A crise duradoura do capitalismo mundial
A característica dominante diante da classe trabalhadora e dos pobres em todo o mundo é a duradoura crise econômica do capitalismo global. Não há saída fácil ou rápida para o capitalismo de sua pior calamidade econômica desde a década de 30. As conseqüências da colossal bolha ou bolhas financeiras, que pareciam lançar o capitalismo à estratosfera econômica – um novo “paradigma” – agora agem como uma maciça barreira a um renascimento sustentável da economia capitalista.
A “recuperação” será anêmica e pode ser de muito curto-prazo. O CIT em sua reunião do Comitê Executivo Internacional (CEI) em dezembro concluiu que a burguesia mundial, aprendendo da Grande Depressão da década de 1930, moveria o céu e a terra para evitar um resultado similar hoje. E isso foi feito. O imenso salvamentos resgate ao do sistema financeiro, chegando a 14 trilhões de dólares no mundo todo – quase o equivalente ao PIB da maior economia do mundo, a dos EUA – combinado comà pacotes de estímulo, tiveram algum resultado diminuindo os efeitos da crise, mas não atacaram as raízes do problema.
A crise econômica mundial abriu uma nova era para o capitalismo, para o conjunto da classe trabalhadora e também para as forças do CIT. Ocorreram lutas significativas da classe trabalhadora e da juventude em vários países europeus. Na Grã-Bretanha, as greves e ocupações envolvendo os trabalhadores de Lindsey, Linamar, Visteon, Vestas e dos correios representam uma importante mudança. A Irlanda experimentou greves dos trabalhadores eletricitários, do setor público, da Coca Cola, estivadores e outros, ilustrando quão explosiva a situação pode se tornar. Na França, o “sequestro de patrões” e ocupações de empresas, duas greves nacionais, assim como as greves gerais na Grécia, junto com o movimento da juventude, refletem os sentimentos existentes abaixo da superfície. Junto com os movimentos da juventude na Alemanha e Áustria, essas mobilizações e muitas outras ilustram a disposição dos trabalhadores e jovens para lutar diante dos ataques da classe dominante.
No entanto, a ausência de uma clara alternativa socialista de massas, assim como o papel conservador e covarde dos líderes sindicais, limitaram por um período o modo como essas lutas se desenvolveram nesta etapa. Mas, a gravidade da situação que o capitalismo mundial enfrenta nos assegura que os novos momentos de conflito e a oposição dos trabalhadores e jovens aos efeitos da crise apresentaram maiores oportunidades para a classe trabalhadora e o CIT.
A análise histórica do CIT de que por quase 30 anos o capitalismo global se manteve sob “características características depressivas” é agora reconhecida por alguns economistas. Com a diminuição da demanda devido à piora na distribuição da riqueza com a classe trabalhadora, com lucros reduzidos, particularmente na indústria manufatureira e limitadas opções de investimentos produtivos lucrativos, uma solução foi encontrada na gigantesca expansão do setor financeiro e, com ele, do crédito. As medidas do neoliberalismo, de desregulamentação financeira e privatização, aprofundaram este processo. Isso tudo foi reforçadoum outro com o colapso do stalinismo, acompanhado pelo fim das economias planejadas, que abriu um novo campo de investimentos, de mercados – apesar queapesar de ter se dado de maneira limitada e abaixo das expectativas à época da queda do Muro de Berlim. Tudo isso resultou na aparência de um considerável crescimento do capitalismo. No entanto, as verdadeiras indústrias criadoras de riqueza dos países avançados se contraíram e foram terceirizadas paranos os antigos países stalinistas e o mundo neocolonial.
Isto não resultou numa expansão substancial do capitalismo, certamente não nos níveis de 1950-75. Na verdade, o colapso do único rival à hegemonia capitalista – o modelo stalinista, sobretudo na Rússia – serviu para mascarar o problema da estagnação. O setor financeiro – e não o industrial – recebeu um impulso. O número de empregos na manufatura nos EUA, por exemplo, caiu de um patamar já baixo de 17 milhões para catastróficos 12 milhões durante a crise. Como resultado, medidas protecionistas – que já tinham sido antecipadas – agora aumentaram com sindicatos americanos de siderúrgicos e metalúrgicos exigindo tarifas contra bens industriais estrangeiros, particularmente da Ásia. Sentimentos protecionistas similares são evidentes na Europa com os problemas da General Motors. ConsequentementeConseqüentemente, um processo de desindustrialização passou a ocorrer nos países desenvolvidos. A ironia é que a atual crise global desmascarou fraquezas do capitalismo mundial que se desenvolviam durante um longo período, de uma forma semelhante à crise que existiu nos países stalinistas, especialmente na Alemanha Oriental, onde muitas contradições ficaram escondidas até o momento de colapso.
O setor financeiro, como uma linha vital do capitalismo, sofreu uma experiência de quase morte nesta crise, apesar de que é inconcebível que o capitalismo global possa existir sem um sistema de crédito desenvolvido. Mas este setor é agora visto como “socialmente inútil”- em contraste ao agora favorecido setor manufatureiro – segundo as palavras de um dos capitães da indústria britânica, Adair Turner. Na verdade, o capitalismo como um todo é cada vez mais visto como “socialmente inútil” por suas vítimas, a classe trabalhadora, particularmente os desempregados e pobres. De fato, Barry Eikengreen e Kevin O’Rourke, dois dos economistas que compararam a Grande Depressão da década de 1930 com a “Grande Recessão” de hoje concluíram que, até agora, a situação econômica atual se iguala aos eventos de 1929-1933.
A economia americana viu uma perda de oito milhões de empregos em dois anos. Os pacotes de estímulo de Obama, metade já em andamento, produziram uma modesta geração de um milhão de empregos. No Reino Unido, a política de salvamento “quantitative easing” (injeção de dinheiro na economia) já gastou mais de 200 bilhões de libras (500 575 bilhões de reais), com setores da burguesia em pânico com sua ineficácia até o momento e exigindo o gasto de pelo menos mais 50 25 bilhões de libras (70 bilhões de reais), como forma de tirar a economia britânica deste “Triângulo das Bermudas”. Isto, porém, é consensualmente o “limite”, o último recurso para resgatar a economia britânica. O sucesso não é certo, mas a alternativa oferecida pelo “governo em espera” dos Tories (Partido Conservador) de Cameron – passar a faca e cortar o orçamento público – não apenas acabará com qualquer chance de recuperação como também irá gerar a maior agitação social no país desde o período imediatamente anterior à greve geral de 1926.
