Pela revogação da “Deforma” do Ensino Médio

O ano era 2016, após o golpe contra a presidenta Dilma e a alçada à presidência de Michel Temer que, mais que depressa, baixou a Medida Provisória 746 com objetivo de promover uma ampla reforma no Ensino Médio. É fato que mudanças desse tipo já estavam em curso no governo Dilma, como a proposta do parlamentar petista Reginaldo Lopes que pensava a educação por itinerários, mas também é fato que a “deforma” como vemos hoje só foi possível com o governo golpista de Temer, que conseguiu aprovar o projeto em 2017 sob a Lei nº 13.415.

O aprofundamento das contrarreformas que seguem após o golpe de 2016 encontrava em um governo “neodesenvolvimentista”, como o petista, alguns limites. O golpe institucional cumpriu o papel de aprofundar as políticas neoliberais clássicas em um momento de reorganização do padrão de acúmulo de capital no país. Não há como analisar o que foi a Reforma Educacional e o Novo Ensino Médio (NEM) sem considerar o contexto mais amplo das contrarreformas, que continuam avançando sobre os direitos sociais e trabalhistas, incluindo o desmantelamento dos serviços públicos.

Os interesses do Capital

O Ensino Médio se tornou interessante ao grande capital quando foi incluído na educação básica com a Emenda Constitucional 59/2009, atraindo grupos empresariais com atuação na área como o Itaú-Unibanco, que impulsionou o Todos pela Educação, e o grupo Lemann. Este último teve participação especial na formulação do Novo Ensino Médio e no convencimento de estudantes e familiares deste novo projeto. Para isso, valeram-se de uma forte campanha midiática em torno do argumento da liberdade de escolha, pelo jovem, desde o Ensino Médio, da área de maior afinidade e na qual desejaria seguir estudos em nível superior; atrelado a isso, um discurso falacioso, de tornar o ensino médio mais atrativo com melhor infraestrutura e condições de trabalho. Esse “vigoroso” discurso ofuscava, na realidade, os mecanismos de aprofundamento das desigualdades e desmonte da educação no país. 

 O “Novo” Ensino Médio

O Novo Ensino Médio nada tem de novo, pelo contrário, traz à tona ideias já muito conhecidas nas reformas educacionais da década de 1990: diversificação, flexibilização e desenvolvimento de competências; todas elas já incorporadas no currículo escolar. Durante os anos de governo Lula/Dilma/PT a educação continuou sob forte influência empresarial, resultando na criação do Ideb e Plano de Metas Compromisso Todos Pela Educação (2001-2010). 

Isso evidencia que o projeto já estava posto na mesa há muito tempo e traz concepções educacionais de setores empresariais que querem ampliar a exploração do capital sobre o trabalho. A “Deforma” e o Novo Ensino Médio apresentam quatro objetivos fundamentais: 1. Conter investimentos; 2. Abrir espaço para grupos empresariais gerirem os recursos; 3. Privatização e 4. formação do indivíduo neoliberal, ou seja, visa moldar as pessoas para esse caráter social. 

Nesse contexto, o MEC apresentou em 2017 o “novo ensino médio” baseado no discurso de autonomia proporcionada pela flexibilidade de escolha do percurso formativo e da necessidade do aluno passar mais tempo na escola, como meio de melhorar o desempenho escolar. A reforma dividiu o Ensino Médio em duas partes: Formação Geral Básica e Itinerários formativos, considerando a ampliação da carga horária total do Ensino Médio de 3.000 horas, e uma carga máxima para a formação básica de 1.800 e uma mínima de 1.200 horas para os itinerários formativos. Ao impor uma carga horária máxima para a Base Comum, limita-se o tempo para o desenvolvimento de conteúdos deste currículo. Fica evidente a padronização da educação, colocando em questão a própria concepção do que se entende por tal, ao estabelecer um currículo mínimo padronizado, focado em resultados e no mínimo financiamento, isso sem contar a hierarquização de determinados componentes em detrimento de outros, comprometendo a formação integral do jovem estudante. 

O Novo Ensino Médio na prática 

A Lei nº 13.415 aprovada em 2017 promove cerca de 54 alterações na Lei de Diretrizes e Base – a lei nº 9.394/1996, e tem impactos e características distintas se comparadas às redes privadas e públicas. Dissemos anteriormente que o “Novo” Ensino Médio aprofunda a dualidade desse nível de ensino marcado por dois tipos de escolas: àquelas destinadas às elites e as escolas destinadas aos filhos e filhas da classe trabalhadora. 

