A primavera da luta das mulheres

Entramos na era da luta das mulheres. É só abrir o jornal, se conectar nas redes sociais, ligar a TV e sair às ruas pra presenciarmos ações, manifestações diversas tendo como pauta o direito das mulheres nessa sociedade desigual e injusta.

As denúncias de assédio e sexismo não estão mais sendo jogadas para debaixo do tapete – aliás, nem mesmo o tapete vermelho de Hollywood tem abafado o machismo que atinge até mesmo as mulheres famosas.

Desde 2017, com a posse de Trump, o Ni una a Menos e demais lutas feministas, o 8 de março novamente ocupou um lugar de visibilidade mundial e de radicalização assumiu um grau de articulação internacional, incluindo chamados para greve e paralisações, indicando que a solução para os nossos problemas supera as fronteiras nacionais: afinal, falamos a “mesma língua”.

Para além dos fenômenos mencionados, a crise econômica denuncia o fato do capitalismo ser um sistema mundial, e as mulheres acabam por expressar a melhor forma de combater essa crise: se articulando mundialmente.

Basta um olhar um pouco mais atento aos processos de luta para associar o papel importante das mulheres, e de nossas pautas, nas lutas sociais travadas no último período no Brasil. 2017, ano marcado pela maior greve geral dos últimos tempos, imprimindo prejuízos para o capital, foi impulsionado por um belo e gigante 8 de março, que levou milhares de mulheres às ruas. Estávamos presente em todas as lutas contra as contrarreformas e o governo ilegítimo de Temer, de maneira expressiva. E no final de 2017, quando ninguém mais acreditava em mobilização, milhares foram às ruas contra a PEC 181, que impunha retrocessos em casos de aborto legal.

Não é possível hoje pensar em barrar qualquer contrarreforma ou medidas autoritárias do governo ilegítimo de Temer sem que a pauta das mulheres faça parte desta articulação. Enxergar o contexto da crise na vida das mulheres, e as reivindicações sociais imediatas, talvez seja a senha para mobilizações de massas como o “Paro Internacional” em março de 2017. 2018 promete ser um ano de intensas lutas, greves, manifestações, eleições gerais, mas seguramente as conquistas estarão mais próximas da vitória se incorporarmos o espírito do 8 de março.

A luta das mulheres segue na agenda. Em tempo de ataques, cortes e retirada de direitos sociais, pagamos com as nossas vidas a manutenção deste modelo de sociedade. Não por acaso crescem o número de movimento de mulheres e o feminismo tem assumido papel de destaque na conjuntura atual.

Neste ano, Nancy Fraser, Angela Davis, e outras feministas americanas fazem um chamado ao feminismo para as 99%, para a maioria, para a classe trabalhadora! Em tempos de tantas vertentes, apresentamos aqui um pouco sobre o que acreditamos.

Sobre o feminismo classista

Tem sido muito emocionante presenciarmos a renovação do movimento de mulheres, a enorme quantidade de meninas jovens, corajosas, aguerridas, de todas as classes sociais, indo pras ruas, construindo coletivos, denunciando situações de abuso e gritando em alto e bom tom que são feministas.

Campanhas internacionais contra o assédio, como a #metoo, a denúncia de atrizes de Holywood dentre outras que nos anos anteriores mobilizaram, como o #meuprimeiroassedio, mostram que o silêncio tem sido rompido em formas de denúncia. Claro que estamos longe da maior tarefa que é chegar nas mulheres ainda mais vulneráveis, as mais pobres, as negras, as mulheres trans, mas certamente estamos mais perto que antes.

Esta onda de movimentos identitários, de um feminismo que parte da questão do gênero, denuncista, dissociado da questão de classe social, tem cumprido um papel determinante na mobilização de meninas e mulheres. E temos que receber isso com muita felicidade.

Mas precisamos avançar. Precisamos compreender que não é possível construir a luta feminista pelo direito das mulheres de modo consequente, dissociando da questão de classe e da melhor tradição do movimento de trabalhadores e trabalhadoras. As ações coletivas, organizadas, em prol de pautas capazes de expressar nossas demandas. É salutar que o feminismo classista, no Brasil, tenha como elemento constituinte a questão racial, considerando o fato de que, assim como o conjunto da classe trabalhadora, a maioria das mulheres trabalhadoras são negras.

Precisamos desconstruir qualquer ilusão individualista e liberal de que é possível conquistar avanços substanciais através de ações pontuais ou de uma luta contra os homens. Obviamente que a ação machista exige sujeitos, e os homens são os agentes centrais desta ação opressiva. Contudo, vale lembrar que o sistema capitalista não apenas alimenta como sustenta o machismo, como condição de ampliação da acumulação capitalista. São necessários sujeitos mais vulneráveis para melhor explorar.

