Eleições nos EUA: Kamala Harris – esperança ou miragem?
Quatro anos de pavor existencial com dois dos candidatos presidenciais mais impopulares das últimas décadas, Trump e Biden, parecem ter chegado ao fim. A entrada de Harris na campanha presidencial levantou o ânimo da base do Partido Democrata. A campanha de Trump está cambaleante.
Essa dinâmica foi ainda mais turbinada com a escolha de Tim Walz para vice-presidente. No entanto, não faz muito tempo que Walz convocou a maior mobilização da Guarda Nacional para atacar manifestantes não violentos após o terrível assassinato de George Floyd. Além disso, Minnesota está longe de ser um paraíso progressista – grandes empresas como a Target e o US Bank lucram enquanto níveis profundos de racismo e falta de moradia permanecem.
Kamala Harris é e sempre foi – como o Truth Dig se referiu a ela em 2019 – uma “política dos sonhos dos oligarcas”. Ela é uma figura emblemática do establishment do Partido Democrata e tem laços profundos com Wall Street e os empresários de tecnologia do Vale do Silício. Ela nasceu no cenário político dos círculos de elite de São Francisco como uma promotora ambiciosa que subiu a escada política até chegar a procuradora-geral e, por fim, a senadora.
Encarceramento em massa
Ela se concentrava em prender pessoas negras e pardas da classe trabalhadora e jogar a chave fora. Até mesmo pessoas inocentadas pelo Innocence Project foram forçadas a ficar mais tempo presas por questões técnicas. Em 2013, um artigo com a manchete “Kamala Harris zombou de manifestantes progressistas que querem ‘mais escolas, menos prisões’”, observou que Harris riu sobre colocar na cadeia os pais de crianças que faltam às aulas.
Com relação aos assuntos políticos, Harris vai na direção que o vento soprar. Em sua campanha de 2020, quando o movimento ambientalista estava muito em alta na opinião pública e ela precisava competir com Bernie Sanders, ela se comprometeu a proibir o fracking [método de extração de combustíveis altamente danoso ao meio ambiente]. Agora, ela abandonou essa posição. Harris não apenas recuou do discurso de abolir a agência de Imigração e Fiscalização Aduaneira, como também foi mais longe na direção oposta, apoiando as solicitações orçamentárias do governo Biden para aumentar o financiamento para a fiscalização das fronteiras. Tudo isso ajudou a promover a mensagem central de Trump contra os imigrantes.
Harris será melhor do que Biden?
Ela tem se mostrado disposta a ser a impiedosa mensageira anti-imigração do governo Biden, sendo notoriamente enviada para dizer aos potenciais imigrantes da América Central: “Não venham. Se vocês vierem para a nossa fronteira, serão mandados de volta”. Ela reforçou essa ideia com grandes anúncios de campanha nas últimas semanas, divulgando planos para a contratação de milhares de agentes de patrulha de fronteira e para desarticular “gangues de fronteira” – essencialmente apoiando a formulação de Trump de que os imigrantes são criminosos.
Embora ela tenha pedido um cessar-fogo em Gaza em março, isso não significa nada se nenhuma pressão concreta sobre Israel é aplicada por parte de seu mais forte apoiador.
Em relação à política externa em geral, a vice-presidente está tão profundamente comprometida quanto Biden com o imperialismo dos EUA e seus regimes clientes, como a classe dominante israelense. À medida que a Guerra Fria interimperialista EUA-China se torna cada vez mais quente, Harris não indicou nenhuma mudança de direção. Os estrategistas do regime de Xi Jinping não veem nenhuma diferença entre a direita de Trump, ou Biden e Harris nessa questão, que está definindo cada vez mais todas as principais tendências geopolíticas internacionais.
Em 2024, Harris se afastou completamente do “Medicare For All” (saúde pública para todos).
Apesar de toda sua conversa sobre enfrentar “predadores”, “trapaceiros” e “fraudadores” como Donald Trump, seu histórico revela o contrário. Apenas um exemplo de alto nível dentre muitos, o One West Bank, acusado de má conduta generalizada que arruinou a vida de muitos proprietários de imóveis, de alguma forma escapou de sua mira. O proprietário desse banco era ninguém menos que o ex-secretário do Tesouro de Donald Trump, Steve Mnuchin. Ela foi a única candidata ao senado do Partido Democrata para a qual ele fez doações em 2016.
As “promessas” de campanha de Harris
Harris também está fazendo uma campanha com grande ênfase no direito ao aborto, prometendo transformar em lei o ‘Roe v. Wade’, assim como Biden também prometeu em um novo mandato. Mas eles estão no cargo agora! Eles poderiam mobilizar a base democrata para forçar o Congresso a aprová-la e assiná-la, mas, em vez disso, apontam para uma miragem que nunca dará certo.
Essa nova esperança no Partido Democrata é justificada? Nem de longe. Eles neutralizaram sua ala esquerda, Bernie Sanders e o Squad (Esquadrão, como é conhecido um grupo de deputados mais à esquerda), inclusive despejando toneladas de dinheiro nas primárias para derrotar Jamaal Bowman e Cori Bush este ano.
Mesmo quando os democratas tiveram o controle majoritário em todos os setores do governo nas últimas décadas, eles não conseguiram transformar em lei o direito ao aborto (Roe v. Wade), não conseguiram aprovar o PRO Act, favorável aos sindicatos, e foram esmagadoramente a favor do aumento do financiamento para a polícia e para o encarceramento em massa.
Na verdade, o Partido Democrata é responsável por abrir espaço para a ala direita do Partido Republicano porque eles adotam uma retórica vazia e não conseguem aprovar nenhuma reforma significativa para ajudar os trabalhadores a enfrentar a crise do capitalismo.
A única coisa com que podemos contar é a construção de movimentos de massa independentes da classe trabalhadora nas ruas, nos locais de trabalho, nos campi e nos bairros. O ressurgimento do movimento sindical nos últimos cinco anos, juntamente com o movimento contra a guerra genocida em Gaza e o movimento renovado para restaurar o direito ao aborto, têm um potencial real.
Por um partido de trabalhadores
Entretanto, os movimentos acabam sendo prejudicados quando apoiam políticos que os traem. Precisamos de um novo partido político de massas de trabalhadores, jovens e oprimidos, independente do dinheiro das empresas e a serviço dos movimentos. Nesta eleição, podemos registrar nosso compromisso nessa direção por meio de um voto de protesto em Jill Stein, do Partido Verde, a única candidata antiguerra e pró-trabalhador nas cédulas de votação na maioria dos estados.