Eleições, lutas e PSOL no Rio Grande do Norte – um ano de muitos desafios para os socialistas e para a classe trabalhadora potiguar
As lutas para derrotar Bolsonaro, os seus aliados e o bolsonarismo também passam pelos estados e por suas dinâmicas políticas. O ano de 2022 será um período importante para fortalecer essas lutas nas ruas e nas urnas. Será um ano para seguir fortalecendo uma alternativa socialista contra a extrema-direita e a direita tradicional, sem deixar de apresentar os limites da conciliação de classes, que foi o que permitiu o golpe de 2016 contra Dilma e que contribuiu para nos trazer ao cenário em que estamos. Por essas razões, é fundamental analisar e intervir nas dinâmicas estaduais e aqui abordaremos alguns elementos sobre o Rio Grande do Norte.
A provável reeleição de Fátima Bezerra para o governo
O estado do RN é atualmente governado por Fátima Bezerra (PT), que aparece nas pesquisas como a mais provável vencedora da disputa para o governo em 2022. Elencamos três motivos fundamentais que explicam essa provável reeleição.
Um primeiro motivo é que o atual governo segue a mesma linha de conciliação de classes que caracterizou o Partido dos Trabalhadores nos períodos das presidências de Lula e Dilma. Nesse sentido, tem feito alianças com diversos partidos, inclusive os de direita. No RN, parte do PSDB é base aliada. Esse é o mesmo partido do prefeito de Natal, o bolsonarista Álvaro Dias, com quem Fátima tem tido atritos especialmente na forma de gestão da pandemia.
Isso tem contribuído para enfraquecer a possibilidade da extrema direita e da direita lançarem candidaturas competitivas contra Fátima. Um exemplo disso é que Álvaro Dias foi um dos nomes cogitados para ser candidato ao governo, mas teria que enfrentar um partido rachado.
Essa linha conciliatória tem limites, mas, no momento, tem contribuído para as alternativas da extrema-direita e da direita tradicional não terem nomes competitivos e, do outro lado, para a esquerda combativa ter dificuldades em se colocar como uma alternativa coerente que inspire confiança na classe trabalhadora.
Um segundo motivo é o fato de o povo potiguar ter derrotado parcialmente as oligarquias dos Alves e dos Maias durante as eleições de 2018, notadamente Garibaldi Alves e José Agripino Maia. O relator da Reforma Trabalhista e atual ministro do Desenvolvimento Regional, o algoz da classe trabalhadora Rogério Marinho, também não conseguiu se reeleger como deputado federal e, recentemente, foi acusado de envolvimento em um suposto esquema de superfaturamento na compra de tratores por uma estatal ligada ao seu ministério, a Codevasf. O esquema ficou conhecido como “tratoraço” e ganhou repercussão nacional. A oposição de direita até ensaiou uma CPI dos respiradores comprados durante a pandemia para tentar desgastar o governo, mas não encontrou resultados concretos.
Mesmo com esses limites, Rogério Marinho será candidato ao Senado pelo PL na mesma chapa que terá Fábio Dantas, ex-vice-governador de Robinson Faria, candidato ao governo pelo Solidariedade. Eles têm a máquina do governo federal ao seu favor e têm inaugurado algumas obras no estado com a participação de Bolsonaro. Dentre elas estão a transposição do Rio São Francisco, inaugurada por Bolsonaro sem água, e a estação ferroviária de Cajupiranga, em Parnamirim, também inaugurada por Bolsonaro, mas que ainda não funciona. Há outras obras pelos interiores, inclusive em local próximo a terras particulares de Rogério Marinho, o que é outro escândalo. Os recursos do orçamento secreto também estão alimentando essa máquina.
Em terceiro lugar, é um elemento político que os governos anteriores, de Robinson Faria e Rosalba Ciarlini, foram verdadeiros desastres. No período anterior a Fátima, o funcionalismo teve seus salários atrasados, o fundo público de previdência foi saqueado pelo governo estadual para pagar salários de servidores da ativa, houve diversas greves e um verdadeiro desgoverno. O governo atual, por outro lado, coloca-se como bom gestor da máquina pública e, nesse sentido, é um governo que paga os salários em dia, fez alguns concursos públicos e negocia minimamente com os sindicatos. Isso não significa, contudo, que as coisas aconteçam na mais completa harmonia.
