A luta contra as privatizações: do surgimento do neoliberalismo 50 anos atrás até hoje
Em 1973, Augusto Pinochet chega ao poder no Chile a partir de um sangrento golpe militar. Imediatamente, Pinochet entrega a economia do país aos cuidados de um grupo de economistas liberais formados na Universidade de Chicago, os chamados “Chicago boys”, que defendiam um amplo plano de privatizações, buscando diminuir ao máximo a abrangência e participação do Estado na economia. Estava montado então o primeiro laboratório do neoliberalismo no mundo.
Com a ascensão ao poder de Margareth Thatcher no Reino Unido e Ronald Reagan nos EUA, entre o final dos anos 70 e início dos 80, o neoliberalismo foi se tornando a corrente econômica oficial da burguesia mundial. Se na Europa o plano neoliberal se concentrava em desmontar o estado de bem‑estar social do pós-segunda guerra, no resto do mundo o objetivo era promover um desmonte geral do que restava dos serviços públicos e da proteção social aos trabalhadores, o que incluía privatização de estatais, terceirizações e desmonte dos direitos trabalhistas e previdenciários.
No Brasil, a pauta de privatizações ganhou força a partir do governo Collor e teve seu auge no período FHC. O país conheceria o discurso liberal da “ineficiência do Estado” e da “eficiência e produtividade da iniciativa privada”, em contraste com a própria história do país.
O período de maior crescimento sustentado da economia brasileira na história se deu justamente na intensificação da industrialização nacional, entre os anos 30 e 50. E se deu graças a um forte investimento do Estado na criação de empresas estatais que deram base a esse processo, como a Companhia Vale do Rio Doce, a Companhia Siderúrgica Nacional, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco, a Petrobrás e a Eletrobrás.
Na década de 90, o boom das privatizações se dá em paralelo à criação do plano Real numa tentativa da burguesia de dar uma saída à grave crise econômica da década anterior e dar novo gás às taxas de lucratividade do capital. Em 93, no governo Itamar, se dá a privatização da CSN, mas é no governo FHC que acontece o maior processo de privatizações que o país já viveu.
Neste período, foram vendidos ao capital privado cerca de 80 estatais, incluindo a Vale do Rio Doce e a Telebrás, e foi derrubado o monopólio da Petrobras na extração e refino de petróleo favorecendo as petrolíferas estrangeiras. A Petrobras sofreria ainda uma tentativa frustrada de privatização no ano 2000, inclusive com uma tentativa de mudança de nome para “Petrobrax”.
Nos governos do PT, a privatização seguiu em ritmo acelerado, sob os nomes de “concessões” e “parcerias público-privadas” foram vendidas rodovias, ferrovias, aeroportos, usinas hidrelétricas, dentre outras empresas. Hoje o PT vive seu quinto mandato sem questionar o PND – Programa Nacional de Desestatização, criado em 1997, inclusive com Lula recentemente dando aval para a privatização do Metrô de Belo Horizonte, pertencente à CBTU.
A natureza das privatizações
Escândalos de fraude na venda das estatais, com baixíssimos valores de venda em comparação com os valores de mercado destas empresas: A Vale do Rio Doce, que nos anos 90 chegou a ter seu valor de mercado avaliado em R$ 100 bilhões, foi vendida em 1997 de maneira criminosa por R$ 3,3 bilhões. Assim se deu com as privatizações de um modo geral, como vemos hoje no Metrô de BH, vendido a R$ 25,7 milhões, quando o valor de apenas um de seus trens chega a quase R$ 20 milhões. Já no caso da recente privatização da Eletrobrás, o próprio TCU apontou fraude, onde a empresa teria sido subavaliada em cerca de R$ 230bi.
Privatizações são feitas com muito dinheiro público: a privatização do sistema Telebrás em 1998 foi uma das mais aclamadas pela burguesia brasileira, tida como um exemplo de privatização bem sucedida. Porém, o que se viu na realidade foi uma combinação de forte investimento estatal nas tecnologias digitais que surgiam, ao passo que a empresa impunha um forte arrocho nos salários, quadro de funcionários e forçava um desmonte no acordo coletivo dos trabalhadores. A mesma característica se mostrou na privatização da linha 5 do metrô de São Paulo, entregue à iniciativa privada após o Estado realizar a compra de uma moderna frota de trens e realizar uma série de melhorias e modernizações. Na prática, o papel do Estado nas privatizações tem sido o de um pai que monta um negócio para seu filho lucrar.
