O Novo Teto de Gastos e o caminho da conciliação
Ao manter o Teto de Gastos, mesmo que mais flexível, o governo mantém a lógica econômica dos governos anteriores. O que se pode esperar da forma de governar em conciliação com a direita? Apenas a luta, como contra o Marco Temporal, pode mudar esta rota.
No dia 23 de maio, o governo Lula obteve uma vitória na Câmara dos Deputados, o novo Arcabouço Fiscal. Uma vitória do governo, do Centrão, da direita e da elite, não da classe trabalhadora e do povo pobre. O arcabouço fiscal substitui o Teto de Gastos de Temer, lei que impede aumento de gastos do governo, mas não o pagamento de dívidas com rentistas e banqueiros, sempre turbinado com a política de juros altos. O novo arcabouço flexibiliza a lei anterior, mas mantém a sua lógica cruel, o impedimento de aumento de investimento em direitos sociais, como educação, saúde, moradia, reforma agrária, ou mesmo obras de infraestrutura para potencializar o tal “crescimento econômico”.
O Novo Teto de Gastos flexibiliza o anterior porque permite um aumento de gastos de até 2,5%, dependendo do aumento de receitas, podendo crescer em até 70% desse aumento. Agora no Senado, a proposta deve ficar menos flexível, já que a direita ainda vai modificá-la, assim como fez a Câmara retirando os gastos com educação do FUNDEB (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) das exceções, como estava na proposta original do governo.
Abaixo o Teto de Gastos!
O Teto de Gastos, a EC 95, aprovado em 2016 pelo governo Temer, foi amplamente denunciado e houve muita luta dos movimentos sociais contra a sua aprovação, pois a PEC da Morte significava um ataque neoliberal nunca antes visto. Significa também que todas as lutas por direitos mínimos ganhavam um empecilho constitucional, mantido agora com Novo Teto de Gastos do governo. A população sente como os direitos públicos básicos, como educação, saúde, previdência, moradia social, entre outros, são insuficientes e estão sucateados, mesmo nos melhores anos dos governos do PT. Para que haja o mínimo, tem que haver mais investimentos pelo Estado e, para que haja enfrentamento à miséria e sofrimento de grande parte do povo, seria necessário muito mais gastos que o atual, invertendo a lógica de uso do dinheiro público pelo Estado.
No momento de crise econômica generalizada, a burguesia e seus pensadores impõem as ideias de redução do Estado, mas que, na prática, significa redução de direitos para a maioria da população e gastos apenas em favor do mercado financeiro. Ora, foi necessário um golpe contra Dilma em 2016 e a Lava-Jato impedindo que Lula fosse candidato em 2018, levando à vitória de Bolsonaro, para que esses ataques acelerassem, como também foi a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência. Se é assim, porque o governo do PT, finalmente voltando ao poder depois de tanta luta, mantém a mesma lógica neoliberal dos seus antagonistas? A maioria da população não votou em Lula justamente para reverter o projeto antipopular dos últimos governos?
Lula é refém?
O Congresso tem uma maioria de direita e muitos bolsonaristas, apesar destes serem minoria. O presidente da Câmara, Arthur Lira, lidera o novo Centrão, grupo mais fisiológico de direita que usa de chantagem junto ao governo para que possa votar em matérias do seu interesse. A chantagem gira em torno das emendas parlamentares, verba que o governo libera para deputados e senadores usarem em suas bases, mecanismo essencial para manterem o poder em cada recanto do país, fomentando a exploração, a dependência e os poderes das elites locais, quando não viabilizando violência e massacres, como os dos povos indígenas. Neste ano, já foram gastos 4,5 bilhões de reais em emendas parlamentares, 1,7 bilhões apenas para que o Congresso aprove a MP da reestruturação dos ministérios proposta pelo governo. Aliás, o aumento dos gastos com as emendas não será limitado pelo Novo Teto de Gastos…
Mesmo com toda essa chantagem, não existe garantia de aprovação de matérias do governo. A própria MP dos ministérios já foi modificada pela Câmara para reduzir o poder do Ministério do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas. A Câmara ainda derrubou recentemente os decretos de Lula ao Marco do Saneamento Básico e aprovou a MP que flexibiliza o desmatamento da Mata Atlântica e, o mais grave, o Marco Temporal para demarcação de terras indígenas. Todos eles são ataques aos trabalhadores, indígenas e meio ambiente e que, mais ou menos, de forma pública e assertiva, ou timidamente, o governo se posicionou de forma contrária. Ou seja, são consideradas derrotas do governo que já percebeu que terá que suar muito para aprovar qualquer coisa no Congresso.