Na realidade, o capitalismo mundial transferiu as imensas dívidas do setor privado para os ombros do Estado. Isto provocou uma colossal oposição de classe e a demanda de que esses banksters [junção de banqueiros e gangsters] fossem punidos. Sua libertinagem extravagância e alto estilo de vida agravaram a presente crise econômica que arruinou a vida de milhões de trabalhadores. Ainda assim, ao contrário da crise nas Savings and Loans (Poupanças e Empréstimos) nos EUA nos anos 1980, quando mais de mil banqueiros foram julgados e presos, agora até mesmo dois chefes do Bear Sterns acusados de ofensas financeiras foram recentemente absolvidos. Para piorar a situação, a generosidade distribuída pelos governos aos bancos não foi usada para estender o crédito às indústrias em dificuldades, particularmente aos “peixes pequenos” dos pequenos negócios e bancos. Mais de cem pequenos bancos colapsaram somente nos EUA. Em vez disso, os banksters canalizaram os fundos do governo para reconstruir seus balanços, pagando imensos bônus (apenas 117 banqueiros serão afetados pelos limites aos bônus impostos por Obama) e desencadeando uma nova orgia de especulação e bolhas financeiras no recém turbulento exaltado “carry trade”. Na situação pós-quedacrash, isto levou a volta do “apetite por riscos” – – a mesma busca por lucros cada vez maiores que levou ao derretimento financeiro.
Queda Dupla
Esta acumulação de “ativos de risco” poderia,poderia, como Nouriel Roubini alertou, levar a uma crise financeira ainda maior que aquela que precedeu o colapso econômico. Daí a concordância atual de setores sérios dos economistas burgueses com as avaliações do CIT de que uma queda dupla de algum tipo – crise em formato de ‘L’, ‘W’ ou em forma de “saxofone” – é mais provável. Alguns agora comparam a situação a um “bungee jump”: “A economia cai de um penhasco. A atividade vai lá pra baixo. Então há um quique. Por um momento, o quique parece muito bom e é fácil para economistas se agarrarem a suas previsões convencionais de recuperação. Mas a economia nunca volta ao normal, ao contrário, ela é deixada pendurada por um fio.” Serão as “ervas daninhas verdes” herdadas do último período e não os “brotos verdes” que irão dominar, impedindo qualquer recuperação real. Apesar dos governos de todo o mundo terem colocado o setor financeiro numa UTI, o paciente está longe de uma melhora. Por exemplo, há a massiva acumulação de credit default swaps (CDS) ( contratos financeiros bilaterais de proteção entre compradores e vendedoretítulo que você compra para se proteger contra calotes) nos livros dos bancos. Ao mesmo tempo, os consumidores dos EUA, o mercado de última instância e ainda o maior do mundo, reconstruíram suas poupanças em cerca de 4% do PIB, mas também estão sendo tentados a investir nesses “ativos de risco”, que estão alimentando uma nova bolha e irão resultar num aprofundamento dos devastadores efeitos sociais da crise sobre o povo estadunidense.
No momento, as economias dos EUA e Europa parecem estar tecnicamente saindo da recessão. Mas “ainda sentimos como se fosse uma recessão” [Financial Times – jornal americano]. Os preços de ações subiram, assim como o preço do petróleo. Há uma busca por segurança e “qualidade” através dos investimentos em ouro e commodities. Houve um certocerto retorno nas economias dos BRIC – particularmente Brasil e China que experimentaram significativas taxas de crescimento. Um aumento do R$real levou à medidas do governo Lula para taxar o influxo de capital especulativo. O regime chinês – com seu significativo setor estatal – foi capaz de realizar as mais bem sucedidas medidas de estímulo, que resultaram em crescimento significativo. O regime de Beijing ainda impulsionou o fortalecimento do setor estatal enquanto a indústria privada jogou um papel limitado neste crescimento. Ao mesmo tempo, há uma bolha financeira chinesa inflando e que pode estourar a qualquer momento, repercutindo de volta na “economia real”.
De qualquer forma, a tentativa de “re-equilibrar” a economia mundial será natimorta. China, Índia e outros países em desenvolvimento não podem compensar totalmente a contração do consumo nos EUA e sua dívida colossal. Ao mesmo tempo, a ideiaidéia sugerida pelo FMI de que a moeda chinesa, o yuan, poderia ou substituir ou atuar paralelamente ao dólar como uma reserva mundial não é uma opção. O yuan poderia atuar como um meio de troca entre a China e países na África, América Latina e Ásia, que eles tentam atrair para um bloco comercial. Direitos especiais Especiais de retirada Saque (SDRs) também são cotados como uma alternativa. Mas a economia dos EUA permanece a economia esmagadoramente dominante e mais forte do mundo e – apesar de todos os perigos e complicações – o dólar ainda será forçado a agir como a moeda mundial. Ela caiu em outubro de 2009 para o valor mais baixo dos últimos 14 meses. Isto aumentou a competitividade da indústria dos EUA mas, mas também da chinesa pois, pois o yuan é atrelado ao dólar. Isso ocorreu em detrimento do resto do mundo. Enquanto o dólar não pode ser substituído por moeda rival alguma, é possível que uma mescla de moedas sobretudo, sobretudo euro e yuan teriam um papel fundamental nas reservas dos governos nacionais junto ao dólar. Mas é improvável que isso re-equilibre a economia, o que poderia liberar os países e regiões mais expostos aos efeitos contínuos da crise.
Este é particularmente o caso na Europa central e oriental, onde a diferença entre uma “recessão” e uma “depressão” é meramente acadêmica. De acordo com o Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento, a queda no PIB dos “países em transição” será em média de 6,2% em 2009. Mas as quedas variam bastante, as maiores sendo 18,4% na Lituânia, 16% na Letônia, 14% na Ucrânia e 13,2% na Estônia, descritos como “números de depressão” por Martin Wolf, do Financial Times. A economia da Eslovênia se contrairá em 6,5%, a da Eslováquia em 6% e a da República Tcheca em 4,3%. A Hungria também está em queda e não apenas a classe trabalhadora mas, mas também a classe média está se empobrecendo. “É uma catástrofe. As coisas não podiam estar piores.” ”, reclamou um trabalhador de construção húngaro para o jornal The Guardian. Na Rússia, após os “gloriosos” dias de petróleo em alta, volta-se aos dias sombrios do período imediatamente após a queda do stalinismo, no começo da década de 90. Cidades inteiras como Togliatti – – “mono-cidades” que dependem da manufatura de um único produto – estão à beira da falência com dezenas de milhares sendo demitidos. O regime bonapartista de Medvedev e Putin – com um leve “verniz” de “democracia” – – vai ser atormentado por crises no próximo período.
