PSOL e os rumos da esquerda
O PSOL está prestes a realizar o seu 8º congresso em uma conjuntura complexa, onde seu projeto fundacional está sendo colocado à prova. A bem-vinda derrota de Bolsonaro nas eleições não significou uma derrota decisiva da extrema-direita, e no congresso, o Centrão e a direita estão ditando as regras. Diante disso, o governo Lula repete a fracassada política de conciliação de classes movida por negociações de cargos e liberação de verbas, com abandono de demandas sociais, num contexto mais difícil do que quando chegou ao poder pela primeira vez em 2003.
Nesse contexto, o PSOL vem aprofundando uma linha de aposta em uma aliança com o PT e uma tática voltada à institucionalidade, resumida na frase “o PSOL trabalha para o governo Lula dar certo”. Mas essa tática traz grandes riscos.
A “governabilidade” construída a partir de acordos com Arthur Lira e o Centrão já está gerando crises. Por cada medida de avanço (sempre aquém do necessário), como salário mínimo, bolsa família e ação contra garimpeiros nas terras Yanomami, há também ataques e retrocessos. Seja por derrotas diretas do governo em votações como a do Marco Temporal, ou em acordos defendidos pelo próprio governo, como o Arcabouço Fiscal.
Para derrotar a extrema-direita, mas também a direita dentro e fora do governo, é necessário resgatar o caminho das lutas, da independência de classe e da defesa de um programa socialista.
Conciliação de classes leva a impasse e crise
Esse não é um debate novo. O PSOL foi fundado há 19 anos, após um ano de governo Lula, justamente para romper com a linha de conciliação de classes.
Ao não ir além dos limites impostos pelo sistema, o PT não conseguiu resolver os problemas sociais, e com o fim do boom das commodities e o aprofundamento de medidas neoliberais no segundo mandato de Dilma, o partido perdeu apoio, abrindo caminho para a extrema-direita.
Esse processo se repete internacionalmente. Na América Latina, vimos uma série de governos “de esquerda” ou “progressistas” sendo eleitos após movimentos de massas que mudaram a correlação de forças na sociedade, no Chile, na Bolívia, no Peru, na Argentina e no governo inédito de esquerda na Colômbia.
Porém, também vemos como governo após governo entra em crise. Não conseguem estar à altura da esperança de mudança desses movimentos e, ao invés disso, apostam em alianças com o centro e a direita, ao preço de abandonar medidas sociais radicais, em nome da “governabilidade”. Isso abre espaço para desmoralização, desmobilização e derrotas, como vimos no caso da constituinte no Chile e o golpe no Peru.
Qual é o papel do PSOL?
A diferença do PSOL de hoje e o de 19 anos atrás é que o partido agora aposta em sustentar essa “governabilidade” inviável do PT.
Nos debates do Diretório Nacional do partido, membros do campo majoritário defendem que “é o governo Lula que está entre nós e o fascismo”, e que o papel do partido é evitar uma derrota do governo. Isso incluiu a defesa de alguns dirigentes do voto no Arcabouço Fiscal, apesar das duras críticas. O voto contrário não estava dado se a proposta original do governo tivesse ido à votação, mas a versão ainda pior do arcabouço proposta pelo relator fez com que o partido corretamente votasse contra.
Desde o congresso anterior em 2022, o campo majoritário tem argumentado por alianças eleitorais com o PT e alinhamento ao governo após as eleições, em nome de uma “frente única contra a extrema-direita”. As principais correntes do campo majoritário, Revolução Solidária e Primavera Socialista, defendiam a entrada formal do PSOL no governo. Essa proposta não tinha apoio, e foi feito um meio-termo, onde o partido formalmente não comporia o governo, mas abriria espaço para a participação de filiados, como Sônia Guajajara no Ministério de Povos Indígenas. O partido compõe, porém, a bancada governista, inclusive com o deputado Henrique Vieira do Rio de Janeiro como vice-líder.
Unidos na luta e independentes na política
O argumento da “frente única” é falso. A Frente Única, desenvolvida por Trotsky e Lenin, tratava de unir as organizações da classe trabalhadora na luta por demandas comuns ou combater o fascismo, e, ao mesmo tempo, dando a oportunidade aos revolucionários de disputar a influência na classe com as direções burocráticas reformistas. Não tratava de colaboração eleitoral, onde as lutas acabam ficando em segundo plano, e menos ainda de uma colaboração para sustentar um governo de conciliação de classes.
