SP: Tarcísio e o fanatismo privatista
Apesar da alternância no poder do estado de São Paulo, com o fim de três décadas consecutivas de governos do PSDB, não há mudanças positivas no horizonte. O novo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), basicamente se comporta como se fosse o seu antecessor, o náufrago político João Dória. A única diferença é que Tarcísio parece ser um Dória com 40 graus de febre.
Mesmo considerando sua filiação e passagem pelo governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, ainda é cedo para saber que perfil Tarcísio tomará à frente do estado. Se por um lado há espaço para bolsonaristas “raiz” em seu secretariado, como Derrite na segurança, e Sonaira Fernandes na pasta de mulheres, por outro lado, ele próprio se move com cautela. Condenou os atos de 08 de janeiro, ainda que de forma oscilante, e não costuma ostentar qualquer aspecto de guerra cultural, embora seu governo já esteja tomando medidas assim.
Direita e extrama-direita de mãos dadas
A coisa é muito diferente no programa econômico, onde o ultraliberalismo de Bolsonaro se apresenta fortemente. O problema é que é justamente nessa pauta econômica onde a direita tradicional, dos tipos incensados como Tasso Jereissatti ou Rodrigo Maia, não se diferencia em absolutamente nada da extrema-direita truculenta. Paulo Guedes, que iniciou a sua passagem pelo Ministério da Economia com apoio aberto da mídia corporativa, da intelectualidade liberal e do mercado financeiro, integra agora o conselho econômico do governo Tarcísio.
Desde o período eleitoral, Tarcísio aposta em um discurso favorável às privatizações. Em sua passagem pelo Ministério da Infraestrutura, parte principal do que considera seu legado foram as privatizações de estradas e o início do processo de entrega do setor portuário. Foi ainda como ministro que Tarcísio chegou a prometer em reunião com banqueiros que o Brasil teria “a infraestrutura mais privada do mundo”.
Para atingir este objetivo, Tarcísio criou a Supersecretaria de Infraestrutura, Meio Ambiente, Logística e Transportes. Em sua cadeira senta hoje Natália Resende, braço direito do governador desde os tempos de ministério e especialista em privatizações.
A joia da coroa no momento atual é a empresa de saneamento básico, a Sabesp, segunda maior da América Latina no setor, com um público de quase 29 milhões de pessoas. O último balanço apresentado demonstrou um lucro líquido de R$ 2,4 bilhões entre janeiro e agosto de 2022. É a menina dos olhos do mercado financeiro, já que presta serviço com um bem sem o qual absolutamente ninguém no planeta vive: água.
Privatização da água um retrocesso
A privatização da Sabesp seria um retrocesso em inúmeros graus. A se avaliar pelos modelos já aplicados, tanto o serviço se tornaria mais caro, como de menor qualidade. A promessa de que a iniciativa privada seria capaz de universalizar o acesso também é uma comprovada falácia. A privatização do saneamento no Tocantins foi realizada em 1998. Em 2010, o estado precisou reassumir o serviço em 78 dos 139 municípios do estado, com a BRK Ambiental (mais conhecida como Odebrecht e maior empresa privada de saneamento do país), ficando com apenas os 47 mais populosos e, claro, mais lucrativos. Em 2019, o IBGE apontava que somente 36% da população tinha acesso à rede de esgoto. Em Manaus-AM, onde o saneamento foi privatizado há cerca de 20 anos, apenas 12,5% do esgoto é tratado, com 87,5% dele sendo jogado no Rio Negro. Cerca de 27% da população não tem acesso à água.
Mas do ponto de vista político também seria um duro golpe. A privatização da Sabesp daria um amplo terreno para o governo estadual atacar os demais serviços do estado. Empresas como o Metrô e a CPTM, já na mira há muitos anos, estariam ainda mais ameaçadas. Somado a esta política, uma Reforma Administrativa vem sendo preparada pelo governo, e dela podemos esperar ainda mais ataques sobre o funcionalismo público do estado.
No entanto, é fato que esta é uma batalha política aberta. Já existe uma articulação de parlamentares ligados aos partidos de oposição e de esquerda ao governo. Reunindo PT, PSOL, PCdoB e PSB, a articulação discute como obstruir o processo. A base direta dos partidos do governo na ALESP não é maioria, e necessita dos demais representantes da direita na casa. No entanto, eles mesmo sentem dificuldade com a pauta, já que ela é espinhosa e possui potencial para se tornar antipopular. Mais importante, começam os primeiros passos de articulação dos sindicatos das empresas estatais e do serviço público de São Paulo como o SINTAEMA (Saneamento Básico) e o Sindicato dos Metroviários e Metroviárias.
