Apostar nas lutas para derrotar a direita e o bolsonarismo
O governo Lula vem sofrendo derrotas no último período. Isso acontece nas tentativas de garantir o déficit zero, seguindo a lógica do arcabouço fiscal, mas também em temas em outras áreas, como no caso da derrubada do veto sobre as ‘saidinhas’. A direita bolsonarista está na ofensiva para desgastar o governo para as eleições e avançar sua agenda reacionária, como a PEC45 que criminaliza qualquer porte de drogas e a PL1904 que equipara abortos após 22 semanas a homicídios.
Só será possível reverter essa ofensiva da direita apostando nas lutas e rompendo com os limites e as alianças com a direita defendidas pelo próprio governo Lula em nome de uma ilusória governabilidade.
A greve do ensino federal e a luta das mulheres contra mais um ataque ao direito ao aborto, são exemplos que mostram o caminho.
A estratégia de Lula de tentar governar em aliança e conciliação com a direita está levando a um caminho que pode trazer piores derrotas no próximo período.
O congresso atual é talvez o mais conservador que já tivemos. PL, União Brasil, PP e Republicanos, que foram base do governo Bolsonaro, tem 246 deputados, quase metade da Câmara. Esses partidos (ou seus antecessores) tinham 114 deputados em 2014.
Três desses partidos, União Brasil, PP e Republicanos, têm ministérios no governo e a princípio fariam parte da base do governo atual, mas já se mostraram preparados a votarem contra o governo, especialmente em temas da chamada pauta de costumes.
A Folha de São Paulo fez um levantamento constatando que a ‘Pauta de costumes bolsonarista avança mais sob Lula do que sob Bolsonaro’. Isso mostra um fortalecimento da ala bolsonarista dos partidos de direita e uma estratégia de desgastar o governo para as eleições.
O União Brasil, que tem dois ministérios, está discutindo lançar o governador Ronaldo Caiado (GO) a presidente em 2026, como candidato do bolsonarismo, já que Bolsonaro está desqualificado. O líder do PSD, que tem três ministérios, Gilberto Kassab, é secretário de Tarcísio de Freitas.
Como vimos, essa aliança não garante nem que as propostas do governo passem no congresso. Enquanto havia uma grande unidade para implementar o que havia de pior nas propostas do governo Lula, o arcabouço fiscal, nem na política fiscal o apoio é garantido. As tentativas de Haddad de garantir a meta de déficit zero esse ano aumentando a arrecadação, por exemplo revertendo os cortes na taxação das empresas, a desoneração fiscal, implementada pelo governo Dilma em 2011, têm sido barradas.
Para agravar a situação, o congresso tem um poder muito maior agora sobre a execução do orçamento, com um nível recorde das emendas, que agora chegam a 53 bilhões. Além de diminuir a capacidade do governo de conduzir investimentos, essas emendas são usadas para garantir o fortalecimento das bases eleitorais de políticos fisiológicos, não onde a necessidade é maior, e tende a facilitar sua reeleição. A tendência tem sido esse problema se agravar. Bolsonaro aceitou aumentar as emendas para garantir o apoio do Centrão, que ele tanto xingava, e Lula, ao não querer enfrentar toda essa estrutura de poder, fez o mesmo, em nome da ‘governabilidade’.
As medidas positivas que foram possíveis no ano passado com a PEC de Transição, que permitia um déficit temporário, não foram suficientes para sanar os grandes problemas sociais, nem para garantir o apoio do governo, que vem caindo. Isso apesar da queda dos juros (ainda altíssimos), do desemprego e do ritmo da inflação. Os preços dos alimentos permanecem muito altos e a inflação começou a acelerar novamente.
A exaltação por figuras do PSOL de medidas do governo, mesmo sendo positivas, não resolverão o problema. A queda de apoio do governo não é por ‘falta de comunicação’ como dizem. Essa exaltação até entra em contradição com o próprio movimento, como quando Boulos lançou um vídeo comemorando os investimentos no ensino federal no meio de uma greve do funcionalismo!
Embora houve um grande alívio ao derrotar Bolsonaro nas eleições passadas, para muitos não há uma sensação de que as coisas mudaram fundamentalmente. Muitas das pautas foram rifadas e perdidas nas negociatas.
Mesmo nos movimentos mais fiéis a Lula vemos críticas. “O governo não está fazendo nada na reforma agrária, é uma vergonha”, criticou João Pedro Stedile do MST recentemente em uma entrevista, dando nota três à política de democratização da terra do governo federal.
Enquanto Lula diz que não haverá ajuste fiscal ‘em cima dos pobres’, essa é a lógica do déficit zero, que impede reais investimentos sociais. O Ministério da Fazenda está discutindo solapar o piso de gasto com saúde e educação, já baixo demais, para adequar ao teto de crescimento do arcabouço fiscal.