Onde estão as saídas economicamente os investimentos produtivoas para o capitalismo mundial nessa crise crônica que se arrasta? Na verdade, os governos capitalistas do mundo, diante de um déficit médio de 10% em seus orçamentos, lançaram mão drecorreram oa cortes de empregos e serviços. Metade dos hospitais da Letônia foramMetade dos hospitais da Letônia foram fechados. Esta é a música do futuro não tão distante para muitos outros países, até mesmo os “ricos”. Se combinarmos isso a uma imensa desigualdade de renda – uma polarização entre as classes – veremos que o problema da demanda de consumo, reconhecido por economistas capitalistas em geral, será compostoagravado.
Mas o critério para o capitalismo e, em último caso, para seus “comitês executivos”, os governos, não é prover para as necessidades sociais, mas defender e aumentar o lucro. Dessa forma, este período, como temos lembrado, será caracterizado não por uma crise apenas, mas uma série de crises se arrastando ao longo dos anos. Isso será marcado pela estagnação das forças produtivas com ocasionais e febris “recuperações” mas, mas possivelmente também em determinado estágio pela volta da inflação, crises monetárias e imensos déficits governamentais, que só podem ser corrigidos por violentos ataques aos padrões de vida da classe trabalhadora.
A burguesia ficou fortemente abalada desde o início da crise, uma crise que eles incorretamente avaliaram que iria durar apenas até o ano passado. No entanto, a crise começou em 2007 e antes mesmo disso no setor imobiliário dos EUA e resultou em economias e indústrias inteiras “caindo de um penhasco”. Eles temiam não apenas o futuro econômico e o imenso derretimento que os ameaçava mas, mas também as consequenciasconseqüências sociais e as repercussões políticas numa revolta em massa contra seu sistema. Incapazes de argumentar que o capitalismo era capaz de “cumprir suas promessas”, com sua “bússola moral” quebrada, diante dos milhões que pagaram pelas consequenciasconseqüências da falha de seu sistema, agora eles retornaram a argumentos desgastadoss surrados. O ex-primeiro-ministro conservador Winston Churchill foi trazido do depósito da história para justificar seu sistema. Não mais representando o “fim da história”, “O capitalismo… provou novamente ser o pior sistema possível para o gerenciamento da economia, exceto todas as alternativas.” Eles são capazes de fazer isso nesse estágio devido aà falência do modelo stalinista e a falta de um pólo alternativo de atração, socialista e democrático.
A essa devastadora crise econômica, deve-se acrescentar a crise no meio ambiente. A crise climática está estreitamente ligada à crise econômica. O IPCC argumenta que a temperatura média global aumentou 0,8 graus desde meados dos anos 1800. As emissões já liberadas aumentarão as temperaturas em outros 0,9 graus – significando um aumento combinado de 1,7 graus. As conseqüências do ‘teto’ fixado pelos cientistas e políticos de um aumento de 2 graus são bem-conhecidas: derretimento do Pólo Norte e geleiras, aumento do nível dos oceanos, aumento dos desertos, secas e escassez de água. O pior atingirá os trabalhadores e os pobres globalmente, especialmente nos países pobres. A Cúpula do Clima da ONU em Copenhague de dezembro –Cop15 – não dará qualquer solução. Os interesses nacionais e capitalistas são incompatíveis com as medidas e o planejamento globais necessários.
A luta para salvar os empregos e os padrões de vida não é incompatível com uma solução para a ameaça climática. Pelo contrário, o obstáculo fundamental em ambos os casos é o sistema capitalista – simbolizado pelo poder das gigantes do petróleo e da energia, assim como as indústrias de carro e aéreas. Apenas a classe trabalhadora pode transformar a sociedade para criar uma economia planificada socialista democrática, incluindo a conversão das indústrias poluidoras em indústrias realmente verdes. As contradições inter-imperialistas atuais sobre o clima só podem ser superadas por um movimento da classe trabalhadora verdadeiramente internacionalista e socialista para salvar o clima.
Descontentamento intenso, crescente clima anti-capitalista
E mesmo assim há um descontentamento intenso, um crescente clima anti-capitalista entre as massas. A O BBC [Redes de rádio e tv estatais inglesas]World Service descubriudescobriu numa enquete especial que a “desilusão com o capitalismo de livre mercado é bem numerosa”. O colapso da União Soviética é visto diferentemente hoje do que em 1989: “As maiorias no Egito, Rússia e Ucrânia dizem que a desintegração [da União Soviética] foi uma coisa ruim”. Mais ainda: “Somem Brasil, Indonésia e França à lista quando se trata da visão de que os governos devem possuir ou controlar as principais setores da economia.” O fato de que isso não se traduziu numa atitude política diferente por parte das massas com o ressurgimento de ideiasidéias socialistas se deve a uma série de fatores. Por um lado, com o início da crise, as massas esperaram desesperadamente que ela seria temporária, que uma melhora sustentável se seguiria e a situação pré-crise seria restaurada. Ao mesmo tempo, não havia um ponto focal sob a forma de partidos de massas e líderes que poderiam argumentar pelo “socialismo” num sentido amplo, mesmo no sentido que a social-democracia costumava fazer em seus períodos de maior popularidade – tanto no pré I Guerra Mundial quanto no período de reformas de 1950-75.
Mesmo as consequênciasconseqüências políticas diretas dos anos 1930 foram diferentes do que experimentamos nos últimos 18 meses. A crise de 1929 atordoou a classe trabalhadora industrial, sobretudo nos EUA. Mas mesmo lá, uma radicalização política se deu, refletindo no crescimento de partidos de esquerda como o partido comunista, tanto logo após a quebra de 1929 quanto durante os anos 1930. Os anos 1930 foram um período de revolução e contra-revolução, diferente do quadro pintado por alguns comentaristas de hoje. Havia uma radicalização, de fato uma explosão revolucionária, começando em 1931 na Espanha levando aos eventos de 1936-37 e na França onde os efeitos da quebrao crash foram sentidos mais tarde. A oportunidade para os fascistas tomarem o poder na Alemanha e Espanha (a Itália desde antes foi o protótipo dos regimes fascistas) só foi possível após a falha da classe trabalhadora e sua direção vacilante em tomar o poder.
