25N na luta: Criança não é mãe! Não ao estatuto do nascituro!
Há um ano atrás o Brasil assistia a repercussão de mais um episódio em que o Estado recusou dar acesso ao aborto legal para uma menina de 10 anos, desta vez em Santa Catarina. Vítima de estupro, o pedido por interromper a gestação é assegurado por lei desde o Código Penal de 1940. No entanto, longe de conseguir acessar este direito, milhares de crianças, mulheres e pessoas que podem engravidar são anualmente forçadas a serem “mães” no país. Para esta criança não foi diferente, além da negação do acesso ao aborto, ela foi retirada de seu lar e colocada em um tipo de abrigo, dessa forma foi obrigada a levar adiante a gestação, longe de sua família que estava lutando para que ela pudesse interromper a gestação.
Abaixo de 14 anos todas as gestações são consideradas oriundas do estupros, pois não há condições válidas de consentir relações sexuais. Da mesma forma, fisiologicamente o corpo não está suficientemente pronto para arcar uma gestação, esta imaturidade do corpo infantil, na maioria das vezes, representa risco de vida para quem gesta, o que, de acordo com a legislação seria mais um elemento que dá direito ao aborto legal. Além disso, essas gestações que vão contra a lei, interferem também na saúde mental, forçam a maturidade emocional de uma criança ou adolescente, em idade escolar, impactando suas organizações de vida num futuro, levando ao abandono escolar e colocando muitas vezes em risco a vida e a saúde mental de crianças ou adolescentes.
As dificuldades dos abortos legais acontecerem para vítimas de estupro não são novidades ou casos isolados no país. Ainda assim, quando falamos de crianças e adolescentes, estamos errando muito. Vazamentos de dados das pacientes e equipe técnica que realizam o procedimento, tentativas de coibir ou atrasar a realização do procedimento pelas vias judiciais, são ações de pequenos grupos que não representam a vontade da maioria. De acordo com uma pesquisa realizada em 2020 pelos Institutos Locomotiva e Patrícia Galvão,
82% das pessoas são favoráveis a realização de aborto em caso de estupro, sendo que esse dado sobe para 94% favoráveis quando apresenta-se que a vítima de estupro tem 10 anos de idade.
Além disso, um projeto de sucateamento dos serviços públicos afetaram muito a saúde nos serviços que realizam o procedimento de aborto legal. De acordo com levantamentos realizados em 2019 e 2020 (respectivamente – Folha de S.Paulo, Revista AzMina, Gênero e Número e a ONG Artigo 19) demonstram significativa diminuição de 176 hospitais com equipes especializadas para realizar aborto legal para 76 unidades, e a desatualiação do site do Ministério da Saúde. Isso revela a combinação de um direito em disputa com os conservadores e fundamentalistas religiosos somados a precarização e cortes em orçamentos para estes serviços.
Os dados nacionais sobre violência sexual contra crianças e adolescentes são alarmantes!
Atualmente, a cada 8 minutos uma criança é estuprada no país. Em 2022, dos 74.930 casos registrados de estupros, uma média de 6 para cada 10 casos eram contra crianças de até 13 anos. Apesar desse alto número, no mesmo ano, houveram somente 72 gestações interrompidas legalmente em todo país para menores de 14 anos. Enquanto que, por dia, 1.043 adolescentes se tornam mães no Brasil. E, a cada uma hora, são 44 bebês que nascem de mães adolescentes, sendo que dessas 44, duas tem idade entre 10 e 14 anos. Não há de fato uma política pública que combata abusos sexuais infatis e a pedofilia! O acesso a educação sexual nas escolas, a métodos contraceptiveis na sáude e assistência socias e ao próprio ao aborto legal não é uma realidade para as meninas pobres no país.
E estes números estão concentrados na parcela mais vulnerável da classe trabalhadora, nas regiões menos centrais do país e entre as mais pobres, norte e nordeste as regiões com maiores índices e, negras e indígenas, as mais afetadas. Nos casos de gravidez na adolescência temos os seguintes dados: em 2020, do total de nascidos vivos de mães indígenas, 28,2% foram de mães adolescentes. Entre pardas 16,7% se tornaram mães adolescentes e entre as pretas, 13%. Enquanto os nascidos de mães brancas eram de 9,2% mães adolescentes.
Há mais de uma década vivemos uma reorganização constante da bancada parlamentar conservadora que se renovam e se fortalecem pautando constantemente projetos de leis que retiram o pouco direito que temos ao aborto, em caso de estupro, de risco de vida da gestante e gestação de embrião anecéfalo. Ao longo dos anos essas tentativas se consolidaram na intitulada defesa de direitos para um nascituro, que seria um embrião fecundado, querendo um estatuto regulamentado atribuindo ao embrião direitos de cidadãos.