Outra questão importante é que precisamos ter os homens trabalhadores como aliados, pois a luta pelos nossos direitos necessita ser a luta de todos. Isso não significa secundarizar e ignorar os problemas do machismo no interior da nossa classe, ao contrário, devemos combate-los com rigor exemplar, inclusive como forma de construir novas sínteses e uma nova prática de sociabilidade. Uma vez entendendo que o capitalismo impõe obstáculos à nossa emancipação, a luta anticapitalista, para nós, socialistas, deve ser o nosso norte estratégico.

Já fizemos a experiência e vimos que não podemos cair na armadilha de que “basta ser mulher para nos representar”. A Dilma foi exemplo disso, deu continuidade ao projeto de conciliação de classe do lulopetismo, governou com o grande capital, retirou direitos, promoveu cortes orçamentários e aprovou uma lei antiterror que tende a impedir nossa resistência. Isso sem dizer que não promoveu nenhum avanço significativo na luta contra o feminicídio, a violência e a legalização do aborto.

Queremos mulheres no poder, e precisamos eleger mais mulheres! Mas mulheres que representem a maioria, as trabalhadoras, e que se comprometam com as que mais necessitam romper com este sistema para garantir sua real liberdade. Qualquer ideia de que podemos construir espaços seguros no capitalismo, ou que ainda a representatividade por si só garante avanços e conquistas, pode nos levar a retrocessos e impedir avanços.

Falar sobre que feminismo defendemos não pode, de forma alguma, converter-se em um debate abstrato, restrito às rodas de discussão, para ver quem se sai melhor. É preciso que seja colocado nos marcos de um horizonte estratégico, afim de determinar nossas ações: debater que feminismo defendemos, que pautas devemos priorizar, quais nossos princípios e métodos, indica como materializamos nossas lutas contra o machismo e a sociedade capitalista. Uma evidência disso foi o destaque da pauta da Reforma da Previdência no 8 de março de 2017, um debate que convenceu mesmo coletivos feministas que não se identificam como classistas a encamparem essa bandeira!

Um feminismo para as 99%, que caibam a ampla maioria das mulheres, negras, indígenas, jovens, trans, precisa ser um feminismo classista, que tenha coragem de dizer e de construir a luta contra o capitalismo, pelo feminismo socialista.

A crise econômica e a luta contra o machismo

A crise econômica, iniciada em 2008, tem atingido a nós mulheres trabalhadoras de maneira ainda mais brutal. A manchete da Folha de São Paulo de 17 de outubro de 2017 apontou que o “Desemprego em 2016 foi maior entre pretos, pardos, mulheres e jovens”. No total somos 13 milhões, por baixo. Ou seja, as mulheres jovens e negras são as maiores vitimas desta crise.

O nível de desemprego entre as mulheres fechou o ano de 2017 três pontos percentuais acima se comparado aos homens, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Esses números só não são maiores porque muitas mulheres deixam de procurar empregos formais e se viram como podem em “bicos e quebra-galhos”.

Com a política de contrarreformas, de austeridade e o congelamento de gastos púbicos nas áreas sociais por 20 anos, o trabalho do cuidar recai ainda mais duramente sobre o ombro das mulheres.

A diferença de carga horária total de trabalho cresceu depois da crise. Dados do IBGE mostram que em 2005 as mulheres trabalham 6,9 horas a mais que os homens, em 2015 a diferença cresceu para 7,5 horas.

Segundo o PNAD, em 2015, a jornada total média das mulheres era de 53,6 horas e a dos homens, de 46,1 horas. Em relação às atividades não remuneradas, a proporção se manteve quase inalterada ao longo de 20 anos: mais de 90% das mulheres declararam realizar atividades domésticas; os homens, em torno de 50%.

Para o IBGE cerca de ¼ da população em idade de trabalhar cuidou de outras pessoas em 2016, sem receber por isso. O percentual de mulheres (32,4%) que se dedicavam a cuidar de pessoas foi superior ao dos homens (21%). O impacto desta crise é sentido também no nível da barbárie e da violência. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, a cada duas horas uma mulher é morta. O Mapa da Violência elaborado pela Faculdade Latino-Americana de Estudos Sociais aponta que houve um aumento de 54% da morte de mulheres negras. Segundo artigo da Folha de São Paulo, o país notifica 10 casos de estupro coletivo por dia, e ainda lidera o ranking mundial de assassinato de mulheres trans.

Estes dados revelam que não é um exagero dizer que pagamos com nossas vidas os efeitos de uma das maiores crises já vivenciadas. Um misto de desemprego e violência tem feito parte da vida da maioria das mulheres.

Neste sentido combater a austeridade, a crise e os cortes, de modo a associar à luta das mulheres, na nossa avaliação, é condição para garantir vidas e conquistar avanços.

A proposta da reforma da previdência, ainda não votada graças as mobilizações, expressa isso. Uma política de ampliar a contribuição das mulheres, ignorar a dupla e tripla jornada, além de na prática impedir que boa parte dos trabalhadores se aposentem com saúde e vida, revela a dimensão misógina das contrarreformas.