Novos partidos e alianças de esquerda
Em alguns países, como Reino Unido e Grécia, a “política do mal menor” existe em significantes setores das massas. No primeiro, é o medo do retorno de um governo Tory (conservador) que empurra os trabalhadores, com a ajuda dos líderes sindicais de direita, para a idéia de deter um governo Tory a qualquer custo, abertamente chamado de “Torygedom” (Armagedom Tory). No caso da Grécia, foi a violenta rejeição ao partido Nova Democracia misturada a alguma expectativa de que o PASOK (social democracia) seria “melhor”. Isto se dá apesar da amarga decepção com governos anteriores do PASOK. As esperanças de uma camada dos trabalhadores de que um governo do PASOK seria “melhor” não se comparam com as ilusões e as raízes sociais que existiam no PASOK nos anos 1970 e 1980. O SYRIZA, apesar de sua fraqueza política, é uma força importante na qual forças marxistas sérias deveriam participar. Ao mesmo tempo, precisamos empregar um trabalho e atividades flexíveis para intervir em resposta a outras oportunidades entre a classe trabalhadora e os jovens.
Mas estas formações podem não ser a solução e algumas podem até desaparecer. Esta, por exemplo, é uma possibilidade no PSOL, que surgiu como a formação mais à esquerda, com uma ampla camada avançada investindo grandes esperanças de que este poderia ser um guarda-chuvasum guarda-chuva da esquerda revolucionária. No entanto, sob a influência de ex-trotskistas morenistas combinados com refugiados do PT, este partido pode até mesmo não ter um candidato nas próximas eleições presidenciais, mas ao contrário, dar apoio crítico a um candidato do PV! Porém, mesmo se essas formações estagnarem ou desaparecerem (como a Refundação Comunista na Itália ou o PSOL), isto pode desapontar muitas camadas da classe trabalhadora mas, mas não vai eliminar a necessidade de novas formações de esquerda de massas enraizadas no caráter deste período. Portanto, o CIT não tem fetiche por nenhuma formação política. Procuramos aplicar um trabalho e atividades flexíveis, mas estes devem ser onde a camada mais receptiva de trabalhadores e jovens estão ativos ou orientados. Nós não vamos abandonar estas organizações até elas demonstrarem que não servem mais ao seu propósito e que não sejam capazes de desempenhar um papel progressivo.
Marx enfatizou no fim do século XIX que um movimento real da classe trabalhadora valia mais que doze uma dúzia de programas. Nós devemos adotar a mesma postura básica frente às tarefas do movimento dos trabalhadores e particularmente seus setores mais avançados no período. Estes partidos, mesmo quando parecem sombras, com uma pequena camada ativa, podem em última instância, sob a pressão dos acontecimentos se encherencherem de novas e frescas camadas dos trabalhadores, juventude e, etc. Eles podem ter reservas de apoio que podem não estar completamente claras em períodos relativamente tranquilostranqüilos. Isto se aplica em especial aos sindicatos, que devido à flexibilização e desemprego foram enfraquecidos em muitos países em números e influência, mas com os grandes acontecimentos que estão pra acontecer poderão ter um papel importante.
O desenvolvimento de um partido de massas marxista irá inevitavelmente ser precedido de formações amplas nas quais os marxistas irão colaborar com outros que ainda não chegaram a uma clara visão socialista marxista. Mesmo onde o processo parece ter estagnado ou recuado, nós iremos pressionar para que se desenvolvam numa forma de agregar as forças da esquerda e os elementos combativos mais decididos da classe trabalhadora. A experiência de amplas camadas de trabalhadores em tal formação é incalculávelinestimável, até mesmo necessária, para a criação de uma ampla consciência socialista, que pode ser facilitada por estes tipos de partidos mas também pelas experiências das massas em luta. Ao mesmo tempo, esta tarefa deve ser combinada com a construção e consolidação de uma clara força marxista em torno do programa e ideiasidéias do CIT. As oportunidades agora para marxismo genuíno são mais favoráveis do que nunca desde o meio e fim dos anos 1980.
Crise irá atingir toda a Europa
Na Europa, não há um país que tenha escapado dos efeitos da crise. Na locomotiva da Europa, a Alemanha, a situação econômica subjacente é explosiva. A indústria manufatureira na Alemanha possui a mais alta proporção do PIB de qualquer grande economia desenvolvida. Com 24% do PIB, é quase o dobro dos 13% da base manufatureira do Reino Unido. Mas esse ano, as indústrias de engenharia e eletrônicos da Alemanha encaminham-se para as maiores perdas desde 1945. Elas têm sido capazes de se sustentar até agora em grande parte graças ao mercado mundial e especialmente com as vendas para a China. O amortecimento do governo para a indústria deverá chegar a 1% do PIB. Isso envolve manter os trabalhadores “desnecessários” em seus empregos [Financial Times], com o governo decidindo os salários de trabalhadores temporários. Isso por sua vez significa que o déficit no orçamento federal irá chegar até quase 100 bilhões de euros no próximo ano, duas vezes e meio o pico anterior de 40 bilhões de euros alcançados quando o governo lidava com os custos da reunificação sob o governo do CDU de Kohl em 1996.
A promessa de Merkel de cortar impostos enquanto se abstém de grandes cortes nos gastos públicos levou a uma inquietação na nova coalizão CDU-FDP. O precedente de futuras dificuldades, de divisões, e mesmo da possibilidade de uma derrota precoce para essa coalizão foi mostrada quando nem todos os parlamentares da coalizão votaram no Bundestag para confirmar o governo, deixando Merkel com uma maioria de apenas 11 votos. A posição global do capitalismo alemão, assim como a de suas contrapartes no resto da Europa, exige um confronto com a classe trabalhadora para retomar os ganhos duramente conquistados no passado. O inevitável ataque às pensões, salários – onde se tenta cortar os salários dos “novos” na força de trabalho – o aumento do desemprego em massa com sua tendência de se tornar permanente garante uma enorme polarização de classe e a intensificação da luta entre as classes.