Desmonte dos serviços prestados em nome do lucro: o Brasil hoje vive uma onda forte de insatisfação diante da privatização dos serviços de abastecimento de energia, água e saneamento, que vem avançando de maneira muito acelerada no país, especialmente após a aprovação do novo marco do saneamento em 2020.
Precarização dos serviços públicos
Esta é uma característica geral presente nos processos de privatização. A precarização dos serviços e a simplificação dos processos para que uma empresa, que antes prestava importantes serviços à sociedade, passe a simplesmente dar lucro a acionistas privados. Na saúde, com a implantação das OSS, e na educação com o forte crescimento dos monopólios privados, a privatização deixou muitos rastros de desmonte. O caso da Vale talvez seja um dos mais emblemáticos, onde, em nome do lucro, se permitiu as tragédias em barragens nas cidades mineiras. Brumadinho e Mariana, duas das maiores tragédias ambientais de nossa história, deixaram cerca de 300 mortos, dezenas de desaparecidos e um grande rastro de destruição.
Se nos anos 90 o discurso das privatizações era vendido como verdade absoluta, hoje é visto com muita desconfiança pela opinião pública em geral. Isto acontece porque as privatizações, dentro do contexto das reformas neoliberais das últimas décadas, promoveram um desmonte dos serviços públicos, da assistência social e da legislação trabalhista e previdenciária. Ao mesmo tempo, estas reformas nunca conseguiram entregar o que prometiam. Desde então, o Brasil nunca mais teve um crescimento econômico que tivesse alguma sustentação.
Desindustrialização
Pelo contrário, o processo de privatização das grandes estatais acompanhou nas últimas décadas o fenômeno de desindustrialização do país, com o sucateamento de nosso parque industrial e com uma política que reforçou o papel do agronegócio voltado à exportação dentro da economia nacional. Com boa parte das privatizações colocando empresas nacionais nas mãos do capital estrangeiro, podemos enxergar os ajustes neoliberais como uma ofensiva de recolonização de nosso país e de nosso continente, um ataque frontal à nossa soberania.
Com o sucateamento do parque industrial brasileiro, os ciclos de crescimento e retração de nossa economia estão hoje cada vez mais dependentes das flutuações das chamadas commodities, ou seja, dos produtos agrícolas e minerais de baixo valor agregado e negociados em dólar no mercado mundial, como o petróleo bruto, a soja, a carne in natura e o minério de ferro.
A crise do neoliberalismo e as lutas da classe trabalhadora
A crise do projeto neoliberal e do discurso da globalização vem ficando mais visível a cada ano. Especialmente, depois da crise econômica mundial de 2008, onde os planos de ajuste fiscal para conter a crise fracassaram no mundo todo e impuseram estagnação a muitas economias, inclusive nos países desenvolvidos. Em muitos países europeus, vem ocorrendo a reestatização de serviços públicos, como energia, saneamento e transportes, enquanto os governos dos países desenvolvidos passam a desembolsar cada vez mais dinheiro para financiar políticas anticíclicas para vencer as crises. Vai saindo de cena a globalização e voltando à cena as políticas protecionistas como as “novas” velhas armas de recolonização da periferia do mundo.
Muitas lutas contra as políticas neoliberais e contra a chamada globalização ocorreram em todo o mundo. Em especial, a juventude protagonizou no mundo inteiro lutas contra a desigualdade e contra o desmonte dos serviços públicos. No Brasil, essa resistência tem grandes episódios, como o movimento que conseguiu barrar a implementação da ALCA e, cerca de uma década depois, as jornadas de Junho de 2013, com grandes protestos iniciados a partir do tema da tarifa do transporte público e que transformaram completamente o cenário político brasileiro até hoje.
Uma questão de luta
O tema da reindustrialização do Brasil voltou a ser debatido pelo próprio PT, porém qualquer plano neste sentido é completamente inviável nas condições atuais. A “autonomia” do Banco Central representa sua rendição ao mercado, a regra fiscal proposta pelo governo Lula sufoca os investimentos e o plano de privatização de estatais segue um dogma.
A classe trabalhadora, a juventude e os movimentos sociais precisam ter um programa e um plano de lutas que mude a correlação de forças na sociedade, e que seja capaz de reverter as privatizações desde a década de 90, reconstruir as nossas empresas estatais e colocá-las sob o controle dos trabalhadores!