Entretanto, como aprovou tão fácil o Novo Teto de Gastos? Foram 372 votos a favor contra 108, muito além do necessário. A maioria dos deputados não são movidos apenas pelo fisiologismo, mas também pelos seus interesses de classe. Grande parte deles são grandes empresários e fazendeiros e isso garante que a atuação do Congresso continue como sempre foi, a sua razão de ser: uma instituição da burguesia para os seus interesses – claro que os imorais ganhos pessoais são parte constitutiva do Estado burguês. Então, o Novo Teto de Gastos, o Marco Temporal, os ataques ao meio ambiente e as privatizações são mudanças de grande interesse e articuladas pela burguesia. Se o governo tentar medidas populares, provavelmente encontrará dificuldade, ao propor medidas neoliberais, como o Novo Teto de Gastos, terá tranquilidade.
Escolhas conscientes
Aparece bastante a metáfora de um refém, também usada pelo próprio Lula, para justificar a falta de avanço de pautas dos trabalhadores no governo e para pedir paciência quando criticado pela esquerda. Dizem que o que o governo está fazendo “é o possível”. Um refém é alguém que é obrigado a fazer o que não quer porque não tem escolha. Parece que a metáfora não cabe bem porque foi uma escolha consciente do PT em governar e conciliar com setores da burguesia, com Alckmin de vice, com membros de partidos de direita como ministros que, mesmo recebendo muitas benesses, continuam chantageando e tripudiando em cima de possíveis medidas do governo à favor da classe trabalhadora. Nem mesmo entre MDB, PSD e União Brasil, partidos que têm nove ministérios e que são campeões no recebimento de emendas parlamentares, pode-se contar com votos favoráveis ao governo. Mais do que a imagem de um refém, o que cabe mais, diante de toda essa “governabilidade” criminosa de Brasília, é a imagem de um cúmplice.
Existe alternativa?
É necessário o enfrentamento a essa lógica de conciliação com a direita, algo que já se mostrou equivocado nos governos anteriores do PT e resultou no golpe de 2016. O PSOL nasceu dessa necessidade, de reconstruir referências de luta para além dos acordos de Brasília. Agora, o PSOL infelizmente vem abandonando a sua razão de ser à medida que faz parte do governo e sua base no Congresso sob a justificativa da prioridade de derrotar o bolsonarismo. Entretanto, houve uma contrariedade importante nestes últimos episódios com o voto conjunto do PSOL na Câmara contra o Novo Teto de Gastos e as críticas públicas feitas pela ministra Sônia Guajajara ao esvaziamento do seu ministério.
Para enfrentar os projetos antipopulares da direita e o bolsonarismo, é essencial uma forte mobilização social da classe trabalhadora pelas suas reivindicações. A luta contra o Marco Temporal dos indígenas mostra o caminho que devemos tomar para mudar essa correlação de forças e pressionar o Congresso e o governo a favor das nossas pautas e contra os ataques.
O PT e seus aliados nos sindicatos e movimentos, assim como parte do PSOL, argumentam que devemos esperar sentados as mudanças a nosso favor e apoiar o governo como forma de derrotar o bolsonarismo, que qualquer mobilização criaria instabilidade para o governo. Com isso, boicotam as iniciativas de luta pelos nossos direitos. Nada mais errado, a direita e a base social bolsonarista, como o agronegócio, continuam tendo vitórias mesmo sob o governo Lula – e ele foi eleito no ano passado para reverter esse desastre.
Apenas a luta de massas da classe trabalhadora pode criar um novo caminho para a sociedade e reconstruir as nossas organizações, baseadas na independência de classe e em um programa de mudanças radicais. Só assim podemos criar as bases para a construção de uma nova sociedade socialista!
- Abaixo o Novo Teto de Gastos!
- Abaixo o Marco Temporal!
- Luta independente e construída pela base com um programa defendendo os nossos direitos!