A necessidade de superar a conciliação de classe e o bolsonarismo: uma análise dos socialistas das eleições no RN
As eleições no Rio Grande do Norte foram marcadas por vitórias do Partido dos Trabalhadores, da extrema direita e por perda de protagonismo do PSOL. Isso coloca diversos desafios para o próximo período que precisamos examinar e compreender para preparar as lutas que estão por vir. A análise do processo eleitoral que se fará, portanto, focará em pontos que se compreende serem os centrais para contribuir com a luta das trabalhadoras e trabalhadores nas terras potiguares por uma sociedade justa, igualitária e socialista.
Presidente
No Rio Grande do Norte, o candidato que venceu o primeiro turno das eleições para presidente foi Lula. Ele obteve 62,98% dos votos e Bolsonaro obteve 32,02%. O RN também teve um dos menores índices de abstenção do país, com 18,16%, enquanto a média brasileira foi de 20,9%, a maior desde 1998. Os níveis de abstenção abaixo da média nacional foram uma tendência na maioria dos estados do Nordeste, embora, para o RN, o percentual tenha subido em relação às eleições de 2018.
Lula venceu em praticamente todas as cidades do Rio Grande do Norte, inclusive em municípios em que os prefeitos apoiaram Bolsonaro, como Natal e Mossoró, onde Allyson Bezerra não explicitou o voto no presidente genocida, mas apoiou a chapa bolsonarista para Governo e Senado.
A única cidade em que o ex-presidente não venceu foi Parnamirim, que tem forte presença de militares, é onde fica a Base Aérea e foi uma das bases estadunidenses durante a Segunda Guerra Mundial. Também é uma município que tem um índice de população evangélica maior que a média do estado, segundo dados do IBGE de 2010. Esse é um setor em que, segundo pesquisas de diferentes institutos, Bolsonaro tem predominância.
Em Natal, Lula teve 50,1% dos votos e Bolsonaro teve 42%. Essa foi uma mudança em relação a 2018, quando Bolsonaro venceu Haddad na capital nos dois turnos. Lula venceu em bairros populares como Mãe Luíza, Rocas e todas as Zonas Oeste e Norte. Venceu também em bairros de classe média, como Ponta Negra e Capim Macio, onde moram muitos professores universitários e parte do funcionalismo. Bolsonaro venceu em cinco de 36 bairros, a maioria de classe média: Tirol, Petrópolis, Candelária, Lagoa Nova e Barro Vermelho.
Como lutadores e lutadoras que vão às ruas e às urnas para derrotar o presidente genocida, também é necessário saber onde estão os maiores índices de abstenção, votos brancos e nulos e em candidaturas como Ciro Gomes e Simone Tebet, que são aqueles com maior possibilidade de serem revertidos contra Bolsonaro. As localidades com maiores índices nesse sentido foram, em ordem decrescente, os bairros Potengi, Lagoa Azul, Lagoa Nova, Capim Macio, Nossa Senhora da Apresentação, Pajuçara, Pitimbu e Felipe Camarão, todos com mais de 9 mil pessoas dentro do critério exposto.
Governo
As eleições para o governo do Rio Grande do Norte foram decididas no primeiro turno com a recondução da atual governadora, Fátima Bezerra (PT). Ela obteve 58,31% dos votos (1.066.496) e venceu o candidato de Bolsonaro no estado, Fábio Dantas (Solidariedade), que teve 22,22% dos votos (406.467). O terceiro colocado foi o Capitão Styvenson (Podemos), que é senador, policial militar, apresenta-se como outsider, mas é favorável a pautas conservadoras e de retirada de direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Ele obteve 16,80% dos votos (307.330). O candidato do PSOL, Danniel Morais, ficou em 5º lugar com 0,20% (3.691).
O governo Fátima girou à direita com a descontinuidade de Antenor Roberto (PCdoB) como vice-governador e com a incorporação de Walter Alves (MDB) para esse cargo no futuro mandato. Walter Alves compõe uma das principais oligarquias do Rio Grande do Norte e não foi o único da família na chapa do PT, que apresentou também Carlos Eduardo Alves, ex-prefeito de Natal, para o cargo de senador.