Obviamente, estaremos juntos lutando contra a extrema-direita e novas tentativas golpistas, mas isso é possível mesmo mantendo a independência. Contudo, temos que ser categóricos: o que está entre nós e o fascismo é a classe trabalhadora organizada e em luta, não o governo, ou as instituições do Estado capitalista, que têm como função proteger os privilégios e as estruturas da sociedade. Não devemos apostar todas as fichas no Congresso ou no STF, que permitiu o golpe contra Dilma.
Cresce o peso do aparato e das instituições
A pressão sobre o PSOL para aprofundar cada vez mais seu caráter institucional vem aumentando também à medida que o partido cresce e ganha mandatos. Obviamente, comemoramos o crescimento do partido, especialmente com a eleição de parlamentares mulheres, negras, indígenas e trans. Porém, a ideia de que o partido irá crescer linearmente é enganosa. A crise do PT irá afetar também o PSOL, e à medida que a direita ameaça vencer novas eleições, o partido pode perder espaço rapidamente, diluindo a sua diferenciação com o PT. Vemos um exemplo recente na Espanha, onde o Podemos quase desapareceu nas eleições municipais, depois de ter conseguido mais de 20% dos votos em eleições anteriores.
Há uma mudança também no caráter militante do partido. A criação do fundo eleitoral bilionário, para substituir as doações de empresas, gerou uma distorção. As candidaturas prioritárias agora têm orçamentos milionários, baseados na divulgação de propaganda paga, seja em redes sociais ou com pessoas pagas para fazer campanha de rua.
Junto com o crescimento do número de mandatos, há também o crescimento de grandes aparatos e centenas de assessores pagos pelo Estado. Esses aparatos, por sua vez, têm grande capacidade de fazer campanhas de filiação em massa, muitas vezes sem debate político, o que serve de base para a disputa de poder interno. Tudo isso leva a um aumento da pressão para se adaptar ao sistema.
Precisamos também fazer um balanço sobre a atuação do partido no nível executivo. Hoje, o partido dirige uma capital estadual, Belém, em uma gestão que acaba não sendo fundamentalmente diferente das mais à esquerda do PT. Obviamente, não se pode estabelecer o socialismo em uma só cidade, mas há o risco de se tornar uma administração do “possível” que não contribui para a construção de um movimento que aponte para uma ruptura com o sistema.
A prefeitura e a direção partidária fizeram grande caso do fato de que a cúpula do clima da ONU de 2025, a COP30, será em Belém. Mas essa não será uma reedição dos Fóruns Sociais Mundiais que surgiram como contraponto ao Fórum Econômico Mundial de Davos. É um circo itinerante do establishment com um enorme espaço para o lobby de grandes empresas, que pouco fazem pelo clima. Nosso foco não deve ser a cúpula com governos, mas sim a luta dos movimentos que se mobilizarão por fora dela.
Essas pressões serão mais evidentes ainda nas eleições municipais do ano que vem, com a chance de o PSOL conquistar a prefeitura de São Paulo. Seria um passo muito importante, mas que enfrentará grandes limitações ao tentar adequar a candidatura a uma aliança com o PT e outros. Isso tende a resultar em um rebaixamento programático, como já vimos na campanha de 2020, com a aceitação de PPPs e empresas privadas no ensino.
Congresso mais restrito
Nesse contexto, o partido realiza um congresso com regras mais restritas, aumentando o número de assinaturas necessárias para apresentar uma tese de 400 para 1500. Isso limita a participação de correntes menores ou regionais. Além disso, estão previstas mais plenárias na etapa municipal em um período mais curto e menos mecanismos de fiscalização, o que é preocupante considerando problemas ocorridos em congressos anteriores.
Dito isso, o processo congressual desempenha um papel importante, pois faz parte de uma avaliação fundamental do processo de reorganização da esquerda que ocorre no Brasil e no mundo.
O sistema enfrenta múltiplas crises: social, econômica, política e ambiental, e a sociedade está mais polarizada do que nunca. Do lado da direita, essa crise se manifesta no crescimento e na ameaça da extrema-direita, que se apresenta como antissistêmica, mas serve aos interesses da mesma elite. No entanto, ainda falta construir uma expressão política de esquerda verdadeira, baseada nas lutas, na independência de classes e em um programa socialista.