A resistência a Bolsonaro no Brasil

Artigo escrito para World Socialist Alternative – CWI/CIT

O Brasil de Jair Bolsonaro é um país que retrocede em todos os aspectos. Sete meses depois da posse o que vemos é pobreza, desemprego, retirada de direitos sociais, ataques às liberdades democráticas, autoritarismo, submissão ao imperialismo e uma ofensiva permanente contra trabalhadores, mulheres, indígenas, população LGBT, negros e negras, ou seja, contra a imensa maioria do povo.  

Esse governo de extrema-direita representa a face mais cruel de um sistema econômico e político em profunda crise. Com Bolsonaro caem por terra grande parte das ilusões em saídas moderadas dentro da ordem e na conciliação entre as classes que foram fomentadas nos anos anteriores sob os governos do PT. 

Bolsonaro serve a uma classe dominante que tolera e até estimula abusos e autoritarismo desde que sirvam para implementar as contrarreformas sociais que garantam os lucros e privilégios de bancos, grandes empresas e o agronegócio.

A resistência diante desse enorme retrocesso começou antes e com mais força do que muitos, alguns na própria esquerda, esperavam. Ainda não foi suficiente para derrotar os ataques de Bolsonaro, mas está apenas no começo. 

É preciso que a classe trabalhadora, os movimentos sociais e a esquerda tirem as lições de suas derrotas e experiências de luta e avancem no combate a esse governo, esse sistema econômico e político e a barbárie que representam. 

Um país em crise profunda

O cenário de graves turbulências políticas no Brasil tem como base uma economia em profunda crise e sem perspectivas de melhora associada a um agravamento dos problemas sociais estruturais do país. 

Desde 2014, o Brasil não vê um crescimento econômico relevante. Manteve-se estagnado em 2014 (0,5% de crescimento do PIB), passou por dois anos de recessão com crescimento negativo em 2015 (-3,55%) e 2016 (-3,31%) e teve crescimento pífio em 2017 (1,06%) e 2018 (1,12%). 

Ou seja, o país até hoje não se recuperou de uma das piores recessões de sua história e está às portas de uma nova recessão. As expectativas de crescimento para 2019 são todas abaixo de 1% e com tendência a serem rebaixadas. 

O desemprego chega a 12% em números oficiais, atingindo 12,8 milhões de trabalhadores. O total de subutilização da força de trabalho chega a 28,4 milhões de trabalhadores, incluindo 4,9 milhões em situação de desalento (desistiram de procurar emprego).

O trabalho informal tem crescido, revertendo-se uma tendência anterior, e a renda média dos trabalhadores tem caído sistematicamente junto com uma crescente precarização e piora das condições de trabalho.

Cerca de 22,7% dos domicílios brasileiros não possuem nenhum tipo de renda proveniente do trabalho e existem hoje cerca de 11 milhões de jovens que não trabalham nem estudam. 

Um sinal da piora nas condições de vida é a situação em grandes cidades como São Paulo. Dados oficiais de 2019 apontam a existência de 32,6 mil moradores de rua na cidade. Embora esse número oficial subestime a realidade, ele já representa o dobro do calculado em 2015.

Essa verdadeira bomba-relógio social está por trás da enorme instabilidade e volatilidade política no país. As contrarreformas neoliberais na agenda de Bolsonaro agravarão a situação. A iminência de uma nova recessão mundial pode ter um efeito devastador sobre a economia brasileira com enormes repercussões sociais e políticas. É preciso que a classe trabalhadora se organize para esse cenário de intensa resistência e luta.

Cortes na educação e contrarreforma da previdência

A resistência contra Bolsonaro se dá em múltiplas frentes, mas nesses primeiros sete meses de governo as maiores mobilizações se deram contra os cortes na educação e contra a contrarreforma da previdência social propostos pelo governo.

No dia 15 de maio, mais de um milhão de estudantes e trabalhadores da educação paralisaram suas escolas e universidades e saíram às ruas em todo o país contra os cortes anunciada pelo ministro da educação e sua retórica agressiva de extrema-direita. 

Em um primeiro momento, numa evidente perseguição política, o ministro anunciou cortes apenas nas universidades consideradas de esquerda e marcadas pela “balbúrdia” do ativismo. Em seguida anunciou a generalização dos cortes justificando isso com um discurso obscurantista.