O cenário só não é catastrófico por conta da reação das mulheres. De modo virtual, nas ruas, e nos espaços de trabalho, presenciamos resistência, denúncia e lutas. Nossa tarefa agora é unificar tudo isso, pois juntas somos fortes! E fortes o suficiente para que, aliadas aos nossos camaradas, possamos ombro a ombro superar esta sociedade desigual, machista e opressora.

A luta das mulheres em 2018 pode ser ainda maior!

Aprendendo com os exemplos, pela história e pelo mundo

Quando apontamos a importância do feminismo classista, falamos da construção de um movimento de mulheres consequente que se localize na luta antisistêmica e ao mesmo tempo na luta antirracista e antiLGBTfóbica.

A prova de que o feminismo classista, sobretudo antirracista, está no nosso DNA, são os exemplos de luta das mulheres negras trabalhadoras no nosso país. Este ano completamos 130 anos da abolição da escravatura no Brasil e os dados de mortalidade revelam o quanto ainda temos que lutar. Todavia esta luta não se limita à representatividade ou as questões identitárias, apesar de muito significativas.

Já na década de 1940, um grupo de mulheres negras, integrantes do Teatro Experimental do Negro, havia criado a Associação das Empregadas Domésticas. Dirigida pela jornalista Maria Nascimento, que na época presidia o Conselho Nacional de Mulheres Negras, exigiam a regulamentação e a dignidade do trabalho doméstico. Ou seja, já em 1940 esta era uma pauta de luta, encabeçada pelas mulheres negras. Compreendia-se que conseguir avanços para o setor mais vulnerável e pauperizado possibilitaria vitórias para o conjunto da classe e das mulheres de modo geral, já que o capitalismo nivela por baixo os salários e direitos.

Apesar da árdua e importante batalha, a regulamentação do trabalho doméstico só foi conquistado de modo mais substancial nos anos dois mil, e ainda com muitos limites, já que com a contrarreforma trabalhista, contratos precarizados e intermitentes passam a ser permitidos por lei.

Este exemplo é capaz de revelar como o capitalismo não garante sequer os direitos conquistados. E que, em tempos de crise, cria formas de garantir que as trabalhadoras e trabalhadores paguem por ela. Por essa razão, a luta das mulheres precisa estar associada à luta contra a austeridade e medidas de contrarreformas, e podemos aprender muito com as experiências internacionais.

O movimento ROSA (pelos direitos reprodutivos das mulheres contra o sexismo e austeridade), um grupo feminista socialista da Irlanda, é um bom exemplo disso. Estão tendo um papel central na luta pela legalização do aborto. A Irlanda, um pais de forte influência católica, não permite o aborto em quase nenhum caso, exceto com o atestado de uma junta médica indicando risco de vida à mulher. Em 2012, depois da morte de Savita Halappanavarem, resultado de um aborto recusado, uma multidão clamou por mudança.

Luta pelo direito ao aborto avança na Irlanda

Uma comissão parlamentar especial indicou em dezembro do ano passado a possibilidade de aborto até 12 semanas, uma medida que pode atender 92% de todos os casos de aborto. Será realizado em maio ou junho um referendum para suspender a 8° emenda que criminaliza o aborto. Sem dúvida, um importante marco histórico.

Isso foi fruto da luta das mulheres. Em outubro de 2014, organizaram uma ação inspiradora. Reeditaram o famoso “trem contraceptivo” das mulheres de 1971, um trem de pílulas abortivas com grande destaque na mídia nacional, onde ativistas importavam pílulas proibidas. Muitas mulheres garantiram o acesso ao aborto seguro por isso, mas as ações foram antes de tudo políticas.

Um ônibus-ROSA de pílulas abortivas viajou para as principais cidades em 2015, e novamente em março de 2017, com manifestações e reuniões realizadas, e com mulheres diretamente auxiliadas no acesso seguro, porém ilegal, ao aborto. Essas ações chamaram atenção não apenas da mídia nacional, mas também internacional.

Num momento de crise onde direitos são retirados, equipamentos públicos fechados, a luta das mulheres obriga o Estado a assumir e ampliar uma política pública. É salutar o fato deste país ter muita influência cristã, algo muito próximo a nós brasileiras, que vivenciamos as tentativas das bancadas cristãs e fundamentalistas em impedir avanços e inclusive, tentando impor retrocessos em direitos já conquistados, como nos casos de aborto legal.

Em síntese, ao denunciar a política de austeridade e lutar contra o sexismo, a Irlanda segue a um passo de uma das maiores conquistas históricas, contra as forças conservadoras, de direita e reacionária do país.

O 8 de março é uma data para estarmos nas ruas, ombro a ombro com todas as mulheres trabalhadoras para lutar pelas nossas vidas, contra o Governo Temer e as contrarreformas! Mas, também estamos nos empenhando para contribuir à construção do feminismo para as 99%, um feminismo classista, socialista e revolucionário, capaz de estremecer as estruturas deste sistema excludente, machista e opressor.

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