Tragédia no Rio de Janeiro: sofrimento de muitos, lucro de poucos
As tragédias causadas pelas fortes chuvas no Rio trouxeram a tona os estragos de outra tempestade, mas essa é permanente, a chuva de ataques e descaso do Estado e do poder público com a população. Foi mais do que evidenciado que os governantes tinham conhecimento sobre o alto risco que as famílias atingidas pela chuva corriam. E porque não foi feito nada para se evitar a tragédia?
Não só sabiam do risco que essas famílias corriam, como também incentivaram a ocupação e permanência nos morros, como no caso do Morro do Bumba, onde morreram mais de 60 pessoas, que se localiza na cidade de Niterói, a mais afetada do Rio, que teve ao todo 165 mortos. Esta favela foi construída em um terreno onde havia funcionado um lixão, no qual além de o solo não ser firme, poderiam ocorrer explosões de gases tóxicos, acumulados com a decomposição do lixo. Em troca de votos e da construção de um curral eleitoral a dinastia PT-PDT, comandada por Jorge Roberto Silveira (PDT), que se alterna no poder e governa a cidade há 20 anos, doou barracos nesta comunidade e fez obras de infra-estrutura, como o programa “Favela-Bairro”.
Governos não priorizam obras preventivas
O prefeito de Niterói, Jorge Roberto Silveira (PDT), destinou para obras de contenção de encostas a mísera quantia de 50 mil reais. Em contrapartida, para a construção de mais uma obra do “Caminho Niemeyer”, ponto turístico da cidade, uma torre panorâmica, estão previstos 19 milhões de reais. Após a tragédia, o governo municipal precisou solicitar a ajuda do governo federal com 14 milhões, para amenizar os efeitos.
Nesta equação a falta de verbas e políticas reais de habitação digna (o município de Niterói gastou 0,01% de seu orçamento de 2009 em habitação) e prevenção de deslizamentos gerou não só um prejuízo de 14 milhões de reais, que sairão dos cofres públicos, mas sim um sofrimento da população, que é incalculável. Ao total foram 12 mil pessoas desabrigadas no estado, 15 milhões que foram afetadas pelas chuvas e 251 mortos, sendo que mais de 90% eram moradores de favelas.
Ainda existem centenas de pessoas morando em escolas públicas, sem água e sem luz, segundo o Comitê de Solidariedade de Niterói, nesta cidade em que os danos são maiores do que a mídia burguesa divulga. Ainda existem muitas casas em risco de deslizamento. O Morro do Céu, também construído sobre um lixão, está com vazamento de gás, correndo o risco de explosões. Nas escolas que servem de alojamento existe uma enorme proliferação de doenças, as diretoras querem expulsar os abrigados e estão ocorrendo casos de desvio de doações de alimentos. O governo está fazendo cadastro das pessoas, para realojá-las em lugares mais adequados, mas não está deixando protocolo, o que implica que não existe validade legal. Na prática a defesa civil não ajuda em praticamente nada a população das regiões ameaçadas.
No entanto, o saldo final desta equação é positivo para os governantes e para a burguesia, que poderão utilizar-se da comoção pública para aprofundar a política de marginalizar, removendo a população das favelas, e culpabilizar os pobres, atribuindo a eles a responsabilidade por sua condição.
Mesmo antes de se ter a dimensão do tamanho da tragédia, com centenas de corpos soterrados e famílias desabrigadas, Sérgio Cabral (PMDB), governador do estado, se pronunciou defendendo a “necessidade” dos muros nas favelas, para impedir que novos “irresponsáveis” ocupem terrenos de risco, afirmando a necessidade de o estado ser ainda mais duro com estas pessoas. Na verdade, sabemos de sua preocupação em segregar e esconder atrás dos muros os pobres. Eduardo Paes, prefeito do rio, assinou um decreto autorizando “agentes públicos” a invadirem a casa das pessoas, moradores de favela, mesmo que à força, supostamente para garantir sua segurança. As favelas que estavam na lista para serem desabrigadas e lançadas para bem longe dos olhos dos turistas e dos centros econômicos e sociais, por conta dos grandes jogos esportivos, agora estão com seus dias contados, pelo que já foi anunciado pelo estado.
Especulação imobiliária
O que está em jogo é o lucro gerado pela especulação imobiliária e a valorização de regiões a fim de atrair o turismo e investimentos econômicos. A mídia burguesa já anunciou o interesse de transformar o morro dos Prazeres em um dos pontos de visitação dos transatlânticos que aportam no Rio. Este foi o morro mais afetado pelas chuvas no município do Rio de Janeiro, que teve 30 mortos. Motivo perfeito para remover o quanto antes a favela, liberando para especulação imobiliária e para o turismo este terreno que se localiza no centro do Rio, possui vista para a cidade inteira e historicamente é importante, por ser o primeiro morro a ser ocupado no estado.
Mal foi anunciado pelo estado o auxilio aos desabrigados, o miserável aluguel social, de 400 reais, que o valor dos alugueis em Niterói aumentaram cerca de 50%. Se aproveitando desta tragédia para fazer campanha, Sérgio Cabral entregou 90 casas em Niterói, número ínfimo comparado aos 7mil desabrigados.
Para conseguir tirar a população dos morros à força, os lançando em novas favelas, mas desta vez longe dos centros econômicos, o governo e a burguesia aprofundam uma campanha ideológica que associa a imagem dos moradores de favela a vagabundos, bandidos, preguiçosos, etc. Atualmente estão alegando que eles não aceitam sair de suas casas, mesmo que correndo risco de desabamento, pois não querem morar longe do trabalho.
Junto a isto vemos a política de criminalização da pobreza se acentuando, quando um ato em protesto contra os efeitos das enchentes, ocorrido em um bairro nobre de Niterói, foi divulgado pela mídia como um arrastão.
Grande ato em Niterói
A população pobre que acompanhou e foi vítima dos efeitos desta política de marginalização dos pobres, em prol dos lucros da burguesia, já está se questionando sobre a legitimidade desta política. Em Niterói ocorreu o maior ato dos últimos tempos, com representantes de 15 comunidades, que não tinham organização popular antes destes eventos e mais de mil participantes, que seguravam cruzes, com amplo apoio dos transeuntes. Outras manifestações ocorreram, explosões de raiva e indignação, sem organização prévia, ou direção de entidades, ou grupos políticos organizados. Já existe um calendário de atividades, ocorreu uma audiência pública, na qual as autoridades reafirmaram seu descaso. Esta luta e que cada vez mais ganha novos adeptos, já totalizam 20 comunidades no Comitê de Solidariedade de Niterói.
Enquanto milhões de famílias permanecem desabrigadas, dezenas de prédios e terrenos públicos no centro do Rio de Janeiro, Niterói e outros centros econômicos e sociais, encontram-se sem uso. Este é mais um exemplo que aponta o antagonismo entre os interesses da burguesia e dos governantes e a satisfação das necessidades básicas da população. As conquistas que a população tem hoje, mesmo que ainda poucas e limitadas, só ocorrem quando são tomadas com suas próprias mãos.