Como nas guerras, as classes lutam mais intensamente pela divisão de um “bolo” reduzido. Não há um país na Europa hoje que não experimentará em questão de meses e anos um aumento dos conflitos de classe. Isso é simbolizado pela eclosão de ocupações na Irlanda, Grã-Bretanha e França, incluindo o “seqüestro de chefes” e até a ameaça de dinamitar uma fábrica na França. Isso será repetido em outros países onde as fábricas são fechadas sem cerimônia pelos patrões. Essas ocupações desafiam implicitamente os até aqui “direitos sagrados” da diretoria de gerir, que é agora visto como algo similar a uma ditadura do capital, como até mesmo Sarkozy disse nas eleições europeias. Implícitos na situação na Europa e em cada país não são apenas grandes conflitos, mas também uma greve geral, provavelmente no setor público primeiro. Mas no próximo período ela também abarcará trabalhadores do setor privado. E isso contra o pano de fundo de um enfraquecimento, pelo menos numérico, dos sindicatos em muitos países; na França, a filiação está agora a 8%. Na Grã-Bretanha, Espanha, Portugal e provavelmente até a Itália os sindicatos têm se enfraquecido.
Na Grã-Bretanha o conflito promete ser intenso porque sob a responsabilidade do Novo Trabalhismo o país caiu da posição de uma “estrela” do firmamento neoliberal para ficar de joelhos, oficialmente ficando atrás da Itália de Berlusconi! Na Grécia, não obstante a feroz resposta contra a selvagem austeridade da Nova Democracia e a vitória resultante do antes desacreditado PASOK, uma enorme colisão é iminente. O déficit orçamentário agora é de mais de 10% do PIB, com as agências reduzindo as taxas de crédito do país – como ameaçaram fazer com a Grã-Bretanha também – o que tornará difícil persuadir os mercados de títulos a continuar a comprar as dívidas do governo. A bancarrota ameaça não apenas as indústrias, mas países inteiros, como o exemplo da Argentina demonstrou. Um país sendo tomado para a ‘concordata’ é uma coisa; uma série de países é outra. Isso é o que aconteceu nos anos 1930 e uma situação similar ameaça hoje vários países no Leste Europeu e no mundo neocolonial também.
Ao nível continental, a burguesia européia, apesar da força do euro contra o dólar, não tem sido capaz de se consolidar como um bloco integrado rival ao dos EUA. O euro é “capaz de encarar o dólar” de sua atual posição de força. Mas ele também age como uma camisa de ferro para espremer países já debilitados economicamente, como a Irlanda e Itália, que são impedidas de desvalorizar seus câmbios – como é o caso agora com os EUA – e assim, procurar alívio de sua atual situação econômica. Uma das intenções das classes capitalistas na Europa de se associarem na União Europeia era chegar a um acordo para descartar a desvalorização cambial competitiva através da adoção do euro para se obrigarem a implementar “desvalorizações internas” (cortes salariais, reduções dos gastos sociais etc.) Se essa crise se aprofundar e suas dificuldades aumentarem, um ou dois países poderiam abandonar o euro. Isso, é claro, não fornecerá uma rota de fuga da crise capitalista, embora possa temporariamente aliviar um ou outro grupo nacional de capitalistas, enquanto também em último caso agudizará as tensões intra-europeias e internacionais.
Comentaristas capitalistas como Philip Stephens do Financial Times, referem-se aberta e desdenhosamente à Europa como o “museu”, incapaz de competir com sucesso contra os EUA. A confirmação do Tratado de Lisboa, com o segundo referendo na Irlanda e a assinatura do presidente tcheco, parece ser um triunfo irresistível para o trem europeu. Mas é precisamente neste momento que a fraqueza do projeto dos capitalistas europeus se revela e pode se despedaçar. A constituição da União Européia, como o anterior Tratado de Roma, deseja conservar “legalmente” o capitalismo “para sempre” como o supremo modelo econômico. A constituição conserva o capitalismo neoliberal ao proibir os subsídios estatais para indústrias enfermas e a nacionalização, enquanto apóia a privatização etc. O caráter deste documento e da Comissão Européia é mostrado pela “instrução” ao governo Brown de vender partes lucrativas do setor bancário nacionalizado no interesse da “competição”. Uma abordagem anti-trabalhador similar é embutida nas diferentes diretrizes européias.
Abordagem internacionalista
Contudo, essa constituição, assim como todas as leis capitalistas, são pedaços de papel que são rasgados e jogados de lado quando a classe trabalhadora se move para impor soluções a seus problemas. Isso foi mostrado na luta de Lindsey na Grã-Bretanha, que não foi, como grupos ultra-esquerdistas como o SWP britânico disseram, uma greve por “Empregos britânicos para trabalhadores britânicos”. Graças à intervenção de socialistas conscientes, especialmente do Partido Socialista, o elemento de nacionalismo que pode estar em todos os conflitos que parecem ser uma “luta por empregos” (como a luta da General Motors demonstrou) pode ser contido por uma abordagem de classe e internacionalista clara. Os marxistas rejeitam completamente o estratagema dos patrões das diretrizes européias para reforçar a “corrida para o fundo do poço” sobre os salários sob a bandeira do “livre movimento do trabalho”. Lutamos por uma abordagem unificada de classe, cuja demanda central é o “salário igual para trabalho igual”. Rejeitamos totalmente a tentativa dos patrões, ajudados e instigados por alguns líderes sindicais, de jogar um setor da classe trabalhadora contra a outra, seja do setor privado jogado contra os do setor público, os jovens contra os velhos por serem “bloqueadores de trabalho” e dos trabalhadores de um país da Europa usados contra outros.
A realidade das tentativas capitalistas de “unificação da Europa” é a dos patrões atiçando o nacionalismo, o conflito étnico e o racismo da política da antiga era do “dividir para governar” para facilitar seu domínio e a defesa de seus lucros e privilégios. A integração das forças produtivas mundialmente e especialmente da Europa exige uma abordagem internacionalista nas principais lutas, para defender os ganhos passados tais como aposentadoria e benefícios, e combater a crescente ameaça da extrema direita. O recente sucesso da extrema direita – notavelmente a eleição de Griffin do Partido Nacional Britânico – nas eleições europeias é um reflexo direto do giro à direita, a uma posição pró-capitalista, dos líderes das ex-organizações de trabalhadores e sindicatos. Um vácuo tem sido criado e se ampliado recentemente pelo fracasso de se desenvolver em muitos países uma vibrante alternativa de esquerda. As “tesouras” – o diferencia entre a situação objetiva subjacente e a consciência das massas – nunca foi maior. O sucesso do Die Linke na Alemanha, pelo menos no plano eleitoral, até agora tem conseguido impedir um sucesso eleitoral substancial das forças de extrema direita e neofascistas a nível nacional. Mas o perigo não desapareceu e, de fato, é a extrema direita em geral que tem sido a primeira beneficiária na Europa da convulsão de massas contra a crise.
