Os povos indígenas resistem! Não ao PL490 e ao marco temporal

Durante o mês de junho, o movimento indígena se mobilizou ao redor do país, realizando atos, fechando estradas e ocupando a esplanada no acampamento Levante Pela Terra para lutar pelas suas vidas e pelos seus direitos em uma luta de resistência que dura mais de 500 anos. No final desse mês, essa luta continuará com uma nova mobilização a Brasília.  

“A gente tá aqui para lutar. Para reivindicar os nossos direitos porque nossos filhos estão doentes. A doença está chegando, os rios estão morrendo, a floresta está morrendo… Mas não vamos deixar de lutar!”

Essas foram algumas das palavras faladas por um dos representantes da luta do povo Guarani Mbya no Jaraguá, em São Paulo, em um travamento da rodovia Bandeirantes que organizaram. Ao mesmo tempo, mais de 800 indígenas representando 43 povos estavam acampados no gramado da esplanada em Brasília contra o PL 490 no congresso e acompanhando o julgamento sobre o marco temporal no STF. Se passarem, esses representarão alguns dos ataques mais graves contra os povos originários.

Desde a sua pré-campanha, Bolsonaro teve como um dos seus alvos principais os povos indígenas, utilizando o preconceito e o racismo para justificar sua agenda em prol do agronegócio, garimpeiros e aqueles que lucram com a devastação do meio ambiente. Com isso, abriu o caminho para ataques e invasões de terras indígenas, enquanto as florestas queimam e os rios são envenenados. Em cima disso, o descontrole da pandemia e a atitude criminosa e genocida do seu desgoverno levou a mais 530 mil mortes, entre elas mais de mil mortes de indígenas atingindo lideranças mais velhas, que levaram com eles o conhecimento da sua cultura.

Esses ataques fazem parte de uma agenda neoliberal e ecocida do governo. Bolsonaro desmantelou proteções ambientais tirando investimento, desmontando pastas no ministério e enfraquecendo o IBAMA e outras agências que estariam protegendo o meio ambiente. As terras indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais são mais uma barreira para essa agenda e o governo faz de tudo para tirá-los do caminho. Não é por acaso que ele falou a frase “Nem um centímetro a mais para terras indígenas” durante a sua campanha.

Grupos de garimpeiros e madeireiros invadem territórios indígenas tocando o terror nas comunidades, como foi o caso do povo Yanomami em Roraima, e Munduruku no Pará entre outros lugares. Funcionam como milícias amazônicas, garimpeiros atuando junto com o crime organizado, usando de intimidações, sequestros e ataques a tiros para tentar ter o controle e poderem explorar esses territórios. Muitas vezes apoiados por empresários, esses grupos são fortemente armados e invadem as terras em bandos com maquinários e até escoltado por helicópteros.

Esses ataques não são novos. As terras indígenas sempre sofreram ameaças de invasão. O sistema capitalista está constantemente precisando expandir, procurando novos recursos para explorar e lucrar e para isso oprimem todos que atrapalham esse processo. A história do Brasil e das Américas é a história dessa constante invasão e expansão capitalista, manchado pelo sangue dos povos indígenas, o povo negro e a classe trabalhadora.

Durante a ditadura militar, milhares de indígenas foram assassinados ou desapareceram e até depois da redemocratização invasores continuaram a tentar explorar essas terras. Em 1987, sete indígenas foram assassinados e 47 feridos após a invasão de 150 garimpeiros na Serra Couto Magalhães (RR). Em abril do ano seguinte, oito yanomamis foram mortos após confronto na região do Paapiú.

Durante os governos do PT de Lula e Dilma as coisas não melhoraram. Nos seus projetos de conciliação de classe, o PT sempre favoreceu os interesses dos ruralistas e mineradoras em relação às questões do meio ambiente e dos povos tradicionais. O caso mais emblemático foi a traição da usina de Belo Monte no Pará, que alagou 500 km2 de área de floresta, mudou o fluxo do rio Xingu, afetando as comunidades ribeirinhas e indígenas que dependiam da pesca para viver e deslocou 15 povos indígenas das suas terras. A mesma devastação foi vista em outras megaconstruções no rio Tapajós, também no Pará e outros. Desde a redemocratização os dois governos da Dilma foram de longe, o que menos demarcou terras indígenas.

Bolsonaro aumenta o nível de ataques a outro patamar e com o apoio da bancada ruralista eles tentam legalizar as invasões. O PL 490/2007, também conhecido como a PL da morte, permite que o governo tire da posse de povos indígenas áreas oficializadas há décadas, torna as Terras Indígenas (TIs) mais vulneráveis a ações predatórias como o garimpo, e, na prática, vai inviabilizar as demarcações paralisadas. Isso abre espaço para a construção de hidrelétricas, mineração, estradas e outras obras sem precisar fazer consulta pública ampla ou mesmo com os povos indígenas que seriam diretamente afetados.