O bolsonarismo foi um elemento importante no pleito. Bolsonaro visitou o estado cinco vezes em 2022, fez motociatas, comícios e inaugurou obras. Fábio Dantas, candidato do presidente genocida, demorou para lançar a própria candidatura, chegou a ocupar o terceiro lugar nas pesquisas e na reta final ascendeu a segundo, ultrapassando o Capitão Styvenson. Fábio Dantas, que era do PCdoB, foi vice-governador na gestão desastrosa de Robinson Faria, que foi apoiada pelo PT durante parte do mandato. Ele foi corresponsável por atrasos salariais de servidores e sucateamento dos serviços públicos, embora tenha tentado se desvincular disso nos debates.
O candidato do PSOL, Danniel Morais, fez discussões importantes denunciando as oligarquias, defendendo pautas como o Renda Potiguar para famílias pobres e chamando para lutar no dia do Grito dos Excluídos e Excluídas durante um dos debates televisivos. Apesar disso, o partido poderia ter avançado no debate programático a ser apresentado para elevar o seu caráter combativo. O próprio perfil de um homem branco cis e hétero sem histórico de militância de base também é um elemento, conforme a LSR colocou em outros momentos. O resultado do PSOL em 2022 foi bem pior que o de 2018, quando obteve 31.306 votos (1,93%) com Carlos Alberto, um ativista empresarial cuja candidatura foi impulsionada pelo MES, a corrente majoritária do PSOL RN.
Senado
A disputa principal para o Senado se deu em torno de três candidaturas: Rogério Marinho (PL), Carlos Eduardo Alves (PDT) e Rafael Motta (PSB). Rogério Marinho é ex-ministro do Desenvolvimento Regional de Bolsonaro e um dos principais articuladores da Contrarreforma Trabalhista. Ele havia sido derrotado pela classe trabalhadora potiguar quando tentou se eleger deputado em 2018, logo após a aprovação da contrarreforma. Agora, com a máquina estatal nas mãos, ele conseguiu comprar o apoio de diversos prefeitos e vereadores na capital e no interior.
O ministério que Marinho dirigia até as vésperas da eleição foi o responsável pela construção de obras de infraestrutura, forneceu equipamentos e recebeu emendas do orçamento secreto, que é uma forma de corrupção legalizada. Não à toa, o Ministério do Desenvolvimento Regional, sob a gestão do bolsonarista, teve que suspender os contratos de compra de máquinas agrícolas após a CGU apontar a prática de superfaturamento, o que ficou conhecido como “tratoraço”. Agora, uma estatal vinculada ao referido ministério está envolvida no esquema do “Bolsolão do Asfalto” no valor 1 bilhão de reais, segundo o TCU.
Apesar dos escândalos e de ter sido um algoz da classe trabalhadora, Rogério Marinho se elegeu senador com 41,85% dos votos e o uso da máquina pública foi essencial para que isso acontecesse.
Carlos Eduardo Alves, por sua vez, apresenta-se como alguém que rompeu com a própria família, mas é um político carreirista que disputou o governo contra Fátima Bezerra em 2018 se colocando de forma oportunista do lado do bolsonarismo. Para as eleições de 2022, o PT fez um cálculo político de que era preferível ter Carlos Eduardo na chapa como candidato ao Senado para evitar que ele fosse adversário direto de Fátima.
Para construir esse arranjo, foi necessário convencer Jean Paul Prates, atual senador em fim de mandato pelo PT, a abrir mão de sua candidatura para o referido cargo. Carlos Eduardo fez uma autocrítica cínica de seu apoio a Bolsonaro nas eleições de 2018 e o PT o apresentou como seu representante para enfrentar Rogério Marinho. Mesmo setores do partido de Lula que foram críticos a essa formulação e que colocaram a discordância publicamente, ao fim chamaram voto nessa candidatura. Esse nível de pragmatismo do campo democrático-popular, no entanto, não foi suficiente, pois Carlos Eduardo ficou em segundo lugar (33,40%), com cerca de 143 mil votos de diferença para Rogério Marinho. Além disso, a classe trabalhadora não acumulou nada politicamente com essa candidatura. Muitas pessoas que votaram nele fizeram isso tapando o nariz na esperança de evitar a eleição do ex-ministro de Bolsonaro.