Os projetos de leis que visam instituir um Estatuto do Nascituro são profundamente perigosos não só para a luta feminista pelo avanço do direito ao aborto em todos os casos em que a gestante escolher interomper, mas para o que já é legalizado e que hoje lutamos para que seja realmente acessivel pelas vítimas do machismo sistemico que só colocam em piores condições a vida das mais pobres. No governo de Bolsonaro, a nova extrema direita e a velha direita conservadora se unificaram muitas vezes contra direito ao aborto. Vimos pequenas marchas conservadoras que defendem o não acesso ao aborto mesmo em casos de estupro, argumentando com hipocrisia que seriam assassinato de bebes. No governo atual, nada tem se falado para combater propostas como estas, repetindo erros já cometidos em anos anteriores nos governos de Lula e Dilma. Eles se colocam contra esses PLs na base dos movimentos sociais, mas discursam que temos um congresso de maioria conservadora e que há pouco a fazer, e, como consequência enfraquecem a força da luta!
Se aprovada uma lei deste tipo, meninas grávidas serão obrigadas a seguir a gestação independentemente da situação ou idade. Podendo afetar até pesquisas científicas, por exemplo, pesquisas com células tronco, como também proibir inseminação in vitro. Cenas como vimos, em que setores religiosos vão a frente dos hospitais violentar profissionais da saúde, mães e crianças para não acessarem o aborto legal serão institucionalizadas, muitas crianças e mulheres estarão sob a clandestinidade e risco de vida.
Por isso, ativistas feministas de todo o país tem se colocado na linha de frente pela não aprovação do Estatuto do Nascituro no PL 478/07 que está pronto para ser pautado na câmara dos deputados. Além deste, já está em pauta na câmara o PL 4150/2019 que tenta modificar o Código Civil querendo conferir ao embrião “personalidade civil”. Não ao PL 4510/2019 e PL 478/07!
Nós já lutamos contra este PLs antes e retomamos a luta nas ruas. Ataques como estes são respostas a grande luta pela aprovação da ADPF 442 em discução desde 2018 e que em setembro deste ano conquistou um voto favorável no Supremo Tribunal Federal e reanimou as ruas na luta pelo aborto legal, seguro e gratuito. A luta por garantia de acesso ao aborto legalizado passa por lutarmos pelo aborto em todos os casos, para que não haja barreiras para as crianças, adolescentes, mulheres e pessoas com capacidade gestar da nossa classe trabalhadora no acesso seguro ao aborto. As ricas o fazem com segurança, as pobres são criminalizadas ou morrem.
Neste 25N queremos entoar o grito: “Criança Não é Mãe” e “Gravidez Forçada é Tortura”! Teremos que ocupar todos os espaços denunciando a farsa moralista daqueles que sabem que somente as pobres não podem escolher. Mas também, precisamos de um movimento feminista independente de governos e patrões, com unidade entre as reinvindicações da negritude, dos povos indígenas, das mulheres trans, não-binaries e transmasculinos, das LGBTQIANP+, pessoas com deficiencia e todas as camadas mais oprimidas da nossa classe trabalahdora. Isso em unidade a luta por um mundo onde o trabalho é digno, somos nós os donos da nossa própria produção, um mundo socialista!
Por nossas vidas lutaremos por:
- Criança não é mãe! Gravidez forçada é tortura! Pela aprovação da ADPF 442! Não ao PL 4510/2019 e PL 478/07!
- Um SUS 100% público e de qualidade com valorização de seus servidores!
- Não ao desmonte da assistência social. Lute por sua defesa e ampliação!
- Uma escola sem mordaça! Discussão de gênero e sexualidade nas escolas, sim! Enfrentar a violência sexual contra crianças e adolescentes! Combate desde a infância ao machismo, ao racismo, a LGBTfobia e todas as formas de opressão e que isso se reflita nos currículos e nas normas que regulam a educação!
- Combate à violência ginecológica e obstétrica a pessoas com útero, mulheres lésbicas e bissexuais!
- Direitos reprodutivos e fim da mortalidade relacionada à gestação!
- Pelo direito ao aborto legal, seguro e pelo SUS, com uma política de educação sexual para decidir, anticonceptivos para não abortar, aborto legal e seguro para não morrer!
- Fim da objetificação das mulheres em toda sua diversidade, pela autonomia dos nossos corpos e pelo fim da violência sexual e pelo direito decidir!
- Queremos investimento público para enfrentamento à violência de gênero – 1% do PIB destinado a políticas pelo fim da violência contra a mulher!