Guerra na Ucrânia: os campos imperialistas estão aumentando a matança

Foto: Oleksandr Rakushnyak

Sem fim à vista, a luta da classe trabalhadora contra a guerra e o imperialismo é crucial

Após sete meses de uma ofensiva militar russa que fez avanços limitados, e quase 2,5 anos de guerra total, o caráter interimperialista do conflito na Ucrânia está se aprofundando, assim como o risco de escalada. O imperialismo estadunidense e ocidental estão reforçando seus compromissos ao lado da Ucrânia, enquanto o bloco China-Rússia está sendo fortalecido.

A guerra é um confronto de longo prazo com muito em jogo para todos os envolvidos. Nas últimas semanas, Macron levantou a possibilidade de enviar tropas para a Ucrânia, com um pequeno número já sendo enviado para fins de “treinamento”. Biden e Olaf Scholz cruzaram outra “linha vermelha” ao mudar suas posições anteriores, agora permitindo que armas dos EUA e da Alemanha sejam usadas contra alvos dentro da Rússia.

Putin respondeu realizando testes nucleares “táticos”, ameaçando armar outros países contra o bloco ocidental liderado pelos EUA e enviando navios militares para Cuba e Venezuela. O secretário de Estado dos EUA, Blinken, e o governo do Reino Unido ameaçaram o regime chinês por seu apoio à Rússia. Na Europa, governo após governo está enviando sinais alarmantes sobre possíveis futuros ataques russos. Na cúpula do G7, os líderes do bloco imperialista ocidental discutirão a imposição de sanções como as que Rússia recebeu, desta vez contra bancos chineses. No caso, as sanções tendem a ser menores, visando evitar desencadear uma crise financeira global.

A investida sanguinária militar em Gaza colocou a guerra na Ucrânia nas sombras por um tempo e levantou novas questões se as potências ocidentais poderiam apoiar Israel e a Ucrânia. Mas a importância de uma guerra na Europa não diminuiu. Mesmo vitórias limitadas para a Rússia seriam um grande golpe para o imperialismo estadunidense e fortaleceriam o bloco liderado pela China. À luz do crescente ressentimento e ódio em todo o mundo contra o apoio dos EUA a Israel, é ainda mais importante para Washington evitar que isso aconteça.

Para voltar a priorizar a Ucrânia, houve recentemente tanto a “conferência de recuperação” da Ucrânia, em Berlim, como a “conferência de paz”, na Suíça, que contou com a presença de representantes de 90 governos. Além disso, a cúpula do G7 na Itália, decidiu fornecer à Ucrânia mais 50 bilhões de dólares.

Isso ocorre após o pacote de ajuda atrasado dos EUA de 61 bilhões de dólares finalmente aprovado em abril e enormes novas promessas e entregas de armas dos governos europeus. Aos militares ucranianos é prometido mais sistemas Patriot da Espanha, Noruega e EUA, e são prometidos um total de 80 caças F16 agora.

Durante meses, houve especulações de uma ofensiva russa de verão, capaz de romper as linhas de defesa ucranianas equipadas com projéteis e munições limitados. Embora as ofensivas da Rússia já tenham tomado muito mais território do que a fracassada ofensiva da Ucrânia em 2023, novas entregas de armas fazem com que novos avanços russos pareçam menos prováveis.

Avanços russos

No início deste ano, “Putin e os militares russos também parecem ter concluído que a Ucrânia será incapaz de recuperar territórios que os russos podem tomar e que os avanços russos gradativos, mesmo a alto custo, levarão, portanto, ao sucesso geral russo”, escreveu o Instituto de Estudos da Guerra (ISW), um equipe de especialistas dos EUA que produz atualizações diárias da guerra.

No final do ano passado, o então comandante do exército ucraniano Zaluzhnyi disse que a guerra havia chegado a um impasse. Artilharia e drones foram usados para ataques com alto número de vítimas, mas nenhum lado estava avançando. Quando as forças russas fizeram avanços a oeste da cidade de Donetsk (tomando Marinka) e em Zaporíjia, alguns políticos, particularmente republicanos nos EUA, levantaram oposição a mais ajuda à Ucrânia. Por volta do ano novo, o exército russo também intensificou os ataques às cidades com drones, mísseis e “bombas planadoras” (versões melhoradas das antigas bombas soviéticas).

Uma nova ofensiva russa em Avdiivka, uma cidade no Oblast [equivalente a estado] de Donetsk, começou em outubro. A cidade foi tomada em 17 de fevereiro, após a evacuação das tropas ucranianas. O exército ucraniano relatou mais de 20 mil mortes na defesa de Avdiivka e estima que o exército russo perdeu o dobro. A luta aqui, como em Bakhmut anteriormente, lembra a 1ª Guerra Mundial.

