O PSOL está virando um PT 2.0?

Precisamos de candidaturas a serviço das lutas e de uma alternativa socialista para derrotar a ameaça da extrema direita

Faltam poucas semanas para as eleições municipais e a principal pergunta na mente de ativistas da esquerda é como derrotar a ameaça da extrema direita. Infelizmente, a linha que predomina no PSOL hoje, de apagar o perfil socialista e independente do partido, se tornando cada vez mais um aliado júnior do PT, enfraquece a luta contra a extrema direita.

O crescimento da extrema direita no mundo é um sintoma da profunda crise do sistema capitalista, onde a velha política não dá respostas para quem sofre da pobreza, desemprego, fome, desigualdade, violência e a crescente crise ambiental. A extrema direita se apresenta com respostas simples, bodes expiatórios e dá a impressão de que quer mudar “tudo isso aí”, mesmo se na verdade só querem aprofundar as injustiças.

Ao invés de apresentar um programa que ataca as estruturas injustas desse sistema e apontar a necessidade de fortalecer o caminho das lutas, boa parte da esquerda oficial se apresenta como defensora do sistema.

Campanhas coreografadas por marqueteiros

Vemos as principais candidaturas do PSOL fazendo campanhas milionárias bancadas pelo fundo eleitoral, coreografadas por marqueteiros, rebaixando o programa e no final das contas desanimando aqueles que não querem mais do mesmo.

Essa estratégia nem garante a vitória eleitoral, nem constrói a alternativa necessária para seguir a luta independente de quem ganhe.

Veja o exemplo da campanha de Boulos em São Paulo, a mais importante campanha do país.

Pela primeira vez desde a redemocratização, o PT abriu mão de ter candidatura própria, com o próprio Lula costurando a aliança com Boulos. Lula trouxe Marta de volta ao PT para ser vice, mesmo após ela ter votado pelo impeachment de Dilma e ter sido secretária da prefeitura de Nunes e filiada ao MDB.

Desde o início ficou bem claro que seria uma campanha com o perfil do PT. Foi contratado o marqueteiro de trabalhou para a campanha de Doria em 2016, Lula Guimarães. O perfil da campanha é uma reedição do “Lula paz e amor”, com o “faz o coração”, tendo como orientação desde o início tirar o perfil de “radical” de Boulos, depois de muitos anos à frente do MTST.

O programa da candidatura é bem mais rebaixado se comparado com o de 2020, quando por exemplo se falava em reverter as privatizações, como no caso da educação. Esse tema foi abandonado durante a campanha, ao ser criticado por supostamente ameaçar o emprego de dezenas de milhares de pessoas que trabalham em creches privadas. A campanha deveria ter respondido que uma prefeitura socialista iria defender todos os postos de trabalho, com estabilidade e salários iguais. Quem deve ser demitido são os empresários.

No programa atual, as privatizações não são nem mencionadas. Em entrevistas, a rede conveniada é defendida e o PSOL tem até um representante dos empresários da rede conveniada como candidato a vereador, Edinho Santana.

Melhor gestor de um sistema falido?

A campanha de Boulos segue a velha receita de tentar se mostrar como quem tem ideias geniais e um candidato que será um “bom gestor”. Na entrevista ao Roda Viva, Boulos foi questionado sobre por que não defende mais o aumento do IPTU das grandes mansões e aumento de imposto para instituições financeiras para custear reformas. A resposta foi que “não é necessário”, porque a arrecadação já é boa. Esse tema é repetido na propaganda eleitoral, dizendo que “dinheiro não falta, falta prefeito”.

É uma linha de argumentação muito perigosa, já que dá a impressão de que não é necessário tocar nas grandes fortunas e portanto nas estruturas de poder. Na verdade, as profundas mudanças necessárias requerem não só uma redistribuição de riqueza, mas que o poder econômico atual seja desmontado, com o controle e gestão sendo transferidos para as mãos do povo trabalhador.

Outra linha de argumentação preocupante foi quando questionado sobre como seria sua postura diante de ocupações. Boulos respondeu que em sua gestão não haveria ocupações, porque ele teria diálogo com os movimentos. É a mesma linha que Lula tem seguido desde seu primeiro governo, a de que ele é o grande negociador que resolve tudo, e que a luta do povo é no máximo um elemento auxiliar.

Podemos comparar isso com a candidatura de Plínio a governador em São Paulo em 2006, pelo PSOL, quando enfatizou nos debates que se fosse eleito, seria necessária toda a força dos movimentos sociais para enfrentar a elite.

