Feminismo: uma luta nunca adormecida!

Desde a primavera feminista em 2015 o mundo e o feminismo passaram por transformações. Muito além de denunciar desigualdade salarial, passou-se a olhar para toda a estrutura machista imposta no cotidiano de ser mulher, lgbtqia+ e racializada. Denunciando mais a estrutura de opressão dentro do sistema capitalista, em todas as esferas de nossa existência. Olhando para o dia a dia de ser mulher, pobre, superexplorada, assediada, violentada, periférica, preta, indígena, queer, desencaixada das caixinhas do padrão. 

Experimentamos muitas formas de lutas, de formulações e de consciência sobre quem é o inimigo e quais são as barreiras para vencer. Hoje são diversos feminismos e o movimento ganha novas formulações a cada dia. Mas o nosso triunfo veio das lutas massivas, das proporções internacionalistas da luta que ganhou a consciência da classe trabalhadora para um projeto de mundo diferente. 

O ainda insuperável movimento Ni Una a Menos surge denunciando o descaso do sistema capitalista diante dos nossos alarmantes índices de feminicídio. Colocando a cara, o nome, a idade e cor, não deixando as vítimas serem esquecidas. Nos levantamos em oposição ao silêncio das autoridades de Estado. Influenciou toda a América Latina e o mundo.

Rompendo o silêncio

O movimento Me Too, que escandalizou a violência no meio artístico, esportivo e político, também repercutiu realmente em nossas vidas, dentro da nossa classe. No Brasil, as redes virtuais na época foram ocupadas por denúncias de violências vividas por muitas de nós. Com os dizeres “meu abusador/violador é”, foi escancarando as consequências da cultura do estupro e do silêncio. Sobre as consignas de “Não se cale” nasce um feminismo que entendeu que somente rompendo o silêncio podemos nos fortalecer. 

Anos depois, uma performance criada por feministas chilenas impactou as redes sociais e foi encenada nos anos seguintes em demais países. A canção “o violador és tu” associava o indivíduo violador a uma cultura machista perpetuada pelo Estado como principal protagonista da violência de gênero e opressão. 

A ideia de que a opressão é mantida por uma estrutura maior, que está além do indivíduo, ou seja, faz parte da lógica do sistema, a manutenção das opressões como método do aumento da divisão da classe para aumento da exploração, deu um passo adiante de somente denunciar o patriarcado, crescendo a concepção de que o anticapitalismo está junto ao feminismo combativo. 

O Black Lives Matter influenciou fundamentalmente todas as lutas seguintes para o antirracismo e não somente, mas também no reconhecimento de que o Estado capitalista é racista. Nada mais permanece igual a antes, as questões raciais que já eram denunciadas no nosso país ganharam notificações maiores. Há pouco mais de um ano atrás, a revolta das jovens iranianas também revelou que não há limites para a luta feminista mesmo que exista um Estado profundamente arraigado à religião que condenou centenas à morte por protestarem contra a violência sofrida e o controle de seus corpos. A radicalidade assumida por meninos e meninas tão jovens é consequência da crise econômica somada às condições sociais da classe mais pobre, que também se relacionam com o racismo o qual os curdos são submetidos e mais ainda as mulheres curdas.

Superando os limites da institucionalidade

Essas lutas testam seus governos e daí surgem ainda mais novos elementos de insatisfação com uma esquerda vacilante, mais nitidez sobre limites da institucionalidade e do capitalismo. Na Argentina, a luta pela legalização do aborto no país foi de massas e conquistaram não somente o direito ao aborto, espalhando para toda a América Latina os “pañuelos verdes” como símbolo, e também a possibilidade de conquistar a vitória se não negociar com os governos e patrões. O último “Paro nacional” teve êxito temporário e participação massiva, as assembleias feministas para organizar o 8M extrapolaram em número as expectativas e a mobilização da juventude para ações de catracaço contra o aumento da tarifa foram massivas. Da consciência ganha para a luta pela legalização do aborto será necessário seguir forjando a mesma para organizar a luta contra aumento do custo de vida, que deve dar respostas mais concretas à crise que as da extrema direita de Milei.

“Eles acreditaram em mim!”