Nesta fase da guerra, o exército russo tinha seis vezes mais vantagem em termos de recursos de artilharia e lançou várias ofensivas paralelas, a principal delas em Chasiv Yar, perto de Bakhmut, um importante alvo estratégico que ainda poderia conquistar.

Putin acreditava que estava em um caminho vitorioso, e o governo e o exército ucranianos temiam cada vez mais derrotas. “Zelensky teria dito ao presidente da Câmara dos EUA, Mike Johnson, em dezembro de 2023, que as forças ucranianas seriam capazes de ‘resistir’ até março ou abril de 2024 sem assistência de segurança adicional dos EUA”, relata o ISW.

Ajuda dos EUA

Esses relatos alarmantes aumentaram a pressão sobre a Casa Branca para chegar a um acordo na Câmara dos Representantes para um pacote para a Ucrânia. Segundo o relato da Reuters, até Donald Trump disse que “a sobrevivência da Ucrânia é importante para os Estados Unidos, uma mudança de tom dias antes da Câmara dos Representantes, liderada pelos republicanos, votar um pacote de ajuda de 61 bilhões de dólares”. No entanto, para acalmar seus apoiadores e se distanciar de Biden, Trump não endossou formalmente o pacote e atacou os governos europeus por não apoiarem tanto a Ucrânia quanto os EUA.

Este pacote não era esperado por Putin, que acreditava ter minado o apoio dos aliados ucranianos, de acordo com o ISW. A conclusão de Moscou foi que a ofensiva russa teria que aumentar o ritmo, antes que novas armas chegassem.

Isso incluiu o aumento dos ataques e uma nova invasão no Oblast de Kharkiv. O objetivo nesta fase era assumir o controle da zona fronteiriça. O regime de Putin não acreditava que poderia tomar e controlar a cidade de Kharkiv (a segunda maior da Ucrânia), pelo menos não agora.

Os ataques russos continuam, e sua estratégia parece ser continuar as batalhas de “moedor de carne”, sofrendo enormes perdas, mas avançando lentamente. A economia e a produção da Rússia estão voltadas para a guerra, e a mobilização não oficial fornece novas tropas. A qualidade das ações do exército russo melhorou muito durante 2,5 anos de guerra, também de acordo com a inteligência ucraniana. No uso de drones e guerra eletrônica, as tropas russas levam vantagem.

Putin afirmou que a Rússia retomou 47 aldeias e cidades até agora este ano, incluindo algumas conquistadas pela Ucrânia no ano passado. Nenhuma delas é decisiva para o resultado da guerra, mas são importantes para a propaganda e o moral.

Ofensiva ucraniana 2025?

As novas armas agora prometidas irão melhorar drasticamente a defesa ucraniana. Já se fala de uma nova ofensiva ucraniana em 2025, em parte com base na decisão dos EUA em maio de permitir que armas estadunidenses sejam usadas contra alvos na Rússia, algo anteriormente considerado uma escalada indesejada.

Os ataques ucranianos mais bem-sucedidos foram na Crimeia, considerada por Putin como um reduto russo. “Drones e mísseis ucranianos podem ter tirado de ação até metade da outrora formidável frota do Mar Negro”, informou o Financial Times. A maioria dos navios utilizados para o transporte militar foi destruída. A ponte de Kerch entre a Rússia e a Crimeia pode ser o próximo alvo de grandes ataques.

Mudanças na Ucrânia

A Ucrânia receberá novos recursos militares, mas a guerra tem custos enormes, que estão tendo efeitos crescentes dentro do país. Desde a invasão russa em fevereiro de 2022, partes significativas do país foram destruídas. Mais de 10 mil civis foram mortos, além de centenas de milhares de soldados de ambos os lados. 10 milhões de ucranianos são refugiados, seis milhões deles estão no exterior. 1,5 milhão de casas de famílias foram destruídas. Há escassez de aquecimento e eletricidade em grande parte do país. Estima-se que os ataques aéreos russos deste ano tenham destruído metade da produção de eletricidade do país.

Apesar de não haver fim da guerra à vista, com ofensivas militares russas, ataques aéreos com drones e mísseis e uma economia que encolheu um terço, as pesquisas de opinião mostram que a grande maioria dos ucranianos ainda apoia a guerra. Mas o clima mudou.

“O moral entre as tropas é sombrio, abatidas por bombardeios implacáveis, falta de armas de ponta e perdas no campo de batalha. Em cidades a centenas de quilômetros de distância do front, as multidões de jovens que fizeram fila para se juntar ao exército nos primeiros meses da guerra desapareceram. Hoje em dia, os candidatos a recrutas elegíveis se esquivam do alistamento e passam suas tardes em casas noturnas”, relatou politico.eu de Kiev em abril.