A imigração é uma questão chave para a esquerda e o movimento dos trabalhadores na Europa. Nenhuma concessão pode ser dada ao racismo ou à discriminação com base em etnia, raça ou crença religiosa. Mas de outro lado, em uma situação de desemprego em massa – quase 20% na Espanha, por exemplo, com uma população imigrante significativa – a mera oposição ao racismo etc., não é suficiente. É mais importante do que nunca que o anti-racismo se ligue às demandas de classe por empregos, casas, educação, saúde e a necessidade de lutas unificadas. Os governos capitalistas estão preparando uma linha dura, a criação de limites, sobre a imigração. Rejeitamos a idéia de que tais medidas podem resolver os problemas relacionados à imigração e beneficiar os trabalhadores da Europa. Não há uma medida capitalista que impeça os famintos e pobres – especialmente na era de comunicação em massa – de procurar escapar da armadilha da pobreza no mundo neocolonial, ao lado da perseguição e opressão, em busca de uma “vida melhor” em outros lugares. A imigração em si não resolverá os problemas dos pobres e oprimidos – relativamente poucos têm os recursos para fazer a viagem ao mundo industrial avançado. Devemos pressionar por uma solução socialista geral para resolver os problemas globalmente. Isso é incompatível com a manutenção do latifúndio e do capitalismo no mundo neocolonial.
O brilho se apaga para Obama
Nos EUA, um pouco do brilho inevitavelmente abandonou a administração Obama à medida que continua a devastadora crise econômica. Isso se combina com uma guerra impossível no Afeganistão, e também com o impasse e portanto a piora da posição no Oriente Médio, com a perspectiva de uma guerra civil sectária ameaçando mais uma vez o Iraque. Das taxas de aprovação de mais 70% logo depois de sua eleição, Obama agora tem apenas 50%. A crise econômica afetou todos os EUA, mas alcançou níveis de depressão em algumas principais cidades e estados. É a dialética da história que aqueles estados que economicamente estavam na primeira fila no passado são os mais severamente afetados pela crise que reduziu a receita dos impostos etc. A Califórnia – o antigo “Estado Dourado” – está devastado pelo desemprego, cortes dos empregos e benefícios dos trabalhadores estatais, milhares de sem-teto vivendo nas ruas, em carros etc. Cerca de 100.000 pessoas dormem nas ruas de Los Angeles toda noite. Mas este não é o único estado afetado. Dez estados – com um terço da população dos EUA – enfrentam um destino similar. Mais estados podem se unir a eles no próximo ano.
Detroit exemplifica a crise nas cidades. Nos anos 1950, a ‘Motown’ ostentou a maior renda média e a mais alta taxa de casas próprias das grandes cidades americanas. Décadas de colapso de sua base manufatureira, especialmente de sua mundialmente famosa indústria de carros, deixou a cidade de joelhos. Cinqüenta anos atrás ela foi batizada de “arsenal da democracia” e possuía quase dois milhões de cidadãos, a quarta maior cidade da América. Agora a população caiu para 900.000, um terço de Detroit efetivamente abandonada para o mato, arbustos e fazendas urbanas. Mesmo no centro de Detroit, um arranha-céu arruinado exibe um par de árvores que crescem de seu telhado! Ela possui chocantes taxas de desemprego de 29%; além disso, a crise afetou enormes setores da classe média, tanto em Detroit quanto em outras cidades. A Califórnia, que se fosse um país separado ainda seria o oitavo mais rico do mundo, é economicamente um “estado falido”.
Mesmo aqueles que trabalham têm sido forçados a recorrerem a doações de alimentos do governo e a semana de trabalho média agora é de 33 horas, a mais baixa já registrada, enquanto os forçados a trabalhar meio período porque não conseguem um emprego de período pleno subiu em mais de 50% no ano passado, chegando a 8,8 milhões. Os salários e benefícios caíram; o desemprego está em 10%, mas quando se leva em conta os trabalhos de meio período ele provavelmente se eleva para 15%. O Financial Times relatou que 40% das famílias que recebem alimentos gratuitos do governo são assalariados, comparado com 25% a dois anos atrás, um aumento esmagador. No topo disto, temos visto o feroz contra-ataque da direita Republicana e seus aliados à muito moderada reforma da saúde de Obama, que tem por objetivo cobrir a maioria da população, bem mais de 90%.
Essas condições têm tido efeito precisamente sobre a base de Obama. Quase um em cada cinco dos jovens e mais de um em sete dos afro-americanos e daqueles sem diploma secundário estão sem emprego. Quase um terço dos jovens negros não têm trabalho. Sete dos dez estados com os níveis mais altos de desemprego votaram nos Democratas na eleição presidencial. Em uma pesquisa eleitoral na Virgínia, os Democratas foram batidos pelos Republicanos. Contudo, isso não necessariamente pressagia a derrota para Obama nas eleições de 2012. Roosevelt, apesar do persistente desemprego em massa de mais de 15% após sua primeira vitória eleitoral em 1932, foi reeleito em 1936. Mas o sucesso da administração Obama no futuro depende da capacidade de satisfazer pelo menos parcialmente a demanda por empregos. Ele tem prometido, como o New Deal, um massivo aumento das medidas geradoras de emprego prontas para ser executadas pelo governo. Mas isso depende de suas propostas passarem pelo Congresso, o que é problemático.
Como em outros países, a necessidade urgente é de um novo partido radical de massas. Um trabalhador em Detroit, contemplando as ruínas de sua cidade e o que poderia ser feito, declarou: “Os pobres não têm a força de pressão política para conseguir o que precisam, da maneira como faz Wall Street”. Isso resume o dilema que a classe trabalhadora americana enfrenta. As perspectivas para as forças do CIT nos EUA nunca foram melhores, enquanto aproveitarmos as oportunidades entre os jovens, trabalhadores, latinos, afro-americanos etc.
Iraque e o ‘Afpaq’
As relações mundiais após a chegada de Obama ao poder e o fim do odiado regime de Bush também estão em um estado de fluxo. A posição unipolar de Bush não existe mais, como Obama foi obrigado a reconhecer mesmo antes de ser eleito. Os EUA continuam o poder econômico dominante no globo e também mantêm a capacidade, especialmente militar, de intervir em todo o mundo. Mas ele tem se conscientizado rapidamente dos extremos limites a seu poder no imbróglio do ‘Afpaq’ (Afeganistão e Paquistão). Sua administração tomou a decisão de retirar as tropas americanas das cidades do Iraque, mas isso não trouxe um período de paz e harmonia para o povo iraquiano. Pelo contrário, armou o cenário para uma nova guerra civil sectária, com a elite sunita excluída do governo Maliki e, portanto desejosa de sancionar mais ataques à maioria xiita. Além disso, Kirkuk e outras cidades poderiam ser dilaceradas por novos conflitos sectários e a luta para ver quem controla o petróleo da região. Cercado por cortes na energia, desemprego em massa e um massivo aumento na inflação, esse regime também será rejeitado pelos xiitas. As forças dos EUA podem ser facilmente arrastadas de volta para um conflito sem rota de fuga fácil deste pântano.