A resposta foi dada massivamente nas ruas. Pela primeira vez desde o início do governo, as mobilizações extrapolaram as camadas já oposicionistas e atingiram também parte da base social conquistada pelo Bolsonarismo no último período. 

O governo respondeu com uma tentativa de contraofensiva nas ruas. Chamou manifestações para demonstrar força e testar o clima e as condições para a possível adoção de medidas mais autoritárias.

As manifestações de direita aconteceram no dia 26 de maio reunindo algumas centenas de milhares, principalmente homens de classe média das capitais da região sul e sudeste do país. Elas mostraram que o governo mantém uma base social considerável capaz de ser mobilizada até certo ponto. Mas, mostrou também que há uma divisão dentro da própria direita e que não há correlação de forças suficiente para uma aventura bonapartista, pelo menos não naquele momento. 

O movimento dos trabalhadores e da juventude respondeu com novas manifestações no dia 30 de junho e a confirmação da convocação de uma greve geral no dia 14 de junho, dessa vez com o foco maior na luta contra a contrarreforma da previdência.

Nas vésperas da greve geral, o projeto de contrarreforma da previdência apresentado pelo ministro da economia Paulo Guedes, um “Chicago boy” ultra neoliberal, foi modificado pela Comissão especial sobre o assunto na Câmara dos deputados. 

Foram retirados do projeto alguns dos ataques mais duros. Entre eles estava a proposta de mudança completa do regime de previdência social, do sistema de partição (solidário entre gerações) para o sistema de capitalização (totalmente individualizado) nos moldes do modelo chileno implementado pela ditadura de Pinochet que até hoje representa um verdadeiro desastre social.

No dia 14 de junho muitas categorias importantes de trabalhadores paralisaram a produção e circulação de mercadorias e serviços. Houve expressivas manifestações de rua. Mas, a greve foi inferior em termos de amplitude e impacto do que a greve geral que tinha conseguido barrar uma contrarreforma da previdência em 2017 sob o governo de Michel Temer.

Categorias importantes, como o transporte público, por exemplo, tiveram participação menor. Houve forte repressão e intimidação do Poder Judiciário sobre os sindicatos dos chamados “setores essenciais” ameaçados com multas milionárias e outras represálias no caso de greve.

Mas, o problema fundamental foi a falta de confiança da maioria dos trabalhadores em uma alternativa concreta. O discurso de que sem a contrarreforma viria o caos – o Brasil viraria uma Venezuela! – ecoou até mesmo em setores da oposição a Bolsonaro no Congresso. 

Alguns parlamentares e partidos de centro-esquerda optaram por uma abordagem mais negociadora, admitindo a necessidade da contrarreforma, mas buscando atenuá-la. Parte das centrais sindicais, muitas delas ultra burocratizadas e de direita, entraram no mesmo jogo.

O resultado foi uma derrota para os trabalhadores. O projeto foi aprovado em primeiro turno na Câmara de deputados com mais algumas modificações que atenuam os ataques, mas não mudam o fato de que se trata da mais dura contrarreforma da previdência já encaminhada desde a Constituição de 1988. É mais dura que a de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1998 ou a de Lula (PT) em 2003. 

Mesmo com as mudanças feitas, a contrarreforma irá reduzir drasticamente o valor das aposentadorias e condenar uma parcela cada vez maior da população a uma aposentadoria mínima. Para os trabalhadores com emprego mais estável, a redução do valor das aposentadorias vai, na prática, estimular a busca por uma aposentadoria complementar privada abrindo um amplo mercado para os bancos e fundos privados de previdência.

O projeto ainda terá que ser votado em segundo turno na Câmara e depois no Senado. Mas, o cenário agora para barrá-lo é muito mais difícil do que durante o primeiro semestre. Ações sindicais pelo direito à aposentadoria estão sendo convocadas para agosto, mas as centrais sindicais não falam mais em greve geral.

Contradições no campo da direita

A aprovação em primeiro turno na Câmara de deputados da contrarreforma da previdência evidenciou uma grande unidade da burguesia e seus representantes políticos em torno das contrarreformas neoliberais, a começar pela previdência.

Ao mesmo tempo, não é secundário que isso tenha se dado em meio a sérias contradições e divisões entre os setores da direita tradicional e a nova direita bolsonarista. Até certo ponto esse conflito também se dá entre os poderes da república.