O governo Fátima se desgastou fazendo uma reforma da previdência estadual, passou alguns meses sem manter relações com o Fórum dos servidores e servidoras do estado, optou por não pagar de imediato as folhas salariais deixadas em atrasado pelo governo Robinson e vem enfrentando diversas greves do funcionalismo. Não pagar imediatamente as folhas atrasadas do governo anterior para esperar recursos extras foi uma escolha política do governo do PT e diversas lutas aconteceram até que, quase ao fim do governo, fosse apresentado um calendário de pagamento. Fátima e seu partido promoveram uma auto exaltação por não deixarem de pagar essa dívida, mas a verdade é que as servidoras e servidores tiveram que fazer diversos atos, reuniões e muita luta para saírem com a vitória.
As greves estaduais, por sua vez, tiveram relação com o aumento do custo de vida durante o período da crise do capitalismo pandêmico. Elas giraram em torno de questões salariais, condições de trabalho e carreira e envolveram categorias tais como policiais civis, Detran, Fundase e Ipern. Também houve uma luta importante pelo cumprimento da Lei do Piso pelas professoras e professores do estado. Essa foi uma das mais emblemáticas, pois Fátima é professora, foi dirigente sindical do SINTE e foi relatora da Lei do Piso no Senado. Apesar disso, ela vinha apresentando propostas rebaixadas, que tratavam de forma diferenciada ativos e aposentados e que dependiam de aprovação judicial para serem implementadas. A categoria conseguiu o cumprimento dos 33,24%, mas com diversos parcelamentos que chegarão ao ano de 2023.
Um governo de esquerda precisa ajudar a enfrentar os ataques à classe trabalhadora
Embora o Rio Grande do Norte seja um estado economicamente atrasado, em que predomina a indústria extrativista, a agropecuária, o comércio e um recente crescimento dos parques eólicos de geração de energia elétrica, no período mais recente ele passou por alguns recordes de arrecadação de tributos, segundo a Secretaria de Estado da Tributação (SET). Parte disso se deve ao aumento da exportação de produtos agrícolas e à elevação constante do preço dos combustíveis, o que eleva a arrecadação via ICMS, um dos mais importantes impostos estaduais.
O governo Fátima, portanto, administra um estado que tem e produz as suas riquezas. Essa gestão, contudo, não questiona a lógica colocada pelo capital de teto de investimentos públicos e de corte de direitos, que são as principais razões do sucateamento de diversas políticas/órgãos públicos e da não prestação/efetivação de direitos à população. É verdade que houve alguns avanços com a reabertura de equipamentos públicos, tais como: a Fortaleza dos Reis Magos, a Pinacoteca, o Teatro Alberto Maranhão e a Biblioteca Câmara Cascudo, mas, no geral, é um governo que se coloca apenas como bom administrador da coisa pública, com avanços sociais limitados.
Um exemplo disso foi a naturalidade com que o governo Fátima aprovou a contrarreforma da previdência estadual sob a justificativa de que era necessário fazê-la por obrigatoriedade da contrarreforma de Bolsonaro. Não houve qualquer nível de enfrentamento. Outro exemplo foi a criação da Secretaria de Estado das Mulheres, da Juventude, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos (SEMJIDH), que, embora represente um avanço importante, praticamente não recebeu recursos orçamentários para funcionar e troca constantemente de secretária, o que dificulta a continuidade das ações em diversas pautas de Direitos Humanos.
Um governo da classe trabalhadora não pode aceitar passivamente a lógica de enxugamento da máquina pública imposta pelo capital e seus representantes. No entanto, não apenas o governo Fátima tem aceitado, como isso tem prejudicado a classe trabalhadora. Um exemplo concreto é que essa gestão optou por seguir oferecendo diversas isenções fiscais para os industriários da FIERN e para a rede hoteleira, mas não pagou nenhum auxílio emergencial para a classe trabalhadora durante a pandemia, como fez a Prefeitura de Belém, dirigida pelo PSOL, e o estado do Pará.
O PT ressuscitou as oligarquias
Atualmente, o vice-governador do RN é do PCdoB, mas, quando passou pelo estado ao final de 2021, Lula reuniu o PT com a oligarquia dos Alves do MDB para que eles compusessem a nova chapa para o governo. Essa aliança foi selada recentemente, no fim de abril, com o anúncio feito em um vídeo de Lula com Fátima e Wagner Alves (MDB). Esse foi um movimento de ressuscitar os mortos, pois os Alves foram derrotados nas urnas pelos e pelas potiguares nas eleições de 2020.
