Polarização, riscos e resistência na reta final da campanha eleitoral
O artigo que publicamos abaixo foi escrito no dia 01/10 e está sendo publicado em inglês na página do CIT (socialistworld.net) com vistas a um púbico de fora do Brasil, portanto não totalmente familiarizado com o processo político em nosso país, mas muito interessado em seus desdobramentos.
Os últimos dias que antecedem as eleições mais turbulentas da história recente do Brasil demonstram bem a polarização política que marca o país.
O candidato da extrema-direita, Jair Bolsonaro, um ex-capitão do Exército, defensor da ditadura militar e seus métodos de tortura e extermínio da esquerda, ainda está na frente nas pesquisas de opinião com 28 a 31%. Porém, seus níveis de rejeição são altíssimos. Cerca de 42 a 46% do eleitorado não votaria nele em hipótese alguma.
Seu crescimento eleitoral funcionou como uma provocação sobre amplos setores da população alvos de sua retórica misógina, racista, LGBTfóbica e contraria aos interesses dos trabalhadores. Seus níveis de rejeição entre as eleitoras mulheres chega a 52%, enquanto entre os homens é de 38%.
O risco de uma vitória eleitoral de Bolsonaro provocou o surgimento de uma ampla campanha em torno da palavra-de-ordem #EleNão (#NotHim). No dia 29 de setembro, ocorreram manifestações de massas por todo o país em torno dessa demanda. Centenas de milhares tomaram as ruas em todas as capitais dos estados e outros milhares em centenas de municípios. Em todo o país, estima-se que o número de manifestantes chegou perto de um milhão pessoas, em sua maioria mulheres, jovens, trabalhadores.
A base social de Bolsonaro é principalmente formada por homens mais velhos de classe média e os extratos mais ricos da sociedade. Seu apoio concentra-se principalmente nas regiões sul e sudeste do país, onde há um contingente expressivo de classe média. Além das mulheres, sua rejeição também é bastante alta entre os setores mais pobres (55% para quem ganha até 2 salários mínimos) e principalmente no nordeste do país onde essa rejeição atinge 61%.
No dia 6 de setembro, enquanto estava em campanha nas ruas de Juiz de Fora (estado de Minas Gerais), Bolsonaro foi atacado por um indivíduo com uma faca que perfurou seu abdômen com certa gravidade. A relativa comoção gerada pelo atentado ajudou Bolsonaro e impactou profundamente sobre a dinâmica das intenções de voto. Adversários dentro do próprio campo burguês tiveram que atenuar seus ataques e críticas. Bolsonaro obteve também um álibi para não participar de debates entre os candidatos onde seu desempenho é pífio.
Nessa campanha eleitoral, Jair Bolsonaro passou a adotar uma retórica neoliberal mais explícita, deixando seu programa econômico nas mãos de um banqueiro/economista ultra neoliberal. Com isso Bolsonaro se afasta de um certo nacionalismo-estatista que foi típico de um setor das Forças Armadas no Brasil, inclusive durante a ditadura civil-militar de 1964 a 1985.
Mas, apesar de ser um candidato apoiado pelos ricos, profundamente reacionário e defensor de medidas neoliberais anti-populares, Bolsonaro ainda é visto por uma ampla parcela da população como alguém de fora do sistema político. Mesmo sendo deputado federal há 28 anos, Bolsonaro construiu uma imagem de quem não está nos grandes esquemas dos políticos profissionais e até mesmo das grandes empresas e a grande mídia.
Esse perfil antissistêmico é acoplado a uma postura radicalmente anti-PT, fazendo uma relação direta entre esquerda e corrupção, com uma retórica ao mesmo tempo anticomunista e moralista. Junta-se tudo isso também uma imagem de alguém que vai enfrentar os problemas relacionados à segurança pública com mão de ferro. Corrupção e violência são dois problemas reais que foram utilizados para capturar o apoio eleitoral de uma classe média que cada vez mais e move pelo medo e pelo ódio.
Esse sentimento de oposição ao sistema como um todo acabou sendo majoritariamente utilizado pela direita brasileira, principalmente pelos limites e lentidão do processo de construção de uma nova esquerda radical, anticapitalista e socialista. O campo de esquerda e de contraponto a Bolsonaro ainda é hegemonizado pelo PT e pelo campo Lulista de forma geral, um campo marcado pela defesa da conciliação de classes e uma atuação institucional que não se diferencia do atual sistema político decadente.
Fernando Haddad, Lula e o PT
Em segundo lugar nas pesquisas está o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT), Fernando Haddad, ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da educação durante o governo de Lula. Haddad foi apresentado como candidato pelo PT diante do impedimento judicial para que Lula pudesse concorrer. Lula permanece preso nas dependências da Polícia Federal em Curitiba desde abril deste ano.
Sua condenação judicial em segunda instância em tempo recorde foi obtida de forma juridicamente arbitrária e politicamente motivada com o evidente objetivo de retirá-lo da disputa eleitoral. Nas últimas pesquisas de opinião em que seu nome foi apresentado, obtinha quase 40% das intenções de voto. Haddad, apresentado ostensivamente como candidato de Lula, saltou de cerca de 2% nas primeiras pesquisas para os atuais 22%. Esse crescimento só se explica pela transferência de apoio anteriormente dado a Lula.