O Afeganistão está pior com o envolvimento das forças americanas nos últimos oito anos, duas vezes o tempo de envolvimento americano na Segunda Guerra Mundial. A situação é indomável. O atual chefe da defesa britânica declarou que as forças britânicas poderiam ficar envolvidas no Afeganistão por mais 30 a 40 anos. Isso é totalmente inaceitável para a maioria do povo britânico, que nas pesquisas de opinião se voltou decisivamente para a retirada das tropas do Afeganistão, à medida que os caixões de jovens soldados britânicos voltam para casa diariamente. Um crescimento significativo do sentimento anti-guerra também é evidente nos EUA. Embora o número de perdas americanas não esteja na escala do Vietnã, já que involve agora um exército profissional e não de conscritos, Obama de fato enfrenta um “Vietnã” com o emprego de mais tropas no Afeganistão. Ele enfrenta o mesmo dilema que J F Kennedy enfrentou no começo dos anos 1960 em relação ao Vietnã, pouco antes de seu assassinato, e Lyndon Johnson depois: ir em frente ou recuar. Além disso, o fato de que existe esta situação é mais uma prova, como dissemos na época, de que Bush depois do 11 de setembro fracassaria na tentativa de acabar com a “Síndrome do Vietnã” da perspectiva do povo americano.
A demanda por mais 40 mil soldados pelo comandante dos EUA, general McChrystal, ameaça aumentar o conflito ao nível do Vietnã. Mesmo se Obama optar por um emprego de talvez 30 mil soldados ou menos, encontraria uma resistência feroz tanto na região quanto nos próprios EUA. Além disso, não é provável que detenha a violência que saiu de controle e agora se espalha pelo Paquistão. Os apelos do governo Obama ao regime de Zardari no Paquistão para lidar com o Taliban caiu em ouvidos moucos. Hillary Clinton, numa visita ao país, disse que o governo deveria exterminar o Taliban e eliminar a Al Qaeda. Mas o ISI, a agência de inteligência militar do Paquistão, como Clinton declarou, sabe faz algum tempo onde Osama Bin Laden está escondido no Waziristão. Eles poderiam provavelmente apanhá-lo a qualquer hora. Mas eles não farão isso enquanto o Paquistão estiver envolvido em um conflito com a Índia. Tradicionalmente, o Afeganistão tem sido visto pelos militares como um interior do Paquistão, uma zona de pára-choques contra a Índia e especialmente no duradouro conflito na Caxemira, com meio milhão de soldados indianos estacionados no setor indiano da Caxemira. O imperialismo americano e o governo Obama estão em uma situação impossível.
O conflito afegão levou à “talibanização” de setores do Paquistão. Uma retirada americana da região aceleraria enormemente esse processo, com a perspectiva de fundamentalistas islâmicos eventualmente até conseguindo o controle das armas nucleares do Paquistão. Mesmo um “golpe de coronéis”, embora não imediatamente na agenda, é possível em certa etapa, dado o fracasso do governo “civil” de Zardari e de qualquer outro governo para controlar a situação. Continuar o uso de “drones” (veículo aéreo não tripulado) para bombardear as áreas de Pushtun apenas agravará a hostilidade contra o imperialismo dos EUA. Em desespero, sugeriu-se no início de novembro que os militares dos EUA estão até mesmo considerando o uso de forças americanas no Paquistão, com a permissão do governo, para guardar suas instalações nucleares!
As recentes eleições no Afeganistão mostraram a limitada base social do regime de Karzai, que se apóia primariamente na população pashtun, que responde por 40% da população. O Taliban nunca poderá exercer o completo controle sobre o Afeganistão ou o Paquistão, dadas as divisões tribais e étnicas. Nenhuma potência estrangeira foi capaz de ocupar efetivamente o país. Ele foi também um “Vietnã” para as forças russas quando foram forçadas a se retirarem. Os EUA e a Grã-Bretanha não enfrentam o nacionalismo como tal – há apenas uma limitada consciência nacional de Afeganistão. É mais um “localismo” e, como um comentarista disse recentemente, um “valeismo” que é o traço dominante do Afeganistão. Em outras palavras, a tribo e o vale têm precedência sobre os “projetos nacionais”. Simplesmente manter a atual presença dos EUA e Grã-Bretanha apenas devastaria o país e geraria um reflexo em Paquistão. De outro lado, a retirada jogaria toda a região no caos e seria um enorme golpe ao prestígio da autoridade dos EUA, especialmente militar. Esse é o pano de fundo da discussão entre os governos dos EUA e da Grã-Bretanha sobre tentar ganhar pelo menos alguns dos líderes insurgentes, na esperança de ser assim capaz pelo menos de reduzir a intervenção.
O mesmo se aplica à situação em Israel-Palestina. A desastrosa intervenção de Hillary Clinton, que se recusou a criticar e assim aceitou que não haveria um “congelamento” dos assentamentos israelenses na Cisjordânia contribuiu para a crise do governo Abbas e a situação explosiva que deriva disso. O resultado em rede tem sido o fortalecimento do Hamas e das forças fundamentalistas islâmicas de direita nos territórios palestinos, com o crescente questionamento da solução “dois estados”. O Hamas formalmente a reassumiu e agora está dando maior ênfase a um estado palestino “do rio ao mar”. Ao mesmo tempo, setores de sua direção continuam a discutir uma “solução de dois estados” como um passo para um estado. A população israelense não aceitará a ideia de só um estado palestino que substitua o seu. De outro lado, a recusa em reacomodar a burguesia palestina mesmo em uma solução truncada de dois estados agora montará o cenário para um desdobramento do tipo “África do Sul”: pode ocorrer uma campanha por “uma pessoa, um voto”.