O grande operador da aprovação da contrarreforma da previdência foi o presidente da Câmara de deputados Rodrigo Maia, de um tradicional partido de direita (Democratas) composto por fiéis serviçais dos latifundiários, banqueiros e grandes empresários. 

Muitas vezes, Maia atuou em conflito aberto com Bolsonaro e o poder executivo. Chamado de representante da “velha política” e execrado nas ruas nas manifestações de direita de 26 de maio, Maia assumiu uma espécie de “parlamentarismo branco”, com o Congresso adotando uma dinâmica muito mais autônoma do que é normal no presidencialismo brasileiro. 

Todos os velhos e tradicionais métodos de compra de votos de deputados, distribuição de recursos para que os parlamentares usem em suas bases eleitorais etc. foram utilizados na aprovação da contrarreforma da previdência. 

Mirando sua base eleitoral insatisfeita com a política tradicional, Bolsonaro tentou aparentar distância dessa prática, embora tenha sido o responsável por ela. Tentou também evitar um desgaste maior com setores de sua base social prejudicados pela contrarreforma da previdência. Os militares, por exemplo, não serão afetados pela contrarreforma aprovada e aos policiais foram prometidos atenuantes.

A semiautonomia do legislativo em relação à pauta do poder executivo pode representar problemas para Bolsonaro no futuro em votações posteriores sobre outros temas. Alguns setores da oposição de centro-esquerda apostam nesse caminho como forma de conter Bolsonaro. Foi pensando nisso, por exemplo, que partidos como o PCdoB (Partido Comunista do Brasil) ou o PDT (Partido Democrático Trabalhista) apoiaram Rodrigo Maia em sua eleição para a presidência da Câmara no início do ano. 

Mas, o programa de Maia é o mesmo programa neoliberal extremo da burguesia brasileira. Eles apenas disputam a forma como vão aprovar esses projetos. Maia defende os métodos tradicionais de compra de votos, suborno e negociações enganosas e entende que o método truculento e “populista” de Bolsonaro só levará a derrotas do projeto que ambos defendem. 

A única forma para que os trabalhadores explorarem potenciais divisões entre as elites dominantes é aprofundando a luta por baixo, a pressão popular e dos trabalhadores. Sem isso, eles sempre vão se acertar e chegar a um acordo contra a maioria da população. 

Crise dos vazamentos da Operação Lava Jato

Outro tema político fundamental que atinge diretamente o governo Bolsonaro é a crise envolvendo o atual superministro da justiça e segurança pública, o ex-juiz Sergio Moro. 

Recentemente vieram à tona as mensagens trocadas entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da chamada “Operação Lava Jato”, uma megaoperação de investigação sobre casos de corrupção envolvendo a Petrobras, a gigante do Petróleo brasileiro, nos governos do PT.

As mensagens vazadas estão sendo divulgadas pelo The InterceptBrasil, dirigido pelo jornalista Glenn Greenwald, o mesmo do caso Snowden, e confirmam a existência de um conluio explícito entre os acusadores e o juiz com o objetivo explícito de condenar e prender Lula e interferir no cenário político e eleitoral do país.

A vitória eleitoral de Bolsonaro só foi possível, em grande parte, porque Lula foi impedido de disputar as eleições. A Operação Lava Jato também jogou um papel central na construção de um ambiente favorável ao golpe institucional que derrubou a antiga presidenta Dilma Rousseff (PT) em 2016, através de um processo de impeachment completamente irregular.

Como prêmio pelos serviços prestados, Sergio Moro foi indicado ministro de Bolsonaro com amplos poderes. Cuidando de dois temas fundamentais para a ascensão da extrema-direita no Brasil, o combate à corrupção e a segurança pública, Sergio Moro era um forte aspirante a voos mais altos, tais como uma indicação ao Supremo Tribunal Federal ou mesmo a candidatura presidencial. Mas, a situação agora é muito mais complicada.

As mensagens trocadas entre Moro e os procuradores da Operação Lava Jato não deixam margem a dúvidas. Sergio Moro e os procuradores cometeram crimes e agiram ilegalmente comprometendo o processo judicial que levou à prisão de Lula. 

