A luta dos trabalhadores da EBC pela permanência da estatal como serviço público!
Após uma série de desinvestimentos operados nos últimos anos, a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), estatal de notícias que cumpre um importante papel de acesso à informação e ao exercício à cidadania, foi incluída em março de 2021 no Plano Nacional de Desestatização (PND) do governo federal, junto com a Eletrobras e os Correios. A decisão foi tomada na 15ª reunião do Conselho do Programa de Parcerias de Investimentos (CPPI), em encontro que contou com a presença do antipresidente Jair Bolsonaro (sem partido) e do ministro da Economia Paulo Guedes.
Os serviços públicos brasileiros sempre foram alvo de ataques da direita, apesar de não ser um problema exclusivo do governo atual. Durante a sua campanha para a presidência em 2018, Bolsonaro havia prometido acabar com a EBC, em seu discurso afirmava que a empresa dava prejuízo aos cofres públicos. Com cada vez mais políticas liberais e neoliberais sendo implantadas, o caráter de prestação de serviço público de qualidade é deixado de lado, com o propósito de apostar nos lucros e enriquecer ainda mais uma minoria composta por empresários e super-ricos do país.
A importância de uma estatal de comunicação
A EBC foi fundada em 25 de outubro de 2007, durante o governo do ex-presidente Lula (PT). A empresa surge pela pressão de movimentos que defendem comunicação pública e democratização de comunicação, implantando tardiamente o artigo 223 da Constituição Federal de 1988, que previa o acesso à informação como um direito público: “Compete ao Poder Executivo outorgar e renovar concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão sonora e de sons e imagens, observado o princípio da complementaridade dos sistemas privado, público e estatal”. Para Marcio Garoni, jornalista na TV Brasil e diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), “a empresa ajudou a consolidar no Brasil o conceito de radiodifusão como um serviço público, já que originalmente os veículos de comunicação no país surgem da iniciativa privada”.
Em seu escopo de atuação, a EBC gerencia as emissoras da TV Brasil, Rádio MEC, Rádio Nacional, entre outras. A empresa incorporou também a Agência Brasil, uma agência de notícias com cobertura especializada em política de Brasília, que havia sido criada em 1989. Todos esses serviços estão integrados ao Portal EBC, uma plataforma digital de conteúdo. Hoje, o orçamento da empresa é de 550 milhões, valor que os liberais apontam como “prejuízo”. Quando levamos em consideração os inúmeros serviços oferecidos pela estatal e a importância da prestação de serviço público, constatamos a falácia desse discurso.
O projeto de comunicação da estatal cumpre um importante papel de acesso à informação, principalmente em um país de dimensões continentais, já que os serviços da estatal conseguem chegar em locais afastados dos grandes centros urbanos. Por exemplo, em regiões remotas da Amazônia, atendendo as comunidades ribeirinhas e indígenas, que não são contempladas pelas redes privadas. Os conteúdos produzidos pela EBC são utilizados inclusive pelos grandes jornais, já que os materiais como textos e fotos estão disponíveis para uso público.
O jornalista Marcio Garoni destaca que países que são potência mundial como Estados Unidos, Reino Unido, França e Canadá possuem seus próprios sistemas públicos de comunicação: PBS, BBC, France Televison e CBC, respectivamente. “Acho que uma sociedade minimamente democrática deveria ter investimento público em comunicação. O Brasil, ao fazer esse movimento contrário, está fadado a ficar na mão do que diz a imprensa privada, e ser conduzido por ela”, diz Garoni.
Desmonte e privatização
Os trabalhadores da EBC têm enfrentado ataques e ameaças de privatização desde o governo de Michel Temer. Em 2016, o ex-presidente tomou uma série de atitudes que abriram caminho para as políticas de desmonte e maior controle institucional da estatal. Na época, Temer conseguiu destituir o presidente da EBC, por meio da Medida Provisória (MP) 744/2016, que altera a Lei 11.652/2008. Antes, a lei assegurava que o presidente nomeado deveria cumprir um mandato de quatro anos, e só poderia ser exonerado “nas hipóteses legais ou se recebesse 2 (dois) votos de desconfiança do conselho curador”, trecho que foi cortado pela MP. Com essa mudança, o presidente da república pode exonerar e nomear presidentes da EBC a qualquer momento.
O decreto de 2008, do estatuto da empresa, também foi alterado, como parte de manobra para mudar a composição do Conselho Administrativo e extinguir o Conselho Curador, que tinha como papel fazer um balanço crítico à cobertura jornalística e era composto pela sociedade civil. Michel Temer também promoveu dois programas de demissão voluntária, que causaram diminuição no número de funcionários, como “estratégia” de corte de gastos. No governo Dilma, a EBC contava com 2.600 funcionários. No governo Temer esse número passou para 1.980. Além da redução no quadro de empregados, Temer diminuiu o investimento na estatal, o que resultou na queda de produção de conteúdo e o surgimento do elemento da censura nas redações. Essas mudanças impactam diretamente na autonomia da estatal.