Vimos isso também na greve do ensino federal, onde o governo até agora tem sido intransigente em oferecer zero de ajuste esse ano. Muitos dos técnicos do ensino federal têm um salário abaixo do mínimo, chegando ao mínimo legal somente através de gratificações, que não contam para auxílio-doença, aposentadoria ou licença maternidade.
Enquanto se fala da necessidade de taxar os ricos, não há nenhuma proposta concreta por parte do governo. O governo também não ataca nenhum dos privilégios da alta cúpula do Estado, como do judiciário ou dos militares. É incrível como o país gasta mais com um punhado de generais e seus familiares do que com os 90 mil soldados das Forças Armadas. Também não se poupa recursos quando se trata de comprar novos caças ou desenvolver submarinos nucleares, a custo de dezenas de bilhões.
Lula também mantém a lógica de contrapor a manutenção do meio-ambiente e investimentos sociais. Lula defendeu novamente a exploração de petróleo no litoral da Amazônia, dizendo que os recursos são necessários para investimentos, enquanto a Petrobras é a empresa que mais paga dividendos para acionistas.
O que fazer para barrar a extrema-direita?
Infelizmente, boa parte da esquerda oficial, incluindo a direção do PSOL, mantém uma linha de defender o governo como única barreira contra o bolsonarismo. Como argumentei, na verdade essa estratégia enfraquece as lutas e a construção de uma força que realmente pode barrar a extrema-direita.
Há aqueles que argumentam que o governo tem que ir pra ofensiva política contra o centrão e a direita. Mas enquanto devemos exigir medidas concretas de Lula, é mais do que ingênuo exigir que ele reverta sua estratégia política central implementada desde o primeiro governo Lula em 2003.
Só haverá qualquer inflexão na política do governo se for através de muita luta, arrancando concessões. E mesmo com isso tem sido difícil, como vimos na atual greve, que está no seu terceiro mês.
O pior que podemos fazer agora é partir de uma lógica de que o principal é salvar o governo e por isso submeter nossas pautas aos interesses do governo. Foi necessária uma batalha mesmo dentro do movimento sindical para garantir a construção de uma greve forte do ensino federal, já que houve aqueles, principalmente os petistas nas direções sindicais, que diziam que fazer greve seria desgastar o governo e dar espaço para a direita.
Temos que dizer que a verdade é oposta, sem uma luta forte independente dos movimentos não há como construir uma correlação de forças mais favorável . O exemplo da luta das mulheres contra a PL1904 é importante, já que a rápida mobilização fez com que representantes do Centrão já não veem como viável avançar na proposta.
Temos que continuar a fortalecer essas lutas e achar caminhos para ampliar a outros setores.
A greve do ensino federal tem conseguido uma capilaridade importante e fortalecido quem defende essa linha de luta. Universidades onde o Proifes, um sindicato criado pelo petismo para minar a força do sindicato combativo ANDES, tem entrado em greve contra a vontade da direção. A proposta de discutir a desfiliação do Proifes teve 41% dos votos em assembleia da UFRN.
É necessário fortalecer o apoio à greve, unificando a luta com outras categorias do funcionalismo e com apoio ativo do movimento sindical geral.
A luta contra o PL1904 ainda está em pleno vapor, com um dia nacional de luta sendo chamado para domingo dia 23.
Hoje não se pode fazer uma separação rígida na luta contra a direita e a extrema-direita. Obviamente o projeto autoritário da extrema-direita é uma ameaça real, como vimos na tentativa de golpe de 8 de janeiro. Devemos estar atentos para barrar qualquer tentativa autoritária.
Grande parte da direita tradicional não teve nenhum problema em servir ao governo Bolsonaro e o farão de novo. Na chamada pauta de costumes, também não há uma divisão clara entre os conservadores tradicionais e a nova extrema-direita. E muitos desses se encontram na base do governo Lula hoje e ajudam a emperrar qualquer avanço, como já fizeram nos governos anteriores de Lula e Dilma, quando a bancada evangélica dava um apoio à política do governo em troca de não avançar em temas como o aborto.
E embora a extrema-direita tenha sido mais ofensiva na retórica privatista, nunca houve uma reversão da política privatista nos governos do PT, apenas uma mudança de forma, com uma ênfase em PPPs ao invés de vendas diretas.
Os governos do PT nunca reverteram as principais medidas neoliberais desde o governo FHC. O arcabouço fiscal é uma continuidade dessa política de direita, implementada e defendida pelo ministro da Fazenda do PT, Haddad.
Por tudo isso, só será possível avançar nas lutas de forma consequente, enfrentando a direita fora e dentro do governo, visando construir o caminho da unificação das lutas e uma alternativa socialista.
Infelizmente, esse projeto tem se enfraquecido no último período com o adesismo do PSOL ao governo. É necessário resgatar o caminho de construção de uma alternativa de esquerda e socialista consequente, que se expressa no apoio incondicional às lutas e a defesa de um programa socialista nas eleições municipais.