Em uma situação normal do regime democrático burguês ele já teria, no mínimo, perdido a posição de ministro, teria que responder judicialmente por seus crimes e Lula teria sido libertado diante das irregularidades do processo. Em uma democracia de verdade, mesmo nos moldes liberais-burgueses, os resultados eleitorais de 2018 estariam comprometidos.

Mas, o Brasil não vive uma situação normal de um regime democrático, nem mesmo aquela democracia burguesa limitada que experimentou desde o fim da ditadura empresarial-militar e com a Constituição de 1988. Nesse contexto, Sergio Moro e Jair Bolsonaro estão apostando no aprofundamento dos elementos de exceção existentes na realidade brasileira atual e no caráter bonapartista e autoritário desse governo. 

Como ministro da justiça em atividade, Sergio Moro impede qualquer investigação sobre os crimes que ele e os procuradores cometeram e direciona as investigações da polícia federal, sob seu comando, para a origem dos vazamentos e um alegado envolvimento dos jornalistas no crime de hackeamento de autoridades.

Recentemente, a polícia federal desbaratou um grupo de jovens, supostamente hackers, que teriam se infiltrado nos celulares de autoridades públicas. Moro imediatamente ligou o caso aos vazamentos das mensagens da Operação Lava Jato e fez a conexão com figuras públicas da esquerda brasileira, como a candidata a vice-presidente Manuela D’Ávila (PCdoB) na chapa junto com Fernando Haddad (PT), que disputou com Bolsonaro o segundo turno ano passado.

Para construir o ambiente de ameaças e intimidações, o ministro Moro ainda editou uma portaria que prevê a deportação sumária de estrangeiros considerados “pessoas perigosas ou que tenham praticado ato contrário aos princípios e objetivos dispostos na Constituição”. Glenn Greenwald é cidadão estadunidense embora viva no Brasil e seja casado com o deputado federal do PSOL David Miranda.

Diante desse cenário, o Supremo Tribunal Federal, que deveria já ter julgado um habeas corpus no caso de Lula, decidiu adiar a decisão para os próximos meses. Mesmo com muitos ministros do STF questionando as atitudes de Moro e Bolsonaro, uma decisão final contra Moro e que resultasse numa libertação de Lula implicaria uma independência e autonomia que a suprema corte não tem no Brasil. Isso ficou mais do que demonstrado na cumplicidade do STF no caso do golpe institucional de 2016.

Escalada autoritária

Sergio Moro aposta em uma base social mais reacionária das classes médias, além de alguns setores populares confusos, utilizando uma retórica contra a corrupção e a criminalidade, temas que Bolsonaro vincula explicitamente à esquerda, com um discurso “anticomunista” típico da guerra fria.

Para esses setores não importa se Moro agiu ilegalmente na Operação Lava Jato. O que importa é que foi capaz de prender Lula e sua “quadrilha de corruptos esquerdistas”. Esse é o mesmo raciocínio que justifica o extermínio da juventude negra nas periferias das grandes cidades brasileiras por forças policiais e para-legais. Trata-se de um processo de verdadeira pena de morte sistemática e sem julgamento e direito a defesa.

Moro quer garantir a legalidade para esse extermínio. Como ministro da justiça e segurança pública, ele é autor de um pacote de medidas supostamente contra a criminalidade que, entre outras coisas, oferece à polícia militar brasileira (que já é uma das que mais mata no mundo) uma verdadeira licença para matar sem receio de processos legais posteriores.

No mesmo momento em que o governo sustenta as ações ilegais e ilegítimas de Sergio Moro, o presidente da república repetiu declarações em defesa da ditadura e do papel dos militares na tortura e assassinato de presos políticos. Em uma entrevista, atacou o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) fazendo referência pejorativa a seu pai, Fernando Santa Cruz, militante de esquerda preso e “desaparecido” pelos órgãos de repressão em 1974.

Com Bolsonaro no governo a violência estatal e paraestatal cresceu qualitativamente no país. No campo, indígenas e trabalhadores rurais são alvo sistemático de uma ofensiva armada promovida por latifundiários e mineradoras. O caso mais recente envolveu o assassinato de uma liderança indígena do povo Wajãpi, o cacique Emyra Wajãpi, no estado no Amapá na região amazônica, por um grupo armado a serviço de garimpeiros e mineradoras. 