O enorme desgaste que o PT sofreu em consequência das denúncias e condenações por corrupção no âmbito da chamada “Operação Lava Jato” (Car wash operation) foi amenizado e revertido em parcelas da sociedade. A principal razão dessa inflexão é o absoluto desastre representado pelo governo de Michel Temer. Temer substituiu Dilma Rousseff em 2016 após a manobra golpista organizada sob a forma de processo de impeachment e implementou um duríssimo programa de cortes e ataques aos direitos sociais em um contexto de profunda recessão.
A comparação entre a terrível situação atual, com alto desemprego, pobreza e piora das condições de vida, e os anos do auge do Lulismo no poder, quando o boom das commodities favoreceu o crescimento econômico no Brasil, serviu como grande impulsionador da popularidade de Lula. Junto com isso, sua prisão arbitrária e a perseguição política que sofreu reforçaram a imagem de mártir e líder popular injustiçado pelas elites.
O PT respondeu ao golpe de 2016 com moderação. Priorizou as negociações de cúpula para tentar recompor sua base de apoio no Congresso e nas instituições políticas. Os ensaios de resistência sempre foram limitados. De um lado, havia a insatisfação popular diante das políticas de austeridade já adotadas pelo governo Dilma Rousseff. Mas, havia também o medo de perder o controle da situação. Foi assim na luta contra o impeachment/golpe e também na campanha pelo Fora Temer e contra suas contrarreformas e ataques.
Ainda hoje, o PT aposta no convencimento das classes dominantes de que o caminho Bolsonaro é extremamente arriscado até para eles mesmos. De fato, a burguesia brasileira apostou tudo o que podia na tentativa de construir uma candidatura mais confiável e orgânica de sua classe com um claro programa neoliberal, uma espécie de Maurício Macri (presidente argentino) brasileiro. Mas, esse projeto fracassou. Geraldo Alckmin, do PSDB (Partido da Social-Democracia Brasileira), tem hoje, a poucos dias da eleição, em torno de 10% das intenções de voto apenas.
Mantendo-se o cenário e a dinâmica atual no processo eleitoral, deveremos ter um segundo turno extremamente polarizado entre Bolsonaro e Haddad. O PSDB, principal partido da burguesia, perdeu a posição de maior opositor ao PT nas eleições. Desde 1994, todas as eleições presidenciais viram uma disputa direta entre PT e PSDB. Dessa vez o anti-petismo foi encarnado por Bolsonaro, que atraiu a grande maioria dos eleitores do PSDB.
Por mais moderada e conciliadora que seja a linha política adotada pelo PT, a polarização tende a ser extrema. Combater Bolsonaro que, apesar de tudo, tem chances reais de vitória, passará a ser a prioridade para milhões de trabalhadores, mulheres e jovens. Nesse processo, esses setores tendem a se politizar e isso pode oferecer uma oportunidade para que parcelas cada vez maiores dos trabalhadores compreendam os limites do PT e abra espaço para que uma esquerda socialista consequente, não iludida com a conciliação de classes, possa dar passos adiante.
Boulos e Guajajara pelo PSOL
A candidatura de Guilherme Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) para presidente e Sônia Guajajara, liderança indígena, como vice-presidente, pelo PSOL (Partido Socialismo e Liberdade) em aliança com o PCB (Partido Comunista Brasileiro) e vários movimentos sociais, ajudou a plantar uma semente de renovação da esquerda nessa campanha eleitoral.
A campanha envolveu milhares de ativistas e apoiadores dos movimentos sociais, de mulheres, da juventude, sindicalistas, etc. Serviu para dar visibilidade a uma alternativa de esquerda ao próprio PT e ajudará no processo de reorganização da esquerda brasileira no próximo período.
A candidatura de Boulos e Guajajara sofreu com a enorme pressão pelo chamado “voto útil”, ou voto no menos pior, para derrotar Bolsonaro. Grande parte do voto potencial que o PSOL poderia receber acabou direcionando-se para Haddad do PT ou mesmo Ciro Gomes, um candidato burguês de centro-esquerda do PDT (Partido Democrático Trabalhista). O medo diante da possibilidade de uma vitória de Bolsonaro falou mais alto, apesar da enorme simpatia em torno dos candidatos do PSOL.
Apesar da provável votação mais baixa do que o esperado na eleição presidencial, o PSOL deverá fazer crescer sua bancada parlamentar em âmbito federal e nos estados. O partido deve sair do processo eleitoral com uma base mais ampla e em condições de estimular a renovação da esquerda brasileira aprendendo-se com os erros, desvios e mesmo degeneração do PT no período anterior.
Estamos há pouquíssimos dias da votação em primeiro turno e o Brasil ainda vive um ambiente de extrema instabilidade e volatilidade na esfera política e social. Mudanças repentinas podem acontecer. Aliás, esse será o cenário não apenas para o processo eleitoral, mas para o país no próximo período. Cabe à esquerda socialista revolucionária, o CIT no Brasil em particular, preparar-se para as grandes e decisivas batalhas que virão.