Boulos também tenta evitar temas importantes, mas polêmicos, que antes defendia abertamente: como a questão das drogas e a legalização do aborto.

Perfil combativo é um fardo?

Essa mudança de perfil de Boulos está sendo defendida pelo partido como o único caminho para ganhar as eleições. “Se Boulos se apresentasse com o rosto das eleições de 2020, o animador do MTST, a eleição estaria perdida”, escreveu recentemente Valério Arcary da corrente Resistência do PSOL.

Na verdade, é o contrário. Esse rebaixamento do perfil combativo não ganha necessariamente votos. Apesar de ainda estar bem nas pesquisas para o primeiro turno, Boulos não cresce entre os mais pobres, mesmo com a entrada com peso de Lula em sua campanha.

Esse também é um fenômeno internacional. A esquerda que se adapta e se confunde com o establishment não anima ninguém. Quando há candidaturas com suficiente peso social e que ao mesmo tempo apresentam propostas de mudanças mais profundas, o resultado é melhor. Vimos isso recentemente nas eleições francesas, apesar de todas as contradições na aliança de esquerda, foi o perfil radical e combativo que tornou a esquerda a maior força nas eleições, derrotando a extrema direita.

A direção do PSOL tem abandonado qualquer pretensão de aparecer como independente do governo, adotando um tom ufanista diante de qualquer pequeno avanço do governo.

O partido chegou a fazer postagem comemorando a medida provisória populista de Lula isentando os medalhistas das olimpíadas de imposto de renda pelo bônus olímpico. Quem levou medalha de ouro ganhou 350 mil reais, o que representa 250 salários mínimos. Essa renda não deve ser taxada?

Isso leva a que se choque com as lutas. Enquanto o PSOL foi uma parte importante da luta contra o PL 1904 do estuprador, proposta da extrema direita, a posição diante da greve do ensino superior federal foi bem mais complexa.

Enquanto militantes do PSOL jogaram um papel fundamental na greve, houve aqueles que defendiam que não era correto fazer greve contra o governo Lula, por medo de fortalecer a direita. Outros tentavam argumentar que Lula na verdade tinha autorizado a greve, ficando de saia justa quando Lula pediu o fim da greve. Enquanto isso, Boulos soltou vídeo comemorando os investimentos do governo em novas universidades, em plena greve e contra a argumentação dos grevistas que apontavam a falta de verbas.

As lutas não podem ser subordinadas a interesses institucionais

Essa subordinação da luta aos interesses institucionais é extremamente grave, já que as lutas da nossa classe serão decisivas para barrar a extrema direita.

O PSOL ainda tem limites sobre alianças com a direita, por isso sai separado em várias capitais, como Recife, Rio de Janeiro e Salvador. Porém, o centro da questão são as alianças com o PT. Isso chegou ao ponto da direção nacional do partido intervir contra a maioria da militância partidária em Natal para impor o apoio à candidatura de Natália Bonavides do PT, que está em aliança com o MDB e com oligarcas da família Alves.

Mas a tendência é diminuir as diferenças com o PT. Na campanha eleitoral, as prefeituras de Marta e Haddad agora são exemplos históricos, sem nenhum balanço crítico. Lembrando que durante a prefeitura da Marta foram implementados cortes estruturais na educação, reduzindo a verba destinada ao setor de 31% para 25% do orçamento. A prefeitura de Haddad propôs a primeira versão do Sampaprev, que foi derrotada pela luta do funcionalismo, o que foi um elemento importante para não ter conseguido se reeleger.

Quem paga a banda?

A implementação do fundo eleitoral também foi um forte fator para transformar o PSOL em um partido focado na institucionalidade, um tema sobre o qual a LSR ficou quase sozinha ao alertar sobre os riscos na época. A militância se orgulhava em fazer campanha com camisetas dizendo “Não recebo um real – tô na rua por ideal!”, agora a norma é ter cabo eleitoral pago.

Essa trajetória do PSOL coloca em risco o projeto necessário de reconstruir uma esquerda socialista combativa e de massas no país, repetindo a trajetória do PT, que falhou em mudar as estruturas do país e barrar o crescimento da extrema direita.

Precisamos de candidaturas que estejam a serviço da construção das lutas da classe trabalhadora, que tem que ser independentes dos governos. Precisamos apresentar um programa socialista que una e arme essas lutas, apresentando uma saída desse sistema podre e desumano, por um futuro sem exploração e opressão.

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