Bolsonaro menosprezou o caso e declarou que é sua intenção legalizar a ação de garimpeiros e mineradoras nas terras indígenas. A luta em defesa da Amazônia e a questão ambiental em geral estão diretamente vinculados à luta dos povos indígenas e dos camponeses pelo direito à terra. O inimigo é o mesmo: o agronegócio e o extrativismo mineral e seus métodos sanguinários.

Nas cidades hoje já são relativamente comuns situações em que a polícia ou o exército invadem reuniões sindicais e ou mesmo acadêmicas onde se discute a resistência os ataques do governo. A criminalização dos movimentos sociais se aprofunda.

Em São Paulo, por exemplo, nove dirigentes de um movimento social que luta por moradia ocupando prédios desabitados no centro da cidade foram presos em 26 de junho com acusações forjadas e permanecem detidos.

A postura de intimidação e repressão por parte das autoridades é crescente. Mas, entre setores paraestatais, como grupos de direita ligados a interesses econômicos ou ao crime organizado (como as chamadas milícias do Rio de Janeiro) esse processo é ainda mais grave.

Não há figuras públicas de movimentos sociais ou da esquerda que não tenham recebido alguma ameaça no último período. Essas ações encontram na postura de Bolsonaro um estímulo e um salvo-conduto. 

Em seu primeiro discurso depois de eleito, Bolsonaro disse que à esquerda só restarão duas alternativas: prisão ou exílio. A capacidade de luta de massas demonstrada até agora conseguiu conter parcialmente a mão dura do governo. Mas, esse horizonte se mantém como ameaça.

Depois da derrota imposta ao movimento de massas com a aprovação da contrarreforma da previdência, o governo Bolsonaro assumiu uma postura mais ofensiva. Seus lacaios truculentos de fora do governo, jagunços, milicianos e ativistas de extrema-direita protofascistas, assumiram a mesma postura.

O governo não tem nesse momento como levar até as últimas consequências sua vocação autoritária, ditatorial ou mesmo protofascista. Há contradições quanto a isso dentro das próprias elites e da classe dominante. Mas, principalmente, não houve uma derrota qualitativamente profunda dos trabalhadores e setores oprimidos da sociedade. 

Mas, a única garantia de que esse desfecho autoritário não dê um salto qualitativo é a mobilização, organização de base e capacidade de luta em torno de um programa capaz de atender às demandas sociais e oferecer uma alternativa a esse sistema. A classe trabalhadora tem força suficiente para resistir, mas precisa de um programa, estratégia e organização adequados.

Novas contrarreformas e a resistência

A aprovação em primeiro turno da contrarreforma da previdência social na Câmara de deputados é o mais duro ataque até agora. Se ele se confirmar nas votações que ainda precisam ser feitas na Câmara e no Senado, terá representado um retrocesso importante.

A partir daí, governo e Congresso devem vir com mais ataques. Está em tramitação na Câmara uma medida provisória denominada “pela liberdade econômica” que na prática revoga direitos trabalhistas básicos. Trata-se de um aprofundamento radical da contrarreforma trabalhista que o governo golpista de Michel Temer já iniciou. 

O governo tem um agressivo programa de privatizações. Já começou privatizando importantes subsidiárias da Petrobras (BR Distribuidora e TAG – Transportadora Associada de Gás) e deve realizar um mega-leilão para a concessão de áreas de exploração do petróleo no nível pré-sal. Nos planos do governo estão a privatização dos Correios, da Eletrobrás, de bancos estatais e muitas outras empresas.

Bolsonaro também já anunciou mais cortes na educação e apresentou um projeto agressivo de caráter privatizante para as universidades federais, o que inclui a gestão dessas instituições de ensino por ditas “organizações sociais” de caráter privado. 

O anúncio dessas políticas repercutiu como uma bomba nas universidades mais uma vez. Uma nova paralisação nacional da educação foi convocada para o dia 13 de agosto e deve ser muito grande. 

Essa mobilização em defesa da educação pública deveria ser encarada pelo conjunto do movimento sindical, popular e estudantil como uma oportunidade para unir as diferentes lutas em curso e construir um novo movimento unificado contra os ataques do governo. 

