As greves nos serviços públicos federais e as contradições do governo Lula: a saída é a luta
O ano de 2024 foi marcado pelo fim de todas as ilusões de que o terceiro governo Lula atenderia à pauta de reivindicações de trabalhadores e trabalhadoras dos serviços públicos federais. Apesar das promessas realizadas durante a campanha eleitoral, o fato é que os dois primeiros anos do governo Lula 3 mostraram que sua prioridade é o mercado. Ao atuar assim, ele ataca as bases que lutaram em 2022 para derrotar Bolsonaro e prepara as condições para novas derrotas.
Por isso, é importante fazermos um balanço das greves de diferentes categorias dos serviços públicos federais em 2024, assim como das respostas do governo. Estes são processos que revelam a natureza de classe da atual gestão federal, assim como indicam os desafios históricos e conjunturais colocados para sindicatos e demais organizações da classe trabalhadora no próximo período.
Logo após a posse de Lula, o Fórum das Entidades Nacionais de Servidores Públicos Federais (Fonasefe) protocolou um conjunto de demandas que abarcava a questão salarial, reversão de contrarreformas neoliberais e “revogaço” do conjunto de medidas impostas pelos governos autoritários de Temer e Bolsonaro.
No entanto, o que vimos em 2023, primeiro ano do mandato, foi o predomínio de uma postura autoritária e protelatória por parte do governo federal. Apesar de ter recebido a pauta unificada do Fonasefe no início do ano, o governo estabeleceu o protocolo de funcionamento de uma Mesa Nacional de Negociação Permanente (MNNP) apenas em junho. No mês seguinte, com a finalidade de pressionar, as entidades protocolaram nova pauta de reivindicações, durante a primeira rodada de negociações.
Mesas de enrolação
Ao invés de dar alguma resposta, o governo realizou mais 5 reuniões de verdadeira enrolação e somente no dia 18 de dezembro foi dada uma resposta que indicava as suas verdadeiras prioridades.
Tratando da pauta salarial, o governo afirmou que daria reajuste apenas em 2025 e 2026, mantendo os salários congelados em 2024. Em relação aos outros temas, orçamento, aposentadoria, carreira e revogaço, não foi dada qualquer resposta.
Ao escolher esse caminho, Lula acabou com a esperança de uma grande camada de servidoras e servidores públicos que tinha ilusões nas promessas feitas durante a campanha. Nesta situação, até mesmo a burocracia cutista, que apostava em uma negociação sem mobilização, foi obrigada a se mobilizar para responder aos anseios de trabalhadores e trabalhadoras que ficaram indignados e passaram a se movimentar.
Lutas de servidores e servidoras federais em 2024
Respondendo à enrolação e a essas limitadas respostas, trabalhadoras e trabalhadores dos serviços públicos federais começaram a se mobilizar em 2024. Enquanto os chamados para dias de paralisação ou mobilização feitos pelo Fonasefe foram respondidos com atos pequenos e ações muito localizadas no ano anterior, vimos, no primeiro semestre de 2024, manifestações maiores, ações mais ousadas e a generalização da defesa da greve como instrumento de luta.
Em especial entre as categorias da educação, o setor mais precarizado e que tem alguns dos mais baixos salários dos serviços públicos federais, vimos uma forte mobilização. As três entidades da educação pública federal – Andes-SN, Fasubra e Sinasefe – começaram o ano aprovando indicativos de greve em suas categorias. Entre março e maio de 2024, vimos o início de greves de trabalhadores técnico-administrativos e docentes de universidades e institutos federais que foram antecedidas por grandes assembleias de base.
De fato, a greve da educação federal, junto com as lutas das mulheres pelo direito ao aborto, figura entre as principais lutas nacionais que ocorreram no primeiro semestre de 2024. Quase todos os institutos e universidades federais interromperam suas atividades. Também foram realizados dois atos nacionais em Brasília em unidade com outras entidades e categorias, que foram os maiores já realizados desde o fim da pandemia.
