Direitos reprodutivos: aborto legal – reabre Cachu!
A pauta do aborto é um dos principais temas que envolvem os Direitos Reprodutivos no Brasil. A criminalização de quem busca formas de interromper uma gravidez indesejada tem classe, tem cor e território, já que empurra para a ilegalidade pobres, pretas e periféricas, que não têm condições de pagar pela realização de um procedimento seguro, seja em acesso ao conhecimento do uso medicamentoso ou ao processo seguro em hospital o que, muitas vezes, as colocam em risco de vida.
A ADPF 442, ação proposta ao STF pelo PSOL, que discriminaliza o aborto até a 12ª semana, reforçou essa pauta na agenda de luta das feministas, mas há décadas muitas mulheres lutam pela ampliação do acesso ao aborto seguro e legal no país. Em 2012, a partir de outra ação enviada ao Supremo, o aborto foi legalizado em situação de anecefalia fetal.
No entanto, todo esse legado de luta e conquistas de direitos tem se chocado fortemente com as ações e discursos da extrema direita, que se opõem ao acesso de mulheres e pessoas que gestam à autonomia reprodutiva, mesmo nos casos onde o aborto é legal, como em casos de estupro. Não podemos esquecer ainda dos elevadíssimos dados de abuso sexual infantil, e que em todas as situações existem dificuldades para acessar o direito ao aborto.
Aumento dos estupros
O 17° Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2023) indica significativos aumentos de todos os tipos de violência contra a mulher, e o estupro é um dos dados que assusta ao apontar que a maior parte de suas vítimas são crianças abaixo dos 13 anos, sendo que 8 em cada 10 vítimas de estupro são crianças.
Através do discurso moral e falta de acesso a informações corretas, pessoas que gestam têm seus direitos de decisão sobre seus corpos negados por não saberem que podem abortar de forma segura e com respaldo da lei vigente. Muitas vezes a barreira está na longa jornada que passam a enfrentar, a vergonha da exposição que podem sofrer sobre a violação dos seus corpos (há vários casos de exposição de nome de vítimas e seus prontuários médicos, o que é crime), e outras tantas ligadas à judicialização e longas distâncias territoriais para chegar aos poucos centros especializados que realizam o procedimento.
Reabre Cachu!
Essa é a situação que enfrentamos em São Paulo desde o final de 2023 quando, de forma arbitrária, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) decidiu pelo fechamento do serviço de abortamento legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha. Esse é o único hospital do estado que realiza abortos acima de 22 semanas de gestação, além de ser referência nos casos de aborto legal por anencefalia e má formação fetal. Devido a essa decisão absurda, as vítimas de violência e gestantes com risco de morte que precisam desses serviços agora precisam se deslocar para fora do estado para ter acesso ao seu direito.
Ainda antes do fechamento do serviço de abortamento do Hospital Vila Nova Cachoeirinha ocorreram incursões da secretaria de saúde e do CREMESP solicitando acesso e cópia de prontuários sigilosos de pacientes do período de 2020 a 2023. Cabe lembrar que nunca foram apresentados requerimentos judiciais que justificassem a exposição dos documentos sigilosos das pacientes.
A prefeitura descumpriu por duas vezes as decisões do Ministério Público Federal (MPF) cobrando a reabertura imediata e explicações plausíveis sobre o fechamento injustificado do serviço.
Após o fechamento foi criada a campanha #ReabreCachu, e o primeiro ato foi convocado para o dia 24 de janeiro, em frente a Prefeitura de São Paulo. No dia 29 de fevereiro, como parte da preparação para o 8 de Março, foi realizado um ato em frente a Secretaria de Saúde do município.
Manter a mobilização e ocupar as ruas
Além de todas essas fragilidades que envolvem o direito ao aborto legal e seguro no país, cabe lembrar que esse direito foi duramente atacado no governo Bolsonaro. Em junho de 2022 o Ministério da Saúde lançou o manual “Atenção técnica para prevenção, avaliação e conduta nos casos de abortamento”. O texto do governo afirma que acima das 22 semanas de gestação o aborto nos casos previstos em lei passaria a ser criminalizado, o que vai contra o que é descrito no código penal, onde não há determinação temporal para a realização do procedimento de aborto.