Nessas condições uma nova greve geral de 24 horas, dessa vez com muito mais organização pela base e impacto efetivo, deveria ser convocada. Nesse contexto, até mesmo a contrarreforma da previdência poderia ser colocada em questão apesar da tramitação avançada no Congresso. Essa deveria ser a postura das direções do movimento de massas.

Construir uma saída consequente pela esquerda

Bolsonaro tem hoje o apoio de apenas um terço da população. Trata-se do mais baixo nível de apoio, desde o fim da ditadura, para um presidente em tão pouco tempo de mandato. Mas, a estratégia do governo é apostar exatamente na coesão e consolidação desse um terço em torno de suas ideias, ações e retórica reacionárias. 

Bolsonaro governa para esse setor levantando suas principais bandeiras de campanha: contra a corrupção, contra a criminalidade, contra a esquerda (em particular o PT) que é identificada com os itens anteriores e com a “velha política”. 

A ideia de que Bolsonaro se tornaria aos poucos, sob o peso das “instituições democráticas”, um político burguês “normal”, não encontram base na realidade. O governo está todo o tempo testando as possibilidades de esgarçamento dos limites do sistema político democrático burguês. Está conseguindo manter elementos de um estado de exceção permanente mesmo que sob uma aparência de continuidade do sistema político.

A eleição de Bolsonaro é o desdobramento do golpe institucional de 2016 e de um processo eleitoral em 2018 completamente irregular, marcado pela prisão arbitrária de Lula, pelo financiamento privado ilegal de um bombardeio massivo de fake newspelas redes sociais, pela violência política nas ruas e por instituições do regime completamente prostradas diante desse cenário.

Esse cenário evidentemente provoca constrangimento em setores da própria burguesia. A grande imprensa burguesa começa a reagir e não são poucas as manifestações de insatisfação com os rumos do governo. Mas, para todos eles a questão fundamental é a capacidade desse governo em implementar as contrarreformas estruturais de caráter neoliberal que vão garantir os interesses dos rentistas e especuladores.

Bolsonaro terá problemas com a classe dominante se não conseguir entregar isso que prometeu. Enquanto estiver avançando nessa direção, poderemos escutar algumas reclamações e murmúrios por parte de alguns representantes das elites. Mas, nada que efetivamente obstaculize seu caminho.

Recentemente o presidente do maior banco brasileiro (Candido Bracher, do Itaú) declarou que a retórica autoritária de Bolsonaro não atrapalha a aprovação das “reformas” e que nunca a situação econômica foi tão positiva quanto agora. No ápice do cinismo, chegou a comemorar o desemprego: “o nível elevado de desemprego permite crescimento sem impacto sobre a inflação … Isso deixa a situação macroeconômica do Brasil tão boa quanto nunca vi na minha carreira”. Essa gente não está realmente preocupada com os rumos autoritários do governo.

No caso de Bolsonaro perder qualquer capacidade para entregar o que prometeu, a classe dominante já trabalha com outras hipóteses e alternativas na mesma direção ou ainda piores. Eles podem construir uma saída pela direita para crise em torno do vice-presidente, o general do exército Hamilton Mourão, ou alternativas ainda em construção.

De qualquer forma isso não aconteceria sem um agravamento da crise política com vários desfechos possíveis. 

Bolsonaro não será enfrentado pela burguesia dita “democrática”. Ele só pode ser barrado por quem está sendo diretamente afetado por suas políticas, a classe trabalhadora como um todo e aqueles setores da nossa classe que sofrem opressões especiais, como as mulheres, negros e negras, além dos povos indígenas, quilombolas etc.

Por isso, as bandeiras democráticas do movimento de massas, que são fundamentais nesse momento, devem estar diretamente vinculadas à luta em defesa dos direitos sociais e trabalhistas, à luta pela melhora das condições de vida. 

Trata-se de uma ilusão reacionária achar que, abrindo mão ou tornando secundárias as lutas contra a contrarreformas neoliberais, poderemos conseguir o apoio de setores “democráticos” da burguesia e assim derrotar Bolsonaro.

O problema de fundo é que o funcionamento do capitalismo nessa época de crise estrutural do sistema, particularmente em um país periférico e dependente como o Brasil, é cada vez mais incompatível com a democracia, até mesmo uma limitada democracia burguesa.