A fragmentação prejudicou
Como resposta à intensificação da mobilização e das lutas, o governo fez uma nova proposta de negociação em maio. Para impedir a unidade das lutas, o governo dividiu as negociações em diversas mesas setorializadas. De fato, a resposta do governo, em conjunto com a atuação consciente de direções cutistas para segurar processos de mobilização usando o argumento de que era necessário preservar o governo para não abrir espaço à “ameaça fascista”, teve resultados: ao invés de uma greve unificada de servidores e servidoras federais, houve um processo fragmentado de lutas que, apesar de terem significativa força e relevância, não conseguiram colocar o governo contra a parede.
Assim, a greve da educação federal alcançou níveis massivos entre maio e junho, mas não conseguiu reverter a imposição de 0% de reajuste para 2024, apesar de ter avançado na elevação do reajuste para auxílios e para os salários em 2025 e 2026. A greve também avançou conquistando a revogação de algumas medidas bolsonaristas, além de uma elevação no orçamento previsto para a educação.
Longe do necessário
Todavia, todos os avanços atendiam apenas uma pequena migalha daquilo que é necessário para reverter o intenso processo de perda de direitos e precarização. Para piorar, em agosto, apenas dois meses depois do fim da greve, o governo anunciou novo bloqueio orçamentário que retira da educação mais de R$1,3 bilhão, valor muito maior do que os R$400 milhões prometidos durante a negociação.
Depois da greve da educação federal, algumas categorias, como as bases da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef) e do Sindicato Nacional dos Trabalhadores do IBGE, arrancaram, sob os ventos da greve da educação, acordos muito parecidos.
Mais importante, ainda está em curso uma greve de trabalhadoras e trabalhadores do INSS que vem sendo respondida pelo governo Lula com ameaça de multas, corte de ponto e punição a grevistas. Neste exato momento, a greve da Federação Nacional de Trabalhadores em Saúde, Trabalho, Previdência e Assistência Social (Fenasps), enfrenta duras medidas de repressão.
Porque as greves não venceram e os desafios para o futuro
As greves dos serviços públicos federais revelaram contradições fundamentais do terceiro governo Lula. Em primeiro lugar, a pauta das entidades do Fonasefe, em última análise, desafia o Arcabouço Fiscal tão defendido por Haddad, Alckmin e Lula. A pauta da greve também exige uma verdadeira auditoria da dívida pública e a utilização dos recursos que hoje são corroídos por ela para os serviços públicos.
Por ser parte do núcleo central da política econômica do governo Lula, o Arcabouço Fiscal e o pagamento da dívida pública só podem ser desafiados por meio de uma grande luta unificada da classe trabalhadora. No entanto, infelizmente, as lutas de servidoras e servidores federais ocorreram de forma fragmentada e isolada.
Também é preciso destacar que o governo Lula não poupou esforços para atacar e criminalizar as greves, além de não derrubar o entulho autoritário de medidas criadas por Bolsonaro. No momento mais intenso do movimento paredista da educação federal, no início do mês de junho de 2024, Lula desferiu diversos ataques contra entidades e dirigentes grevistas usando, para isso, seu passado no movimento sindical. O mesmo modus operandi se repetiu na greve de trabalhadores do INSS, que sentiram na pele ataques virulentos como o corte de ponto.
Neste sentido, está colocado o desafio para o movimento sindical de enfrentar tentativas de criminalização das lutas que emanam não apenas da extrema direita, mas de um governo que promete a “reconstrução” para trabalhadores e trabalhadoras.
Como derrotar a extrema direita?
No centro das lições e dos desafios das greves de 2024, está a pergunta que hoje divide setores da esquerda socialista no Brasil: como derrotar a extrema direita e avançar na defesa de direitos e interesses da classe trabalhadora?
A aposta de direções cutistas e petistas na pacificação das lutas, no esvaziamento de assembleias e em tentativas de acordos de cúpula serviram apenas para auxiliar o governo a impor a agenda do capital e intensificar medidas antissindicais que, em última instância, apenas preparam o terreno para a volta da extrema direita. Neste sentido, as greves de 2024 mostraram que a única saída possível e viável é a organização e a luta.