A luta contra a privatização continua: Greve Unificada no dia 28 de novembro é o próximo passo
Os trabalhadores de São Paulo vêm há meses em uma heroica batalha contra o governo de extrema direita de Tarcísio de Freitas. O militar e ex-ministro de Bolsonaro se esconde atrás da velha máscara de “decisões técnicas” para aplicar um projeto duramente antipopular. Era o que se anunciava desde a sua campanha, e vem se concretizando. No entanto, a resistência imposta pela classe trabalhadora e a população em geral ainda não foi vencida.
Um projeto antipopular
Tarcísio de Freitas tem uma única preocupação: cacifar seu nome como possível presidenciável. Para isso, apela, por um lado, à popularidade ainda forte de seu antigo líder, Bolsonaro. Em grande medida, o governador de São Paulo não pode deixar de “prestar continência” à extrema direita, muito forte especialmente no interior do estado. Por este motivo, tem tomado atitudes absurdas, como o perdão das multas dadas a Bolsonaro pelo descumprimento de medidas durante a pandemia de Covid-19. No entanto, ao mesmo tempo ele precisa se apresentar perante a elite econômica do país como alguém capaz de satisfazer seus desejos de aumento obsceno de suas taxas de lucro em meio à atual incerteza que envolve o capitalismo brasileiro. Isto o leva a, em determinadas situações, aparecer como uma “direita responsável”. Foi o caso de seu apoio ao projeto de Reforma Tributária apresentada por Haddad ao Congresso.
Isto dá a seu governo um caráter bastante reacionário. Assim, é importante compreender que suas medidas fazem parte de um mesmo projeto. O mesmo Tarcísio que estuda retirar câmeras dos uniformes da PM, abrindo alas para a letalidade policial, é aquele que apresenta uma postura intensamente agressiva em relação à política de desestatizações.
Fazem parte de um mesmo projeto as chacinas no litoral paulista, a corrida para entrega do patrimônio público para a iniciativa privada, a redução orçamentária para serviços públicos prioritários, como é o caso da educação. Pouco importa o fato de que se amontoam demonstrações práticas de que todas estas políticas são realizadas de costas para os verdadeiros interesses da população. Em relação às privatizações, por exemplo, o inferno diário em que se transformou a vida da população com a concessão das Linhas 8 e 9 do transporte ferroviário não incomoda em nada o governador, ou os empresários que estão lucrando com este contrato.
Da mesma maneira, Tarcísio tenta simplesmente ignorar a situação absurda pela qual vem passando a região metropolitana da capital em que a empresa privada de distribuição elétrica deixou casas durante duas semanas completas sem luz após as fortes chuvas que atingiram a região. A ENEL segue se recusando a assumir todos os prejuízos sofridos pelos consumidores. Temendo por suas já baixas chances de reeleição, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, declarou-se favorável ao fim da concessão. Ainda que tenha, nos últimos meses, facilitado de todas as formas no seu alcance, a privatização da Sabesp, onde a prefeitura tem alguma influência. Aliás, a primeira explicação apresentada por Tarcísio e Nunes para o caos na distribuição elétrica não foi responsabilizar a concessionária privada. Preferiram achar outras culpadas… as árvores… Isto para não mencionar a ideia de Ricardo Nunes de estabelecer uma nova taxa sobre os consumidores que já pagam muito caro por um péssimo serviço.
Nada indica que as novas privatizações seriam melhores que estas. Isto derruba por terra toda a falácia tecnicista de Tarcísio. Mas, como vimos, sua preocupação jamais foi técnica.
Dia 3 de outubro: os trabalhadores apresentaram suas armas
No dia 3 de outubro deste ano, os trabalhadores das estatais paulistas apresentaram as suas armas. Uma forte greve foi realizada em conjunto pelos trabalhadores do Metrô, da CPTM e da Sabesp. Com a paralisação do transporte sobre trilhos, a mobilização deu ares de greve geral para a cidade de São Paulo. Tanto foi assim, que como forma de tentar diminuir o impacto da mobilização, o governo estadual decretou ponto facultativo nas repartições públicas.