O Serviço de Aborto Legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha passou então a entrar mais na mira dos fundamentalistas. A equipe especializada na realização do procedimento de aborto legal fez a leitura correta de que o texto desse manual do Ministério da Saúde é incompatível com a lei vigente, e seguiu atendendo casos acima de 22 semanas de gestação apresentando a justificativa adequada para executar os atendimentos.
Em defesa da saúde pública
Outra questão importante da luta pelos direitos reprodutivos é a realização dos procedimentos no setor público. No Brasil o SUS cumpre esse papel de ampla cobertura e universalidade no atendimento em saúde. Há anos está em curso as privatizações sistemáticas dos serviços de saúde pública de todo o país. A aprovação do novo Teto de Gastos impacta a saúde pública como um todo, que sempre teve falta de recursos para atender toda a população. Isso gera diminuição dos investimentos na contratação, salários abaixo do mercado para a maior parte da equipe de saúde, queda da qualidade e oferta de serviços, falta de oferta de qualificação e assédio moral às trabalhadoras que buscam atender de forma respeitosa e adequada.
Como reflexo dessa situação o serviço de abortamento legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha novamente pode ser tomado como exemplo. O serviço que apesar de todas as adversidades resistia garantindo o acesso universal ao direito amplo à saúde para mulheres, meninas e pessoas que gestam, foi fechado com a argumentação fajuta da prefeitura de que não há condições de garantir o serviço devido a sobrecarga de outras demandas em acesso a direitos reprodutivos, como cirurgia de endometriose. Essa é uma contradição falsa, vindo da prefeitura mais rica do país. É mais uma farsa da extrema direita e da direita neoliberal, usam a moralidade para encerrar serviços e manter os empresários e o setor privado beneficiados às nossas custas.
Barrar a contraofensiva
Nos últimos anos tem ocorrido importantes lutas feministas para barrar o estatuto do nascituro, barrar as assustadoras “semanas de conscientização” contra o aborto para adolescentes, construir a campanha “criança não é mãe”, além de iniciativas via STF através da ADPF 442. Mas a contraofensiva da extrema direita e dos fundamentalistas existe e por isso não podemos parar.
No dia 28 de fevereiro foi emitida pelo Ministério da Saúde a Nota Técnica nº2/2024-SAPS/SAES/MS. Este documento pretendia equalizar e atualizar as informações sobre o procedimento de aborto legal reforçando o descrito no código penal. No mesmo dia de sua emissão, o documento foi revogado pelo governo Lula, que não resistiu às pressões dos setores fundamentalistas que possuem acordos com o poder executivo.
O governo que subiu a rampa com representantes dos setores oprimidos do povo brasileiro tem mostrado que não consegue sustentar as pautas caras às mulheres da classe trabalhadora e aos movimentos sociais. A pressão política para manter a desinformação revela o quanto o governo está disposto a esconder a questão social do aborto no Brasil.
O movimento precisa manter a mobilização, construir atos e ocupar as ruas com suas reivindicações para que essas lutas ganhem força, forma e sejam observadas com os dados concretos que ultrapassem os argumentos morais e preceitos religiosos aplicados ao tema dos direitos reprodutivos. O aborto é um a situação de saúde pública para mulheres, meninas, homens trans e não binárias e assim seguiremos!
- Reabertura imediata do Serviço de Aborto Legal do Hospital Vila Nova Cachoeirinha
- Criança não é mãe e estuprador não é pai! Não ao estatuto do nascituro!
- Pela vida de quem gesta! Feminismo inclusivo, antirracista e socialista!
- Pressionar com luta pela aprovação da ADPF 442 – aborto legal, seguro e gratuito já!