Mas como isso ocorre?

85%  das matrículas do EM estão nas redes públicas e apenas 15% concentram-se na rede privada. No entanto, são os interesses desses 15% que ditam as políticas educacionais no país. Para as escolas privadas que possuem recursos e estrutura para ofertarem os itinerários, há essa possibilidade de escolha. Porém, para a maioria dos estudantes isso não passa de falácia, uma vez que na rede pública não há essa estrutura e nem professores suficientes para oferecerem todos os itinerários, sendo então imposto ao aluno um ou outro itinerário. Nos pequenos municípios do interior do país essa realidade é agravada, e esses estudantes acabam carregando para a vida uma escolha que não foi deles.

Ainda há diversas escolas privadas que ofertam um itinerário no turno e, no contra turno, oferecem os demais de forma optativa, cobrando a mais por isso e permitindo que esse aluno se aprofunde em mais de uma área, caso haja interesse. O mais dramático desse Novo Ensino Médio é aumentar os abismos e desigualdades entre a educação que se recebe na escola privada e a educação que se recebe na escola pública, algo que pode ser sentido, por exemplo, na redução da busca por universidades públicas por estudantes de escolas públicas.

Ampliação da carga horária sem verbas

O “Novo Ensino Médio” prevê uma ampliação na carga horária geral, um ensino integral, sem prever a ampliação de verbas para ofertar esses turnos, ou seja, escancara as portas das escolas para as Parcerias Público-Privada mediante oferecimento de disciplinas dos componentes, de forma remota inclusive, como projeto de vida, empreendedorismo e outros, marcados fortemente pela individualização das responsabilidades, formando o “empreendedor de si mesmo” – ou seja, o sujeito neoliberal. 

Também precariza a educação desestruturando a carreira docente, forçando professores de Química a lecionar também Projeto de Vida; professores de Física, aula de Robótica; professores de História, aulas de Empreendedorismo, etc. Além disso, reduzem a demanda por concursos e enfraquecem a organização da categoria na luta por suas demandas e pautas específicas, uma vez que os componentes de itinerários podem ser ministrados por alguém com notório saber, e não há exigência de ser licenciado em determinada área. 

REVOGA JÁ!

A luta pela revogação do Novo Ensino Médio é uma pauta que extrapola os interesses apenas de estudantes ou profissionais da educação. É uma agenda que interessa ao conjunto da sociedade e deve ser organizada com vários setores da classe para ter êxito.

A pausa na implementação do Novo Ensino Médio não é sua revogação, mas somente uma suspensão no cronograma nacional de implementação que foi, inclusive, elaborado pelo MEC do Milton Ribeiro, então ministro de Bolsonaro. Essa suspensão no cronograma é apenas para os locais onde ainda não foi implementado o NEM. Nas demais localidades tudo segue dentro da política do NEM.

Os secundaristas recentemente deram exemplo e saíram às ruas pela “Revogação Já!” do Novo Ensino Médio mostrando seu descontentamento e denunciando a realidade vivida em suas escolas. A luta é urgente: precisamos impedir a articulação do ENEM e vestibulares com o Novo Ensino Médio, porque com isso a reforma se cristalizará e a revogação ficará mais difícil. 

Um dos argumentos que ganham holofotes e representa uma mentira é de que o movimento pela revogação quer retornar ao “velho” ensino médio. Isso não é verdade. Há que se reconhecer os limites do Ensino Médio anterior à reforma. Mas temos um outro projeto de Ensino Médio, pensado por quem vivencia o cotidiano das escolas. Não queremos voltar ao velho, e nem ficar amarrados na prisão dos itinerários. Queremos um Ensino Médio com aprofundamento nas áreas, mas não em detrimento de outras, criando uma hierarquização de componentes. Que haja sim uma interação entre disciplinas de uma mesma área do saber sem reduzir disciplinas essenciais à formação humana plena. 

  • Revogação dos itinerários formativos
  • Fim das Parcerias Público-Privado na Educação Pública
  • Fim do ensino à distância
  • Revogação imediata do NEM

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