Nesse mesmo sentido, já está confirmado que Carlos Eduardo Alves (PDT), que disputou as eleições em 2018 contra Fátima se colocando no campo de Bolsonaro, será candidato ao Senado na chapa do PT. Ele agora se diz “arrependido” de ter surfado na onda do bolsonarismo. Contudo, com o histórico dele na gestão municipal de Natal e com a política que apresenta, em tal discurso é difícil de acreditar…
O movimento de Lula de buscar apoio para se eleger e, eventualmente, governar, passa pelos acordos estaduais. É isso o que também está acontecendo em estados como a Bahia, em que Jerônimo Rodrigues (candidato do PT) deve ter Geraldo Júnior (do MDB) como candidato a vice. As mesmas alianças que levaram ao golpe de 2016 e abriram espaço para o bolsonarismo vão se repetindo e, embora Lula seja de fato o candidato com maiores chances de derrotar Bolsonaro, a forma como isso será feito e o programa que será defendido dentro dos limites dessa aliança com a burguesia dirá muito sobre que caminhos serão seguidos após uma possível vitória.
Há, portanto, a necessidade e o espaço para uma alternativa de esquerda que mostre as consequências nefastas do bolsonarismo para a classe trabalhadora e que apresente os limites de se aliar às oligarquias, à direita e ao capital. O PSOL RN ter uma candidatura própria ao governo, como de fato terá, é algo importante para nos fortalecer para as eleições e para o terceiro turno, ou seja, para o pós-eleições.
E o PSOL?
O quadro atual é o de Fátima vencer as eleições em todos os cenários. Segundo a última pesquisa eleitoral (TN/Ipespe), ela está com 34% e o Senador Styvenson (do Podemos, policial militar e bolsonarista) aparece em segundo lugar, com 13%. A questão é que Styvenson ainda não lançou a candidatura para o governo e não é certo que lance. O terceiro na pontuação é Ezequiel Ferreira, do PSDB e presidente da ALRN, com 8%. Dificilmente ele será candidato. A chapa de Fábio Dantas-Rogério Marinho, como foi lançada nos últimos dias, ainda não apareceu nas pesquisas.
O PSOL RN, corretamente, terá candidatura própria para o governo do estado, que será a de Danniel Morais. Será uma tarefa fundamental apresentar um programa para a superação da crise e para o combate à extrema direita e à agenda neoliberal. É importante também considerando que o PSOL não terá uma candidatura própria para a presidência e sequer em estados como São Paulo e Rio de Janeiro.
Enfrentaremos alguns obstáculos ligados ao nome por se tratar de um homem branco, cis e hétero sem um histórico de militância de base, o que confronta com a própria Fátima: mulher negra, lésbica, professora e ex-dirigente sindical. No entanto, isso é algo contornável na medida em que o conjunto do PSOL, com apoiadores e simpatizantes, coloque-se nas ruas para defender seu programa e para expressar a sua diversidade de gênero, raça e identidade sexual bem como seu enraizamento em diversos setores da classe trabalhadora.
O partido chega a 2022 no meio de uma encruzilhada histórica sobre qual é o seu papel na atual conjuntura. O PSOL foi um dos partidos que mais cresceu em 2021. Isso foi o resultado dos acúmulos políticos desde a sua fundação, de suas posições consequentes e de sua localização à esquerda do PT. Nas eleições de 2020, o partido cresceu nacionalmente em votação e em bancada. No Rio Grande do Norte, no entanto, o partido encolheu. A sua votação diminuiu junto do número de cadeiras no ínterim das duas últimas eleições municipais da capital: 2016 e 2020.
Em 2016, o partido obteve 24.422 votos para a chapa majoritária de Robério-Ingrid e obteve 17.033 votos em suas vereadoras e vereadores, somando-se os resultados de cada uma e cada um. Já em 2020, o partido obteve 3.959 votos na Coletiva do Sol para a Prefeitura do Natal e 9.346 votos somando todos os votos para vereadoras e vereadores. O que gerou esse encolhimento?
Existe mais de uma resposta para essa pergunta. Uma delas é que Robério vinha em processo de acúmulo de outras candidaturas – a do governo em 2014 e a da prefeitura de Natal em 2012. Ele já era conhecido publicamente em 2016 e vinha de uma eleição marcada por um perfil bastante combativo em que a LSR e vários segmentos da classe trabalhadora potiguar tiveram um papel importante. Colocamos Robério e o PSOL como opositores das oligarquias e apresentamos pautas como grandes congressos de trabalhadores da educação para a elaboração de um plano estadual de educação, congresso semelhante para a saúde, recuperação dos hospitais regionais para desafogar o Walfredo Gurgel e zerar o analfabetismo. Isso contribuiu para elevar o perfil do partido.