Por isso, na construção de uma saída pela esquerda para a grave crise brasileira não se pode olhar para trás, como fez e continua fazendo o PT e o campo Lulista, apostando na nostalgia em relação a seus governos. 

Não há reconciliação de classes possível no Brasil atual e é reacionária qualquer ilusão de que se poderia voltar aos poucos e excepcionais anos em que, sob os governos do PT, banqueiros da região sudeste e camponeses pobres da região nordeste acreditavam pacientemente que as coisas estavam pouco a pouco melhorando.

Continuar apostando na conciliação de classes, na busca do apoio de setores burgueses progressistas e na via puramente institucional das eleições é a receita que permeou todas as derrotas que os trabalhadores tiveram nos últimos anos. Isso aconteceu desde as políticas de ajuste fiscal duro adotadas por Dilma Rousseff (PT) em 2015, passando pelo golpe institucional de 2016, os ataques de Temer em 2017, a vitória de Bolsonaro em 2018, até a aprovação da contrarreforma da previdência agora.

Nós defendemos uma ampla unidade de ação em torno de mobilizações concretas contra os ataques de Bolsonaro em todos os níveis. Trabalhamos também por uma frente única das organizações dos trabalhadores na luta em defesa de seus direitos como no caso da Frente Povo Sem Medo que reúne centrais sindicais, movimentos sociais (como o MTST), estudantis, de mulheres, negros e negras etc.

Mas, politicamente, é mais do que necessário que se construa uma alternativa de esquerda independente e consequentemente socialista capaz de superar os erros e traições cometidos pela direção do PT e do campo político do Lulismo. Essa tarefa deve ser assumida pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) em aliança com outros setores da esquerda socialista e dos movimentos sociais combativos.

Essa alternativa deve ser a ala mais combativa e consequente da luta unitária contra Bolsonaro. Mas, deve também forjar-se nessa luta, construindo-se à quente, como polo alternativo às ilusões na conciliação de classes que ainda fazem parte do ideário petista e Lulista. 

Deve, portanto, apresentar uma estratégia baseada na luta direta dos trabalhadores e seus aliados entre os setores oprimidos da sociedade, na organização de base, na mobilização de massas, greves e ocupações. Deve colocar a disputa eleitoral à serviço da luta direta dos trabalhadores e elevação de seu nível de consciência anticapitalista e socialista. Deve, por conseguinte, apresentar um programa coerente com isso, de caráter anticapitalista e socialista. 

Um programa de ação deve conter as seguintes demandas:

  • Derrotar Bolsonaro e seus ataques aos direitos sociais, trabalhistas e democráticos!
  • Não à contrarreforma da previdência de Bolsonaro, Rodrigo Maia e os banqueiros! Pelo direito à aposentadoria!
  • Não aos cortes na educação e em todos os serviços públicos!
  • Não à retirada dos direitos trabalhistas – anulação da contrarreforma trabalhista de Temer e barrar os novos ataques de Bolsonaro, incluindo a chamada MP da “liberdade econômica”!
  • Não às privatizações na Petrobrás, Correios, Eletrobrás e demais estatais! Reestatização das empresas privatizadas, como a Vale e Embraer, com controle dos trabalhadores!
  • Fora Sergio Moro já! Punição aos juízes e procuradores da Operação Lava Jato que promoveram perseguição política à serviço do grande capital! Liberdade imediata para Lula!
  • Não ao pacote de segurança contra os negros e pobres de Sergio Moro! Não ao extermínio da juventude negras nas favelas e periferias! 
  • Fim da criminalização da pobreza e das lutas sociais! Em defesa dos direitos e liberdades democráticas! Liberdade para os nove dirigentes do movimento de moradia em São Paulo! 
  • Em defesa dos direitos das mulheres, LGBTs, indígenas e todos os setores diretamente atacados pelo governo Bolsonaro! Punição aos assassinos de indígenas, mulheres, LGBTs, negros e negras!
  • Retomar a luta de massas contra os ataques do governo! Construir um grande dia nacional de lutas unificado em 13 de agosto e preparar uma greve geral para valer, organizada pela base e com mobilizações de rua!
  • Construir uma alternativa política de esquerda que lute por um governo dos trabalhadores com um programa anticapitalista e socialista! Essas bandeiras devem ser levantadas por uma aliança entre o PSOL, outros setores da esquerda socialista e os movimentos sociais combativos.

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