Na França um movimento massivo chamando a Greve Feminista enfrenta o governo de direita e ocupa as ruas, acabaram de conquistar algo não visto em nossa história, o aborto legal previsto dentro da constituição. No Quênia, o assassinato de duas jovens teve repercussão no país e levou a movimento contra o feminicídio em fevereiro com uma participação histórica de atos em várias cidades. Na Itália, no final do ano passado, um movimento explodiu contra o assassinato de uma jovem, e vimos novas ações do movimento Me Too em lugares como Taiwan e Alemanha no ano passado. 

“Eles acreditaram em mim!” exclamou três vezes a vítima de estupro do jogador de futebol Daniel Alves quando ele foi condenado a 4 anos de prisão pelo seu crime. Essas palavras nem sempre compreendidas e muito pouco ecoadas entre os homens, foi divulgada entre diversas páginas feministas e antirracistas nas redes sociais. A razão é que às vezes o que parece um detalhe a eles é urgente para nós. Esse caso teve grande repercussão no Estado Espanhol que já foi palco de grandes greves feministas, também teve repercussão no Brasil. A legislação que possibilitou a condenação, ainda que parcial, do jogador, serviu de referência para a aprovação da lei Não é Não no Congresso brasileiro, sancionada por Lula.

Apesar dessa medida,  a realidade aqui está distante de podermos assumir certas medidas como conquistas. Além do aumento de índices de feminicídio constatados neste último ano, diversos ataques a direitos e sucateamentos dos serviços que impactaram direta ou indiretamente a vida das mulheres não foram revogados. 

Governo Lula avança e recua

Tivemos um exemplo na última semana que mostra a quem serve um governo de frente amplíssima. A reação dos conservadores fez Lula recuar da revogação, por parte do ministério da saúde, de um decreto do ex-presidente Bolsonaro que limitava o período de gestação para o aborto já legal.  Seguimos num país que aponta limite para uma pessoa interromper a gestação fruto de má formação do feto, risco de vida da gestante ou de violência sexual.

Nos últimos anos vimos a consciência feminista com presença forte nas lutas em geral e impactando o cenário político. Desde o Fora Cunha no mesmo momento da primavera feminista mundial, ou depois, com as ocupações de escolas liderada por jovens meninas, seguidas por muitas lutas e disputas contra retrocessos nos direitos reprodutivos sempre em constantes ameaças, até mesmo no movimento massivo do Ele Não contra a eleição de Bolsonaro.

A sensação é de que existe uma urgência de mudança vinda das mulheres, negras, indígenas, lgbtqia+. Os governos fracassaram, também novas formações de esquerda que já mostram sua falta de disposição de ruptura com o sistema capitalista e geram insatisfação. Ao final nenhum movimento poderá acabar com todo o machismo, racismo, lgbtfobia e exploração sem nitidamente apontar como será organizada nossa alternativa de poder. O destino destes movimentos está sendo disputado pelo grande capital, pelos oportunistas, pela institucionalidade, pela resposta da justiça burguesa, por quem não acha interessante uma luta grande que questiona o modo operante vigente. É na ausência da resposta certa, que caminhos limitados ganham destaque. Por isso, seu destino deve ser também disputado por nós socialistas.

Unir a luta da nossa classe em toda sua diversidade

Não existe uma luta da classe trabalhadora sem antirracismo, feminismo e inclusão da diversidade. Mas só será possível apontarmos as respostas se tivermos profundamente arraigada às demandas a nossa alternativa de poder com seriedade. Pois junto com o avanço desta consciência temos a resposta conservadora, sabemos que toda revolução vem com a contrarrevolução. Quando vemos a ameaça que a luta feminista pode causar ao sistema podemos compreender as respostas conservadoras que surgem e que são dos âmbitos sociais também.

O agravamento das condições de vida da classe trabalhadora é um caminho propenso a polarizações sociais. Vemos no mundo o crescimento da extrema direita com discursos conservadores e contrários aos avanços no combate a desigualdade de gênero, racial e contra as opressões em geral. Devemos ter ciência das razões dessa reação para sermos contundentes em construir a melhor alternativa à extrema direita e ao capitalismo. Por um feminismo, antirracista e socialista em todo o mundo!

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