A greve contou com uma forte adesão das categorias e acabou somando-se a outras mobilizações que já aconteciam no estado. Foi o caso das greves estudantis das universidades estaduais USP e Unicamp. No 3O, somaram-se também os trabalhadores destas universidades. Foram realizadas demonstrações de solidariedade ao longo da preparação da greve tanto por servidores federais, como por petroleiros. O dia ficou marcado ainda pela explosão de outras duas importantes mobilizações: a greve dos trabalhadores terceirizados do Aeroporto de Guarulhos, e a greve dos operários da Embraer, ambas duramente reprimidas com demissões e até mesmo prisões (já revertidas).
O dia 3 de outubro se inseriu em um contexto em que lutas diversas vêm acontecendo, mesmo com a forte contenção das direções burocráticas do movimento. Os povos originários encontram-se há já muito tempo na luta contra o Marco Temporal, e sua mobilização abriu um flanco de crise entre Congresso e STF, conquistando uma decisão favorável à sua causa por parte deste último. O movimento feminista vem levantando a bandeira da descriminalização do aborto e o tema voltou à tona com o registro do voto favorável de Rosa Weber antes de sua aposentadoria, no contexto do julgamento da ADPF 442. O MST já vinha desde o início do ano levando à frente mobilizações que foram, inclusive, criticadas por membros do governo Lula.
Assim, há um contexto de lutas. O dia 3 de outubro se alimentou, e ao mesmo tempo, subiu um degrau a mais neste mesmo contexto. Foi uma demonstração de forças fundamental da classe trabalhadora recorrendo ao seu método mais poderoso: a greve. Durante o dia, a mídia, que ao longo do governo Bolsonaro se arvorou em defensora da democracia e da constituição, realizou diversos ataques ao direito constitucional de greve. Ora mais abertos, ora mais velados. No entanto, nem mesmo ela conseguiu esconder o forte apoio popular que os grevistas receberam. Evidentemente, há sempre grande divisão de opiniões em dias como estes. Contudo, as recorrentes falhas das linhas privatizadas fizeram com que inúmeras pessoas compreendessem que o problema da mobilidade não se impõe por causa dos trabalhadores e sindicatos, mas por causa do descaso do poder público. Tarcísio perdeu o controle da narrativa, e seus planos de passar as privatizações sem debate público foram por água abaixo.
O 3O, contudo, ainda não mudou a chave da atual conjuntura. Segue havendo um forte controle das direções sobre os movimentos sociais. De igual maneira, a própria base das categorias e setores populares ainda segue em compasso de espera, e nutre alguma expectativa (baixas e cada vez menores) no atual governo Lula. Há uma leve e momentânea melhora dos índices econômicos. No entanto, comprovou-se a disposição de luta que existe, além do ânimo de resistência contra qualquer retrocesso nas condições de vida da classe.
O apoio da população se traduziu mais fortemente nos dias seguintes. A mesma mídia que passou horas criticando os grevistas e defendendo a privatização, teve de voltar atrás. Começaram a pipocar manchetes sobre como o governo estadual gasta mais dinheiro com as concessionárias privadas do que com o transporte estatal. Matérias sobre como a maioria dos países de primeiro mundo iniciaram processos de reestatização de serviços essenciais e de infraestrutura como saneamento, energia e transporte. O grande público foi informado, por exemplo, que a maioria dos metrôs do mundo são geridos e operados pelo Estado. Além de que a mesma imprensa que defendeu o governador durante a greve, foi obrigada a lembrar-lhe (e a eles próprios) de que Tarcísio havia sido derrotado nas eleições na capital de São Paulo, principal afetada pelas privatizações em debate.
Isolar e empantanar o governo é o caminho para vencer: preparar a greve unificada de 28 de novembro
A greve contribuiu para isolar o governo estadual. Tarcísio precisou adotar um tom mais defensivo em relação às privatizações. Especialmente no que diz respeito à da Sabesp, que é extremamente impopular. Parou com as bravatas sobre datas para a ocorrência das privatizações e recuou para dizer que estava apenas “realizando estudos”. O governo sentiu que seus projetos não passarão sem resistência.
A mudança de tom não modificou a política. Passos decisivos para a privatização da Sabesp continuaram sendo dados. No dia 16/11, aconteceu a Audiência Pública na Alesp, com bastante questionamento à política de privatização. Contudo, para o governo, isto é apenas uma “etapa cumprida”. E o plano de venda da empresa segue a todo vapor.