Todo esse acúmulo que o PSOL vinha construindo se dissolveu através da candidatura de Carlos Alberto ao governo em 2018, um ativista empresarial que foi um dos diretores da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL). Essa foi uma decisão equivocada que o setor majoritário do PSOL – o MES – tomou e que custou caro para o conjunto da militância. A LSR e outras correntes foram contrárias a esse nome, que serviu para enfraquecer o partido.
A Coletiva do Sol, de 2020, por sua vez, veio de um processo diferente. Foi uma candidatura coletiva para a Prefeitura do Natal com algumas das pessoas se apresentando pela primeira vez para cargos do executivo e, sobretudo, houve limites em dar continuidade ao programa acumulado nas eleições anteriores.
A chave para o PSOL se colocar como alternativa em 2022, portanto, está na construção de um perfil combativo, que represente as lutas, que construa e apresente um programa de superação de problemas estruturais, como o da fome, do desemprego, da educação e saúde deficitárias. Em um estado periférico de um país periférico, apenas grandes lutas feitas pela classe trabalhadora serão capazes de superar esses obstáculos para vivermos em um lugar melhor.
Essa não será uma tarefa fácil em um contexto de aprovação da federação com a Rede, que não se apresenta sequer como um partido de esquerda. A Rede, no parlamento, vota a favor de medidas contra os trabalhadores e, apesar de ter um apelo para pautas que o PSOL discute, como a questão ambiental, é orientada por uma perspectiva “ecocapitalista” de buscar saídas “sustentáveis” dentro do sistema socioeconômico vigente.
O arco de alianças deveria ser com o PSTU, PCB e UP. Essa decisão, junto à opção de não apresentar candidatura própria, contribuem para um rebaixamento político do PSOL, para sua adaptação à institucionalidade e até mesmo indicam um risco de sua diluição. Não é gratuito o fato de que a justificativa para essa aproximação com a Rede seja um cálculo meramente pragmático de atingir o coeficiente eleitoral. É lamentável que esses grupos rasguem a história e trajetória do PSOL. Uma saída coerente com o que foi construído no partido até aqui seria a de radicalizar o programa, dialogando com uma camada relevante de trabalhadoras e trabalhadores que, com razão, depositam cada vez menos confiança nessa institucionalidade.
Que programa apresentar nas eleições?
Não se pretende aqui apresentar um programa acabado, mas, no sentido de ajudar a iniciar ou a aprofundar o debate, é preciso colocar que ele deverá passar pela elaboração de um programa de renda básica em nível estadual para pessoas de baixa renda de maneira a complementar os programas federais, construção de obras públicas pelo Estado para gerar empregos, taxação das grandes empresas do estado, maiores investimentos em serviços públicos, valorização salarial de servidoras e servidores públicos, redução do déficit habitacional em um cenário de aumento da população em situação de rua e sem teto, criação de restaurantes e lavanderias públicas para reduzir a carga do trabalho doméstico, dentre outros pontos que podemos aprofundar.
A candidatura do PSOL também precisa se colocar ao lado daquelas e daqueles que lutam contra diferentes formas de opressão, como as pessoas negras, Lgbtqia+, mulheres e pessoas com deficiência. Nossos direitos não são negociáveis e não podem ser comprometidos por receio de enfrentar o falso moralismo e conservadorismo que a direita se apoia para se promover.
É igualmente necessário ir além da institucionalidade burguesa e questionar medidas como as contrarreformas e cortes orçamentários. Pautas como um transporte 100% público e 100% gratuito com criação de empresas públicas de transporte nos municípios também precisarão ser colocadas na agenda política. Da mesma forma, devemos defender um modelo de democracia radical, com ampla participação popular nos processos de tomadas de decisão e com formação de conselhos populares de educação, saúde, segurança, etc.
Nesse momento de encruzilhada histórica, em que há diferentes caminhos que podem ser trilhados, o do PSOL precisa ser o de apresentar de forma firme e consistente uma alternativa capaz de combater a direita e a extrema direita. É necessário que nos preparemos para enfrentar o próximo período, o das eleições e o do pós-eleições, fortalecendo um polo socialista que não se adeque à institucionalidade burguesa – essa mesma institucionalidade que nunca foi capaz de resolver o problema da fome, da desigualdade e da miséria em centenas de anos. Ao contrário, esses problemas só se agravam e complexificam.
Apenas uma alternativa da classe e para a classe trabalhadora que aponte para a superação do sistema capitalista poderá superar a crise em que vivemos. O PSOL precisa representar essas demandas e lutas ou, do contrário, o seu futuro correrá sérios riscos.