Rafael Motta, apesar de ter votado a favor da PEC do Teto de Gastos e do impeachment de Dilma quando era deputado, apresentou-se como um candidato de esquerda, tentou se vincular a Lula e angariou muitos votos de quem buscava uma alternativa de esquerda que não fosse Carlos Eduardo. Ele terminou o pleito em terceiro lugar (22,76%).
Freitas Júnior, candidato do PSOL, defendeu pautas importantes e que se articulam com o que defendemos como LSR, como taxação das grandes fortunas, revogação integral da Contrarreforma da Trabalhista e da Previdência, demarcação de terras indígenas, recomposição do orçamento das universidades e institutos federais, combate à LGBTfobia, etc. Ele obteve 6.661 votos (0,39%), ficou em 5º lugar e foi o candidato da esquerda combativa ao Senado mais bem votado, à frente de Marcos da UP e Dário Barbosa do PSTU. Apesar disso, foi uma votação um pouco menor que a de 2018, quando o PSOL recebeu 7.420 votos no professor Lailson.
Bancada de deputados e deputadas
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte, composta por 24 deputados e deputadas, passou por algumas mudanças no último pleito. No mandato atual, a bancada aliada do governo Fátima é maioria, com 13 deputados e deputadas. Para a próxima legislatura, Fátima passará a ter minoria, com previsão de apenas 9 deputados e deputadas na base aliada e 15 na oposição. A novidade para os próximos quatro anos foi o crescimento do PL, que será a segunda maior bancada, atrás apenas do PSDB.
A nova configuração deve colocar o PT mais à direita para negociar a aprovação de pautas do governo. Dois deputados do PT já deram um indício de como vão proceder, que é o conhecido método da “governabilidade” petista. Francisco do PT disse, em entrevista à Tribuna do Norte no dia 07.10, que “já existem diálogos em andamento e acredito na possibilidade real de uma bancada consistente de apoio ao governo”. Divaneide, atual vereadora de Natal pelo PT e eleita deputada estadual, disse na mesma matéria que “maioria na Assembleia se constrói no diálogo”. O que o Partido dos Trabalhadores irá negociar para conseguir a governabilidade? São os direitos da classe trabalhadora? A governadora Fátima fez recentemente uma Contrarreforma da Previdência estadual para servidores e servidoras. Esse é um indício do que está por vir?
A candidatura para deputado estadual apoiada pela LSR, a do professor Joaquim, obteve 508 votos. Ela foi importante por representar um setor combativo do partido e da classe trabalhadora. Joaquim é servidor aposentado da saúde e professor da ativa e constrói as lutas coletivas no dia a dia.
Ainda sobre a Assembleia Legislativa, foi eleito pelo PL o miliciano Wendell Lagartixa, que foi o deputado estadual mais bem votado. Descrever a biografia dele parece um exercício de ficção científica, mas ele é um policial militar reformado, já foi apontado pelo Ministério Público por participar de grupo de extermínio e pouco antes das eleições estava preso por ser suspeito de triplo homicídio. Foi solto a quinze dias do pleito e sofreu um estranho atentado que gerou comoção popular e que alavancou a sua votação. Ele também já havia perdido a filha em uma emboscada armada por uma facção local. Lagartixa se coloca como cristão, conservador e como um justiceiro que irá combater o crime, sendo essa uma das ironias da vida real.
Existe a possibilidade de Lagartixa não assumir o mandato porque o Ministério Público Eleitoral está pedindo a cassação do seu registro de candidatura por uma acusação de porte de munição de uso restrito. O caso vai ser julgado pelo Tribunal Superior Eleitoral. Lagartixa fez “dobradinha” com o Sargento Wendell Gonçalves (PL), apelidado de “Lagartão”, que se elegeu deputado federal.
