PSOL SP: Perda de protagonismo e descaracterização do projeto de esquerda
A escandalosa decisão do PSOL SP de aceitar a suplência ao senado de Márcio França (PSB) é mais uma pedra que pavimenta o caminho do partido em direção à capitulação diante da política de conciliação de classes. Infelizmente essa decisão só foi a cereja do bolo que se junta a outras resoluções aprovadas na conferência eleitoral estadual e apontam para uma mudança histórica do propósito da fundação do PSOL, de ser uma alternativa de esquerda consequente diante dos limites da esquerda hegemônica.
No último sábado, dia 30/07, militantes, pré-candidatxs e membros do diretório estadual se reuniram no centro de São Paulo para a conferência eleitoral do PSOL-SP para debater as resoluções sobre as táticas eleitorais do partido no estado. Em uma continuação da polarização dos congressos do partido, somente a resolução sobre conjuntura obteve quase consenso completo (com um voto contra). Nos demais temas, houve resoluções apresentadas tanto pelo campo majoritário como pela oposição.
Foram essas resoluções que não só deram continuidade ao rebaixamento do partido já visto no congresso e na conferência eleitoral nacional, como também aprofundaram ainda mais essas posições.
Haddad e “unidade” eleitoral
Os debates sobre as resoluções foram rasos, muitas vezes apenas repetindo argumentos já usados em outros espaços e não aprofundando diante dos desafios complexos do período. O já esperado apoio à candidatura de Fernando Haddad (PT) para governador foi justificado com as mesmas frases de que a “unidade” é necessária para enfrentar um cenário excepcional da conjuntura e que pela primeira vez desde a redemocratização o campo progressista tem chance de ganhar o governo do estado mais rico do país. Foram os mesmos argumentos usados quando Guilherme Boulos retirou sua candidatura a governador pelo PSOL em nome da “unidade”.
Como já colocamos em outros textos, a questão da unidade eleitoral com o PT na prática significa uma frente ampla muito além da esquerda, uma vez que o PT costura coligações com partidos de direita e figuras como Geraldo Alckmin, ex-governador de SP pelo PSDB que recentimente migrou para o PSB.
Em SP isso é ainda mais evidente. O PT, na figura do presidente do partido no estado Luiz Marinho explicitamente falou que não queria o PSOL como vice de Haddad pois isso atrapalha seu objetivo de alcançar eleitores mais conservadores. Em nome da elegibilidade, até procuraram partidos como União Brasil e PSD de Gilberto Kassab, que já foram base do bolsonarismo. Mesmo assim, a resolução passou na conferência do PSOL com 25 votos contra 17 (com uma abstenção), fechando o apoio à campanha de Haddad.
É verdade que há chances reais de Haddad ganhar e que isso é melhor do que a continuação do tucanato no controle do estado com Rodrigo Garcia (PSDB) ou do candidato bolsonarista Tarcísio de Freitas (Republicanos). Mas há questões também sobre os limites do “progressismo” do Haddad. Além do seu histórico como prefeito de São Paulo, quando tentou implementar uma reforma da previdência ou Sampaprev contra servidores públicos, mais recentemente ele tem defendido privatizações dizendo que “vai depender de qual” e têm sugerido que pode privatizar linhas de metrô e CPTM. Com uma candidatura própria, o PSOL poderia ter muito mais voz para colocar um programa verdadeiramente de esquerda e socialista, e com isso pressionar pela esquerda o debate público ao invés de tentar fazer isso dentro da campanha onde é praticamente ignorado.
Márcio França e o abandono da candidatura própria ao senado
Mas a questão ficou ainda pior com o abandono da candidatura ao senado pelo PSOL em favor da suplência a Márcio França. O partido não terá nenhuma candidatura majoritária no maior estado da federação, apresentando apenas candidatos proporcionais. A resolução foi aprovada por apenas um voto (22 a 21) com argumentos de que isso seria necessário juridicamente para o PSOL estar na coligação, além de ser parte de um acordo que garantiria apoio a uma futura candidatura do Boulos para prefeito de São Paulo em 2024. O presidente do PSOL SP, João Paulo Rillo, da Revolução Solidária, até chegou a falar que com essas articulações pela unidade já temos cinco partidos comprometidos com Boulos para 2024, sem falar quais partidos seriam esses!