Apesar da privatização da EBC ser uma promessa de campanha do atual presidente, em 2019 o governo Bolsonaro surfa nessa onda de desmonte e muda mais uma vez a direção da empresa, deixando em suspenso sua proposta. Mesmo com as ações tomadas por Bolsonaro, seu eleitorado começa a pressionar o presidente para que a estatal fosse privatizada. Em dezembro do mesmo ano, a EBC foi incluída no rol de estatais pelo Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), que deveriam ser estudadas para planos de parcerias e iniciativas privadas. Esse processo culmina no aprofundamento do desmonte e agravamento dos ataques à empresa e aos trabalhadores.
Retaliações, aparelhamento e censura
Além dos desmontes sistemáticos do governo, os trabalhadores da EBC também percebem que a produção jornalística se tornou um alvo. Pautas relacionadas ao tema dos direitos humanos ou que são críticas às ações do governo são barradas pelos gestores. Umarepórter que prefere não se identificar, portanto aqui chamaremos de Angélica, trabalha há nove anos na EBC e relata que esse ambiente de censura se acirrou nos últimos anos. “Não há mais espaço para o diálogo nem construção coletiva da produção jornalística e da comunicação pública. O que há agora são decisões arbitrárias”, diz Angélica.
Não é possível aferir se essa prática está alinhada com diretrizes expressas do governo federal, ou se representa, na verdade, uma autocensura por parte dos gestores que querem preservar seus cargos. De qualquer forma, fica explícita uma tentativa de aparelhamento ideológico, ao privilegiar apenas reportagens que retratam a política de Bolsonaro de maneira positiva. “A censura e o governismo estão interferindo no direito da sociedade à comunicação pública”, destaca Angélica.
Desde a sua origem, a EBC mantém um setor para divulgação de propaganda institucional. Mas na gestão Bolsonaro, fica evidente a predominância desse tipo de conteúdo inclusive nos materiais jornalísticos. Em 2019, a empresa foi vinculada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), órgão responsável pela propaganda do governo. Com a recriação do Ministério das Comunicações em 2020, a EBC foi alocada para a nova pasta, comandada pelo deputado federal licenciado Fábio Faria (PSD-RN). Faria é genro do apresentador Silvio Santos, dono da rede de televisão SBT.
Outro nome que também possui conexões com o famoso empresário é o atual diretor-presidente da EBC, o publicitário Glen Valente, que foi diretor comercial e de marketing do SBT. Mais recentemente, ele atuou como secretário de publicidade e promoção na Secom, até assumir o comando da EBC em setembro de 2020. Valente substituiu o general do Exército Luiz Carlos Pereira Gomes. Oficiais das Forças Armadas ocuparam cargos de destaque na companhia, chegando a compor metade da diretoria. Este foi o padrão adotado para as nomeações nos últimos anos: profissionais relacionados à mídia privada, ou militares reformados.
Esse aparelhamento foi evidenciado em dossiês sobre censura produzidos por uma comissão de empregados da EBC. A segunda edição, publicada em setembro de 2020, traz um levantamento de 138 denúncias de casos de censura ocorridos entre 2019 e 2020.No material, os trabalhadores apontam que muitos assuntos sequer são pautados, como as “incompetências administrativas” de ministérios chefiados por militares. “Os assuntos são vetados. E os jornalistas que incomodam são mudados para um setor em que não vão assinar reportagens, vão para a geladeira”, revela Márcio Garoni, da TV Brasil. Outros tópicos que não podem mais ser mencionados são ditadura militar no Brasil, repressão policial, e cloroquina – um medicamento amplamente promovido por Bolsonaro em campanha para o tratamento de Covid-19, mas que não possui eficácia comprovada.
Trabalhadores mobilizados
Apesar da ameaça de privatização caminhar a passos lentos, nas últimas semanas o eleitorado de Bolsonaro voltou a cobrar a promessa de campanha. Começaram a surgir ainda mais pressões após Fábio Farias ir a público e afirmar que a EBC “não gera lucro”. Já com sua popularidade em baixa, Bolsonaro viu-se obrigado a acelerar o processo. Com a aprovação da Medida Provisória que inclui a estatal no Plano de Desestatização, a empresa passa pelo processo de análise, para estudar as possibilidades de privatização e apontar o futuro da empresa.
Os estudos de viabilidade da privatização estão sendo organizados nos próximos meses, e podem apontar algumas possibilidades para o futuro da EBC. Um caminho seria a completa privatização, demissão dos funcionários e a manutenção de uma operação mínima. Outra perspectiva seria destinar a administração da empresa para uma organização da sociedade civil. Por fim, há ainda o cenário de absoluta extinção da estatal, o que impõe remanejar os servidores públicos para outros órgãos, ou a demissão integral. Nenhuma das alternativas é benéfica para os funcionários e para a sociedade.
