sistema eleitoral irlandês você da um voto de primeira preferência, segunda preferência, etc.) ao Partido Trabalhista, com quem ele estava envolvido numa batalha de morte pela última vaga em Dun Laoghaire. Tal abordagem apenas serve para legitimar o voto no Trabalhismo e reforçar ilusões que possam existir no Trabalhismo, ao invés de destruí-las.

Em nossos panfletos eleitorais finais, nos abordamos de forma severa o trabalhismo e o papel que jogaria. Em Dublin Oeste, produzimos um cartaz adicional que saiu três dias antes da votação, que dizia: “Tal como Fine Gael, o Trabalhismo aceita a austeridade imposta pelo FMI – os cortes vão destruir o padrão de vida e os empregos”. Acreditamos que essa abordagem, que mostra claramente a natureza do Trabalhismo, nos ajudou a resistir a pressão do Trabalhismo e até ganhar apoio de eleitores trabalhistas.

Construindo a oposição e uma alternativa – Sinn Fein ou a Aliança da Esquerda Unida socialista?

O Sinn Fein pode ter aumentado sua parte nos votos em somente 3%, mas triplicou seu número de mandatos, de 4 em 2007, para 14 em 2011. O ímpeto por trás do Sinn Fein se desenvolveu especialmente quando seu representante, Pearse Doherty, ganhou um caso judicial que forçou o governo a realizar uma importante eleição complementar em Donegal, no final de 2010.

Doherty ganhou a eleição resultante e depois os cinco TDs do Sinn Fein se opuseram à intervenção da UE/FMI e ao acordo de austeridade, e usou a plataforma do Dail para se opor com habilidade ao orçamento do último governo no início de dezembro. Estava claro que o Sinn Fein iria aumentar seu número de TDs. Isso significa que as afirmações do Sinn Fein de que seriam uma oposição no novo Dail tinham credibilidade, o que contribuiu ainda mais para seu ímpeto eleitoral.

O Partido Socialista/ULA tinha uma tarefa mais difícil. Dizíamos que se as pessoas nos elegessem, seríamos uma oposição combativa e uma alternativa. Defendíamos uma alternativa real, que não havia solução baseada no Mercado capitalista, e esboçamos a necessidade da propriedade pública democrática da economia e políticas e planejamento socialistas.

O lançamento da ULA, antes da eleição geral, foi crucial. O perfil desenvolvido por ela, e agora a eleição de 5 TDs da ULA, significa que a oposição que desenvolverá às políticas de austeridade do novo governo pode ter um genuíno reflexo de esquerda e trabalhador. A ULA agora tem tantos TDs quanto o Sinn Fein quando entrou na eleição. Claramente, o Sinn Fein aumentou seu apoio, mas a superficialidade de sua oposição às medidas de austeridade cortará esse potencial. No norte da Irlanda, o Sinn Fein é parte do Executivo (governo) da Assembleia e tem aceitado os cortes e implementado-os, ao invés de se opor aos ataques do governo Tory/Liberal de Londres. No sul, o Sinn Fein apoiou os cortes nas câmaras municipais. Tal abordagem será um empecilho ao potencial do Sinn Fein.

Se a ULA lutar pelas principais questões que preocupam a classe trabalhadora, e se ela defender um distinto programa de esquerda e socialista, ela pode oferecer uma saída mais clara e se tornar a principal força a representar a raiva e radicalização que se apoderará da sociedade irlandesa nos meses e anos à frente. Um potencial explosivo está sendo construído nesta situação para a ULA, mas especialmente para o Partido Socialista, que é uma alternativa combativa e socialista à crise sem precedentes do capitalismo irlandês.

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