A gravidade dessa questão não é só o fato que o PSOL, que chegou ao segundo turno na maior cidade da América do Sul, foi relegado ao vergonhoso papel de coadjuvante nessa aliança. É, sobretudo, que isso sequer foi feito em nome de uma concessão ao PT, mas sim para um político burguês como Márcio França. É importante lembrar quem é França. Quando eleito como prefeito de São Vicente, perseguiu trabalhadores e militantes da esquerda, especialmente do PSOL, que chegaram a sofrer até ameaças físicas. Ele sempre fez parte da base do tucanato no estado, foi vice de Alckmin e, posteriormente, se tornou governador no ano de 2018, continuando a apoiar as políticas neoliberais e racistas de seu antecessor. Agora, em tempos de campanha, flerta abertamente com o bolsonarismo e tem defendido posições como a retirada de câmeras em uniformes de PMs que até agora tiveram o efeito de reduzir drasticamente a violência policial.
Os rumos do partido
Nos encontramos então em uma situação onde o PSOL não só não terá um destaque, mas também será agora associado a figuras e partidos com históricos extremamente problemáticos. É verdade que a situação do país e para muitas pessoas, especialmente as camadas mais pobres é devastadora. Bolsonaro e o bolsonarismo precisam ser derrotados em todas as esferas, e é um debate fundamental no PSOL como conseguiremos derrotá-los.
Para nós da LSR, isso só será feito efetivamente com uma forte mobilização da classe trabalhadora e do povo oprimido, quepossuem a força de derrotar o bolsonarismo. A unidade de luta nas ruas é extremamente importante para isso, mas essa unidade deve ser construída sembaixar nossas bandeiras e rebaixar nosso programa nesse processo. Isso significa que ter uma posição independente é extremamente importante para que uma alternativa da esquerda possa ser construída, como foi o propósito do PSOL desde sua fundação.
Por isso também a última resolução aprovada foi preocupante, ela lidava com a questão de participar de um possível governo do Haddad, caso eleito. Tanto a resolução do campo majoritário como a apresentada pela oposição indicava a não participação em qualquer governo, mas a resolução majoritária que terminou sendo aprovada colocava que isso deveria ser decidido definitivamente apenas após as eleições. Pelo fato de que parte do PSOL SP já tinha proposto ser vice de Haddad e escutando algumas falas durante o debate, é evidente que esse é o desejo de parte do partido e ainda existe uma possibilidade que aconteça. As experiências em Mauá e Diadema, onde o PSOL compôs com as prefeituras do PT já mostraram como isso será ruim, com exemplos de ataques aos trabalhadores destes municípios fazendo com que o partido seja visto como cúmplice desses ataques. A oposição fez boas falas contra qualquer envolvimento com um possível governo, mas parte de suas falas perdeu força uma vez que o MES, a maior corrente da oposição, fez um acordo com o PT e será vice na chapa para governador no Rio Grande do Sul.
Compor um eventual governo do PT, tanto a nível estadual ou nacional, seria anunciar o fim do papel histórico do PSOL, criado inicialmente para ser a oposição de esquerda aos governos petistas. Em tempos extraordinários é realmente necessário que possamos adotar táticas adequadas para melhor enfrentar as ameaças da extrema direita, a fome e a barbárie. Mas isso não pode ser a custo dos nossos princípios e da nossa independência de classe. A história nos mostra que a melhor maneira de combater a extrema direita e o fascismo é com a luta organizada da classe trabalhadora e não com acordos com setores da classe dominante. Precisamos lutar para que o PSOL volte a ser um partido independente, combativo e socialista, para assim voltar a ser uma ferramenta de luta da classe trabalhadora e dos povos oprimidos.