Para deputados e deputadas federais, a nova configuração é a do PT com dois mandatos, sendo Natália Bonavides a mais votada, dois do União Brasil e quatro do PL. Dentre os do PL, metade é de bolsonaristas (General Girão e Sargento Gonçalves) e a outra de oportunistas (João Maia e Robinson Faria). Ainda assim, não é irrelevante que o partido de Bolsonaro tenha ganhado metade das oito cadeiras.
A candidatura coletiva para deputadas federais vinda das lutas estudantil, sindical e popular apoiada pela LSR, Camila e Juntas, teve 1.710 votos. Foi um desempenho um pouco menor que o de vereadoras de Natal em 2020, quando tiveram 1.778 votos. Desempenho inferior também ao de Aldiclésio, candidatura para deputado federal da LSR que foi a melhor votada do PSOL em 2018 com 2.787 votos.
PSOL
Existe um processo de encolhimento do PSOL RN que vinha acontecendo nas eleições passadas e que continuou nesse pleito. O partido vem sofrendo há alguns anos com falta de democracia interna, com a apresentação de candidaturas com perfil rebaixado e mais recentemente com a federação com a Rede e a falta de candidatura própria para o governo federal. Esses são alguns dos elementos que explicam o encolhimento do partido a nível local e é por isso que mesmo candidaturas combativas que o partido apresenta não conseguem ter o mesmo nível de inserção na classe trabalhadora que tinham em períodos anteriores.
Nacionalmente, o PSOL aumentou a sua bancada federal e elegeu deputades estaduais e distritais que representam a classe trabalhadora em sua diversidade, com mulheres, negras e negros, indígenas, militantes de movimentos sociais, pessoas LGBT+, lutadoras e lutadores. Apesar disso, o partido abriu mão de ter candidates ao Senado e ao Governo em diversas cidades para abrir espaço para o campo democrático-popular. A falta de candidatura ao governo federal também contribuiu para que o debate eleitoral fosse bastante rebaixado, com apagamento de pautas classistas e restrição das discussões a questões como a da corrupção, o que é insuficiente.
O PSOL abriu mão de fazer uma disputa mais ampla da consciência da classe trabalhadora e ajudou a abrir espaço para o conservadorismo e para as forças do atraso. Esse relativo apagamento do partido nacionalmente pode significar um encolhimento no futuro próximo de forma parecida com o que vem acontecendo no RN.
É possível reverter esse cenário fortalecendo o PSOL como uma alternativa de esquerda à conciliação de classe para enfrentar o bolsonarismo. Será igualmente necessário o PSOL se organizar de forma radicalmente democrática. Tudo isso só será possível se mais lutadoras e lutadores se envolverem nessa construção que precisa ter no horizonte uma sociedade livre da exploração e das opressões, uma sociedade socialista!
Nossas tarefas
Eleger Lula para termos um cenário mais favorável é necessário e, para isso, o foco no diálogo com os setores que não votaram em Bolsonaro no primeiro turno será uma tática importante. A vida nos últimos quatro anos piorou significativamente e não queremos repetir o descalabro que está sendo o atual governo. Apesar disso, as eleições são apenas uma parte de nossas tarefas e, considerando a conformação com a qual saímos das eleições e que o bolsonarismo não sumirá depois do dia 30 de outubro, não é a maior delas.
É preciso recordar que foram os movimentos de massa da classe trabalhadora organizada que historicamente conseguiram conter a extrema direita e o fascismo. Por isso, a classe trabalhadora potiguar precisará se organizar para evitar retrocessos e conquistar direitos e, para isso, um elemento central está colocado desde já: junto com a derrota do genocida nas urnas, é preciso construir as lutas e mobilizações da classe trabalhadora para o agora e para o próximo período, a exemplo da resistência contra os cortes na educação no dia 18 de outubro e as próximas datas do calendário de lutas.
Para enfrentarmos os desafios que virão, com um governo Fátima mais à direita e com o bolsonarismo ainda forte, fazemos um convite para as lutadoras e lutadores potiguares virem se organizar junto da LSR RN!