Durante a primavera, as notícias de avanços russos vieram em paralelo com relatos de paralisação da ajuda militar e aumento das tensões na estrutura governante ucraniana. O governo do presidente Zelensky é cada vez mais bonapartista, com eleições adiadas, o comandante do Exército demitido e “uma série de demissões, renúncias e remodelações dirigidas por Zelensky nos últimos meses” (Financial Times). Uma nova lei que torna o serviço militar obrigatório para todos entre 25-60 anos é profundamente impopular.

Guerra sem fim?

O general e teórico militar, Carl von Clausewitz, descreveu guerras como imprevisíveis, com possíveis pontos de virada impulsionados por suas próprias contradições. Isso foi confirmado pela guerra na Ucrânia, com avanços surpreendentes e ofensivas esperadas fracassando. Em junho de 2024, a guerra está longe de terminar, com novos possíveis pontos de virada.

Biden e políticos europeus enfatizam como o exército ucraniano está “lutando por nós”, ou seja, como representante do imperialismo ocidental. Esta, a guerra por procuração interimperialista, é a principal característica da guerra, como concluiu a Alternativa Socialista Internacional após a invasão russa em 2022. Na Ucrânia, e entre grande parte do público em geral na Europa, a guerra é vista como uma guerra de defesa contra a agressão russa. Isso é reforçado pela propaganda dos governos. No dia D (6 de junho), Biden repetiu que a guerra era “democracia versus autocracia”. Esse ponto é defendido por um presidente que é aliado dos militares israelenses, bem como das ditaduras no Egito e na Arábia Saudita por causa da guerra genocida em Gaza.

As guerras na Ucrânia e em Gaza fortaleceram os laços dentro do bloco liderado pela China. O aumento acentuado do comércio com a China ofereceu uma tábua de salvação para Putin. O Irã está fornecendo drones e bombas à Rússia e importa armamento russo de ponta. A guerra na Ucrânia também quebrou o isolamento da Coreia do Norte. “A Rússia voltou-se para a Coreia do Norte, garantindo mais de um milhão de projéteis de artilharia, bem como mísseis balísticos” (Financial Times). Putin visitou Pyongyang em junho, onde assinou um acordo de proteção mútua com Kim Jong-un, após uma viagem a Pequim em maio, após sua “vitória eleitoral.

Na Europa, a militarização é um tema geral na retórica dos políticos, apontando para a necessidade de se armar contra a ameaça da Rússia. Todos os páises estão aumentando os gastos militares, e as demandas estão crescendo mais rapidamente. “A Europa tem apenas uma fração das capacidades de defesa aérea necessárias para proteger seu flanco leste, de acordo com os próprios cálculos da Otan, expondo a escala das vulnerabilidades do continente”, informou o Financial Times. “Alguns líderes europeus e autoridades militares alertaram que a Rússia pode ter a capacidade de atacar um membro da Otan até o final da década”.

Os exercícios da Otan estão mais frequentes e maiores do que nunca, ao mesmo tempo em que a Alemanha e a França lançaram novas iniciativas de cooperação militar europeia. A militarização está ligada ao fato de a política oficial se tornar mais reacionária, incluindo medidas mais autoritárias e restrições aos direitos democráticos.

O papel da China no fornecimento de máquinas e tecnologia necessárias para as forças russas tem sido atacado especialmente pelos governos dos EUA e do Reino Unido. Foram impostas sanções a empresas chinesas. É provável que isso seja intensificado, com possíveis sanções contra bancos chineses.

As guerras na Ucrânia e em Gaza levaram os confrontos entre blocos interimperialistas a um novo nível. Sublinham as profundas crises do sistema capitalista e imperialista. Os socialistas fazem campanha e se mobilizam contra as guerras e a militarização, apontando a classe trabalhadora internacional como a única força capaz de interromper a trajetória rumo a mais guerras e repressão.

Construir a organização, o poder e a independência política da classe trabalhadora na Ucrânia, na Rússia e internacionalmente é a tarefa crucial que os socialistas enfrentam hoje. As organizações da classe trabalhadora novas e existentes devem assumir a luta contra a guerra e o imperialismo, com um programa que inclua a oposição ao serviço militar forçado, proteção e direitos para todos os refugiados de guerra. Deve também lutar por investimentos em empregos, casas, serviços públicos e combate à crise climática, em vez de despejar bilhões intermináveis na máquina de guerra.

A declaração da ASI publicada no primeiro dia da guerra contra a Ucrânia exigia a saída das tropas russas da Ucrânia, o direito de os ucranianos decidirem seu próprio futuro e se opunha à OTAN/imperialismo ocidental. E concluiu: “Esta guerra não é do interesse dos trabalhadores e da juventude, onde quer que vivam. Trata-se de ambições geopolíticas e econômicas imperialistas. A ASI se oporá à guerra onde quer que estejamos presentes, na Rússia, nos EUA, na Ucrânia e em outros lugares.”

Este programa é ainda mais relevante hoje, depois de 2,5 anos de carnificina.

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