Com o risco de a EBC ser privatizada, os trabalhadores se veem no dever de defender a permanência da estatal como um serviço público. A campanha nacional em defesa da comunicação pública tem sido organizada pelos trabalhadores da empresa e em conjunto com sindicatos que prestam apoio. Os trabalhadores se organizaram para chamar assembleias e plenárias. Umas das principais articulações são os grupos de trabalho, divididos em três categorias: produção de conteúdo para as redes, expressando a importância da EBC; diálogo com os grandes jornais e a imprensa especializada; e a mediação entre sindicatos e políticos. Além disso, existe uma Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública. O principal esforço da organização é mobilizar a sociedade civil, para mostrar a importância do serviço que a empresa presta, combater a ideia generalizada de que a EBC dá prejuízo e reforçar o dever do Estado de investir em serviço público.
Precarização das condições de trabalho e da vida
A lógica neoliberal em torno dos lucros evidencia o caráter dos ataques à classe trabalhadora. Com o desmonte da estatal, o destino dos funcionários tornou-se incerto. A repórter Angélica diz que os funcionários nunca foram informados pela administração sobre as condições de trabalho em caso de privatização. “Não explicou as possíveis implicações da ação nem as alternativas”, afirma. Mesmo que a empresa não seja extinta por completo, esse processo desvaloriza o trabalho que é realizado pelos empregados, o que coloca em xeque a sua importância enquanto serviço público. É fundamental ressaltar que uma comunicação pública, não deve estar presa a lógica do mercado dos grandes conglomerados de mídia.
Além disso, é importante apontar que os trabalhadores foram afetados ao longo dos anos com o desinvestimento da estatal. Os funcionários já estão há dois anos com os salários congelados. Com a alta da inflação, podemos concluir que a renda desses trabalhadores também caiu. Ainda sem saber o peso e o impacto concreto de uma privatização nesse momento, 1.880 trabalhadores correm o risco de perderem seus empregos. Hoje, o desemprego afeta mais 14 milhões de brasileiros, e o número tende a crescer na pandemia.
Por uma comunicação pública e estatizada
Ao longo dos anos, a história dos trabalhadores tem sido contada sob a ótica da mídia hegemônica e burguesa, que têm apagado o importante papel da luta da classe trabalhadora. É fundamental garantir uma comunicação a serviço das demandas populares e de caráter público. A estatização deve ser uma saída à lógica lucrativa do mercado midiático e do interesse dos grandes empresários. Uma comunicação pública, que garanta investimento em um jornalismo de responsabilidade social, a fim de realizar uma cobertura pautada pela realidade. Assim como qualquer outro serviço público, a comunicação deve ser prioridade.
A criação da EBC, nesse sentido, significou um passo tímido do governo do PT em direção a comunicação pública, com limite de não se indispor com as grandes corporações do setor aqui no Brasil. Durante as gestões, o PT também não priorizou a regulação da mídia, deixando o projeto parado no congresso. Isso mostra os limites de uma política de conciliação de classes, que aposta em agradar o setor do empresariado e a classe trabalhadora. Para defender os serviços públicos e diretos democráticos, é necessário enfrentar os interesses de classe dos capitalistas.
As lutas e reivindicações contra o desmonte dos serviços públicos, devem ser uma luta unitária. É necessário que todos se juntem à luta contra a privatização e precarização dos serviços públicos, em defesa da EBC, e dos serviços da Eletrobras e Correios, que também correm o risco de serem privatizados. Só é possível construir uma alternativa para barrar esses desmontes com mobilização e luta organizada. A saída deve ser coletiva!
Por isso defendemos…
- Conteúdo jornalístico de qualidade. Fortalecer o desenvolvimento e o acesso a produtos jornalísticos respaldados nos critérios de noticiabilidade, que escutem os vários setores da sociedade para dar conta de narrar a realidade concreta, e que cumpram a função social de elevar o pensamento crítico.
- Comunicação pública independente. Proteger o caráter público dos meios de comunicação, em oposição aos interesses incompatíveis da mídia hegemônica, que é condicionada somente pelo lucro. Devemos favorecer o interesse público para a democratização dos saberes e conhecimentos, garantindo as necessidades de cidadania da população.
- Em defesa dos serviços públicos e dos empregos. Pela permanência da EBC como estatal e estatização de outras empresas que estão ameaçadas pela privatização e demissões em massa. A comunicação é um direito constitucional para a cidadania digna. A sua importância deve ser lida em igual medida com a defesa de escolas e hospitais.
- Preservação da memória nacional. A EBC possui um amplo arquivo histórico de enorme estima para a memória do país. Esse e outros materiais são utilizados inclusive pela imprensa especializada. É preciso assegurar a manutenção desse arquivo e a licença livre para uso.
- Romper com o mercado da comunicação. Defender a estatização, o controle e a gestão de trabalhadores, garantindo o acesso democrático aos meios de comunicação.
- Pelo fim do teto de gastos e outras medidas que impedem investimentos públicos. Ser contra os pacotes de ataques preparados: reforma administrativa, “PEC emergencial”, privatizações, etc.
- Defender a nossa classe e unificar as lutas. Ser contra a exploração, desmontes e privatizações, em defesa dos serviços públicos.