Isto não muda o fato de que Tarcísio encontra-se mais isolado. O governo Lula adotou uma postura favorável às concessões de saneamento e transporte sobre trilhos. Isto pode ser comprovado com a leitura do seu “Novo PAC”, projeto de estímulo ao crescimento econômico. Neste projeto, as “parcerias público-privadas” têm um papel destacado justamente para as áreas que agora estão no alvo de Tarcísio de Freitas. Contudo, esta coincidência de projetos políticos não fez com que o governo federal se atrevesse a vir em socorro do governo de São Paulo. Isto ocorre porque, entre os apoiadores de Lula no estado, a posição contrária às privatizações destes serviços é francamente majoritária, assim como foi o apoio às greves. Frente a isso, Lula não tem nenhum motivo para se sacrificar por Tarcísio. Mas este cenário só se sustentará com a continuidade das lutas.
Até mesmo a extrema direita, no último período, foi forçada a voltar-se contra as privatizações. Capitaneadas por apoiadores ainda mais próximos de Bolsonaro do que o próprio governador, personalidades e deputados de extrema direita passaram a se declarar contrários à privatização da Sabesp. Fábio Wajgarten, ex-secretário de comunicações de Bolsonaro e um dos principais artífices de suas famosas campanhas de desinformação, foi a público não apenas criticar a privatização da empresa de água, como disparou também contra a ENEL e a distribuição de energia privatizada. Declaram-se, agora, direita “nacionalista”. Evidentemente, vindo dos executores da privatização da Eletrobrás, esta postura não passa de uma jogada no tabuleiro da disputa pela herança do eleitorado bolsonarista, agora que sua figura principal encontra-se inelegível e pode até mesmo encarar a prisão.
Nada disso se daria se não fosse a forte pressão popular em defesa dos serviços públicos. O plebiscito popular realizado pelos sindicatos das empresas estatais de São Paulo reuniu cerca de 900 mil assinaturas, com uma margem de 97% dos votos contrários à privatização da Sabesp, do Metrô e da CPTM. As mesas coletoras de votos eram sempre bem recebidas nas diversas regiões do estado. Muitas manifestações de solidariedade da população se realizaram durante a campanha.
Toda esta situação acuou o governo estadual. Como não desistirá dos seus planos entreguistas, o caminho que lhe resta é intensificar a truculência contra os trabalhadores. No decorrer do mês de outubro, Tarcísio seguiu uma via de retaliação contra os grevistas. Houve uma tentativa de distribuição de advertências e punições para os operadores de trem do Metrô, que se recusaram a participar dos planos de “fura-greve” do governador. A resistência dos trabalhadores às punições fez com que o governo recorresse a meios ainda mais autoritários e antissindicais: 8 demissões, incluindo dirigentes sindicais e representantes das CIPA’s, e uma suspensão de 29 dias. Agora, a pauta pela reintegração destes trabalhadores está diretamente vinculada à luta contra as privatizações.
O sentido da luta é continuar aprofundando a unidade da classe contra o projeto de conjunto da elite econômica que tenta explorá-la. A greve que se anuncia para o dia 28 de novembro é a próxima batalha nesta guerra. Não será a última. A cada passo, os trabalhadores ganham cada vez mais confiança para os enfrentamentos decisivos que se anunciam. É necessária a construção de uma Greve Geral em SP, contra as privatizações e em defesa dos serviços públicos, que dure o tempo necessário para dobrar o governo. Se o movimento ainda não atingiu a maturidade exigida para esta tarefa, pode-se perceber que há passos concretos neste caminho, com a nova greve unificada agora tendo a adesão também de categorias como os professores estaduais e os trabalhadores da Fundação Casa. Construir a nova greve unificada é a tarefa deste momento. Isto precisa se combinar com a necessidade de apontar para a construção de enfrentamentos mais radicalizados no próximo período.
A destruição das empresas e dos serviços públicos é uma necessidade dos capitalistas na atual fase decadente de seu sistema. Salvar suas taxas de lucro às custas do aumento da exploração dos trabalhadores e da população que depende dos serviços é uma necessidade destes verdadeiros parasitas. Uma política que não faz outra coisa além de sistematizar um constante saque do fundo público, direto para os bolsos de uma pequena minoria de milionários e bilionários. Enquanto houver capitalismo, haverá ameaças à propriedade pública. As privatizações são o sintoma, o capitalismo é a doença. Sejamos a cura.