O projeto também tenta aplicar o “marco temporal”, que significa que só as terras já demarcadas e na posse dos indígenas no dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição, valeriam totalmente ignorando o histórico de explosões e ataques que tiraram os povos das suas terras.

Enquanto o projeto estava em pauta, o STF se preparava para votar um recurso extraordinário contra a reintegração de posse da terra indígena Ibirama-Laklãnõ (SC), caso alçado à condição de “repercussão geral”, que iria definir a aplicabilidade ou não do marco temporal. Ou seja, ele ia servir como diretriz para orientar os procedimentos demarcatórios em todo o país.

Esses ataques servem para acabar com as terras indígenas e com isso a sua cultura, jeito de viver e suas vidas. Em resposta, foi organizado o acampamento Levante Pela Terra em Brasília durante a tramitação do PL pela CCJ e para acompanhar as decisões do STF.

Em junho o movimento realizou atos e marchas, incluindo ida até o estádio Mané Garrincha durante a abertura da Copa América. Marcharam também até o congresso e a FUNAI mas foram em todo momento seguidos por policiais militares e a tropa de choque, sempre intimidando e ameaçando atacar os atos pacíficos. 

“Não somos nós, povo indígena que estamos declarando guerra. É esse governo”. Fala de liderança em um dos protestos em São Paulo.

A PM reprimiu fortemente os atos pacíficos mais de uma vez e não deixou o ato continuar. Bombas de gás lacrimogêneo foram usadas para acabar com os atos, ferindo o direito básico de protestar. Isso foi o caso quando o movimento indígena chegou até a FUNAI, mas em vez de serem recebidos pela fundação, foram atacados pela polícia. A FUNAI, que deveria existir para defender os direitos dos povos indígenas, hoje defende mais os ruralistas e a agenda do governo. O Bolsonaro aparelhou totalmente a agência colocando militares e apoiadores em todos os níveis. O delegado da polícia federal, Marcelo Augusto Xavier da Silva foi colocado como presidente da agência e tem um histórico de truculência contra o povo indígena que ficou evidente no dia do ato.

Mesmo com a pressão dos movimentos, no dia 24 de julho o PL 490 passou na CCJ. No STF a questão do marco temporal foi adiado duas vezes, incluindo no dia 30 de junho que foi a última oportunidade de realizar a votação antes do recesso do STF. Agora a votação está prevista para o dia 25 de agosto, mas após a aposentadoria do ministro Marco Aurélio, Bolsonaro pode nomear um novo ministro que mudaria a composição da corte e deixaria bem mais difícil uma votação favorável ao movimento.

Mesmo assim, a luta continuará. No Jaraguá, depois de fechar a rodovia Bandeirantes no 25 de junho, no dia 30 do mesmo mês os Guarani Mbya ocuparam o parque estadual do pico do Jaraguá forçando uma reunião com o governador João Doria e fazendo ele pressionar o PSDB a votar contra o PL e para garantir a suas terras no estado. Nos dias 22 até 28 de agosto um novo acampamento será levantado em Brasília para acompanhar o julgamento do STF seguido pela marcha das mulheres indígenas em setembro.  

Ao longo dos séculos os povos indígenas foram levados até a beira do abismo mas com muita luta, resistiram. A luta deles é a luta pela vida diante de inúmeras ameaças e no governo Bolsonaro essas ameaças se multiplicaram. O racismo, que coloca os povos originários como “selvagens”, que impedem o progresso e que precisam ser “civilizados” é parte da agenda deste governo e uma característica do sistema capitalista. O interesse deles é apenas lucrar e não se importam em destruir vidas, culturas, o meio ambiente para conseguir seus objetivos. Esses ataques não só ameaçam povos inteiros mas também agravam ainda mais a crise climática e são a ponta de lança que afeta toda a classe trabalhadora.

Nos marcos de um sistema capitalista nunca será possível garantir a segurança e cultura dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. É necessário unir as lutas agora, fortalecendo e apoiando a luta contra os ataques anti-indígena e também pelo Fora Bolsonaro, Mourão e a agenda neoliberal e autoritária. Precisamos lutar por um programa que defende a demarcação já de todas as terras dos povos originários e comunidades tradicionais, com proteções às vidas e cultura, garantindo segurança contra invasores. Lutar pela preservação do meio ambiente e proteção das florestas contra os ataques de garimpeiros e agronegócio e por uma programa realmente socialista construído junto com os movimentos e que defende os direitos e vidas de todos os oprimidos e explorados e o meio ambiente.