Pesadelo diário no transporte privado
Além disso, as privatizações no estado começam a demonstrar os limites. As linhas 8 e 9 da CPTM, privatizadas por Dória e Rodrigo Garcia, se tornaram seguramente o maior pesadelo diário da população da região metropolitana da capital. As constantes falhas, paralisações e panes deixam qualquer um que compreende minimamente os sistemas de operação de transporte sobre trilhos impressionado. Um trem simplesmente andou fora dos trilhos e destruiu parte do piso da estação Júlio Prestes, no Centro de São Paulo! Tudo isto somado às péssimas condições de trabalho e segurança de seus empregados, resultando em inúmeros acidentes e até mesmo em, pelo menos, uma morte por eletrocussão de um operário de manutenção.
A privatização do setor de transportes no estado possui ainda uma outra face nefasta. Todas as tarifas arrecadadas no estado são depositadas em um mesmo fundo. Neste fundo, as empresas privadas possuem prioridade de saque. Acontece que, a tarifa de acordo com a qual são remuneradas é maior do que aquela paga pelo público. Isto acontece porque apesar de o preço real ser administrado pelo governo estadual, os contratos de concessão para a iniciativa privada preveem o reajuste periódico das tarifas pagas à ela. As linhas privatizadas de metrô, por exemplo, recebem R$ 6,01 por passageiro, enquanto o preço real das passagens segue de R$ 4,40. Com isto, a prioridade de saque das empresas privadas fez com que em maio do ano passado, 60% da arrecadação tenha ido para as empresas de ônibus (praticamente um monopólio do grupo Ruas); enquanto 39,2% fora revertida para as privadas de transporte sobre trilhos (linhas 4, 5, 8 e 9, todas da CCR). Apenas 0,2% de todas as tarifas arrecadadas tiveram de ser divididas entre as estatais Metrô e CPTM. Ou seja, a privatização não apenas encareceu e piorou o serviço, como contribui ativamente para sufocar e destruir as empresas estatais. Enquanto isto, o carioca, que teve seu metrô privatizado há muito mais tempo, prepara-se para pagar uma tarifa de R$ 7,40!
Tudo isto apenas comprova que as políticas de privatização não representam outra coisa senão o puro e simples saque do patrimônio público da população. Não à toa, mais de 312 cidades ao redor do mundo reverteram processos de entrega de seus serviços essenciais. Ainda assim, o fanatismo de Tarcísio e dos financistas segue firme, prometendo entregar tudo ao livre mercado. O mesmo mercado que, segundo relatos, foi visto vendendo água a R$ 40 o litro durante as tragédias das chuvas no litoral paulista, enquanto os operários da Sabesp trabalhavam para restabelecer o abastecimento da região.
O governo federal não tem, até o momento, se demonstrado como uma alternativa definitiva a esta política. Apesar de Lula ter retirado empresas como os Correios e a Petrobras da lista de desestatização, os ataques ainda continuam.
É oscilante a postura do Ministro de Portos e Aeroportos Márcio França acerca da privatização do Porto de Santos. Quando muito, discute apenas um formato diferente, retirando da entrega para a iniciativa privada a autoridade portuária, mas aceitando a entrega de todo o resto de sua operação.
PPP é privatização
Igualmente, Fernando Haddad, agora Ministro da Fazenda, enquanto candidato em disputa contra Tarcísio pelo governo estadual de SP, disse que não privatizaria a Sabesp, mas avançaria nas PPPs da empresa. Uma forma de privatização que já vem sendo largamente utilizada pelo governo de São Paulo sob a batuta do PSDB.
A Sabesp é minada por inúmeras PPPs em seu interior. Todas as linhas privatizadas de metrô e trem de São Paulo são feitas com PPPs. Essa possibilidade, inclusive, foi criada pelo próprio Haddad, autor da Lei das Parcerias Público Privadas, sancionada por Lula. Por sua vez, Alckmin, ainda no comando do governo de transição, autorizou o prosseguimento do leilão do Metrô de Belo Horizonte (da estatal federal CBTU). Nenhuma medida foi tomada, por exemplo, para revogar o Marco do Saneamento, que escancarou de vez a entrega do setor.
Frente a isto, resta à classe trabalhadora e aos movimentos populares a sua organização para resistir aos ataques e pressionar os governos!