Os palestinos podem raciocinar que não há possibilidade do estado israelense garantir sua “nacionalidade” e, portanto a luta deve ser por direitos iguais dentro de Israel. Isso a classe dominante israelense não aceitará. Se os “árabes israelenses” (palestinos vivendo em Israel) se mobilizarem por essa demanda, isso poderá armar o cenário para a expulsão em massa dos palestinos. Isso pode resultar em um enorme banho de sangue numa escala que ofuscaria as duas intifadas. Além disso, reverberaria por toda a região, resultando provavelmente em uma nova guerra no Oriente Médio, com todos os perigos que podem derivar disso, incluindo o uso ou a ameaça de armas nucleares por Israel, se ele se encontrar cercado militarmente. Também pode levar a um novo embargo do petróleo que provocaria uma devastação econômica. A única alternativa a esse pesadelo é a de nossos camaradas israelenses e árabes por uma confederação socialista, com os direitos nacionais de palestinos e israelenses garantidos. O capitalismo não oferece absolutamente nenhuma saída dessa armadilha sangrenta.
Ao mesmo tempo, levantes têm atravessado a América Latina, onde a luta das massas, especialmente no “vulcão andino” que abarca Venezuela, Bolívia e Equador, tem estado na linha de frente da luta de classes. A chegada ao poder de Hugo Chávez na Venezuela e Evo Morales na Bolívia representou um importante acontecimento. Refletindo a revolta das massas contra o neoliberalismo, esses governos foram obrigados a introduzir uma série de reformas populares e aumentar a intervenção estatal. Chávez em particular colocou a questão do “socialismo” de volta na agenda política, o que representa um importante passo à frente. Contudo, uma fase crítica agora se abriu na Venezuela e Bolívia. Os métodos cupulistas e burocráticos do regime de Chávez, e seu fracasso em derrubar o capitalismo, resultou em um impasse na Venezuela, como o CIT explicou em outros materiais. Esses métodos também podem desacreditar as idéias do socialismo. Na Bolívia a reeleição de Morales por ampla maioria nas novas eleições seguramente abrirá uma nova fase na luta lá, à medida que as massas exijam mais do que as reformas limitadas até aqui introduzidas pelo governo. Agora Morales e o MAS não têm desculpas para segurar o movimento. A demanda das massas de avançar o processo revolucionário se chocará com as políticas e métodos reformistas da direção do MAS, abrindo uma situação explosiva que pode ter um impacto na Venezuela e no resto da América Latina.
Brasil, a potência regional, junto com o Chile, conseguiu até agora evitar todo o impacto da crise. Isso resultou em uma maré relativamente baixa da luta nestes e em alguns outros países. Como resultado, Lula no Brasil tem sido capaz de manter altas taxas de aprovação nas pesquisas. Contudo, isso não durará indefinidamente e a entrada na luta das extremamente poderosas classes trabalhadoras do Brasil, Argentina, Chile e México – com fortes tradições revolucionárias – certamente terá um grande impacto nas lutas e processos revolucionários em todo o continente. O golpe em Honduras é um alerta para os trabalhadores e pobres de todo o continente da necessidade de organizações independentes da classe trabalhadora com um programa socialista revolucionário para derrotar o capitalismo e o latifúndio. A ausência de tais organizações e partidos independentes da classe trabalhadora se reflete no crescimento de forças radicais populistas em muitos países. Esses movimentos são uma fase do momento e é necessário que sejam superados pela construção de organizações e partidos independentes da classe trabalhadora.
Na África as oportunidades de construção do CIT, e nossas responsabilidades, estão postas de forma aguda. Os trabalhadores e pobres de todo o continente, que dificilmente ganharam algo do crescimento econômico mundial dos anos recentes, agora, neste novo período de recessão, não têm perspectiva de uma melhoria substancial em suas vidas. Isso apenas servirá para reforçar a cleptomania das elites locais, à medida que elas procurarão roubar quaisquer bens que podem cair em suas mãos. Essa é uma das razões por trás dos contínuos conflitos na África central e do leste. Mas os anos recentes têm visto renovados protestos contra os aumentos no preço dos alimentos e combustíveis.
Na África do Sul a remoção de Mbeki e sua substituição como Presidente por Zuma causou o aumento das expectativas e a abertura para um novo período de lutas. Na Nigéria há um terreno a favor da ação contra os repetidos ataques do governo aos padrões de vida e o saque das riquezas do país, mas depois de muitos protestos de massa, incluindo seis greves gerais desde 2000, há uma crescente compreensão de que a “mudança do regime” é necessária. O desafio é construir um movimento independente da classe trabalhadora e dos pobres que possa tomar o poder. Os eventos na Guiné desde o golpe militar de dezembro de 2008 mostram os perigos de se apoiar nos militares para mudar a situação. Apenas a ação de massas, liderada pela classe trabalhadora, pode começar a acabar com a corrupção, defender os direitos democráticos e, ao romper com o capitalismo e o imperialismo, iniciar a transformação socialista da sociedade.
Período decisivo
Para o CIT, esse é um novo período decisivo. Começamos a acumular novas forças. Na Irlanda, atingida duramente pela crise econômica, vimos o espetacular sucesso na eleição de Joe Higgins ao Parlamento Europeu e seu papel decisivo na campanha do “Não” ao Tratado de Lisboa. O perfil e o papel do PS e de Joe é indicado pela publicação na Irlanda de quatro novos livros sobre o crash do “Tigre Celta” que citam nosso MEP (deputado do parlamentar europeu) e o partido.
Muitos nos novos membros do CIT são ganhos como lutadores, mas nem sempre com uma consciência anti-capitalista. Isso é uma consequência do colossal dilúvio ideológico contra o “socialismo” desencadeado pelo capitalismo e suas agências após o colapso do stalinismo e, com ele, das economias estatais burocraticamente planificadas. Esse efeito foi reforçado pelo boom mundial dos anos 1990 da primeira década deste século. A esmagadora maioria dos líderes oficiais do movimento dos trabalhadores abandonou o projeto socialista, assim como a maioria dos intelectuais de esquerda, assim como alguns “marxistas” e “trotskistas”. O CIT lutou obstinadamente em defesa das ideias do socialismo, especialmente com o objetivo histórico de reabilitá-las nos programas dos novos partidos dos trabalhadores. Ao mesmo tempo, procuramos defender e aumentar as forças revolucionárias reunidas em torno do CIT. Ainda temos que defender essas idéias. Mas ao mesmo tempo, dado o retrocesso da consciência causado pelos fatores já descritos, estamos ganhando muitos lutadores contra o sistema, alguns com uma compreensão socialista, mas ainda não marxistas completos. Enquanto devemos nos esforçar para aumentar nossas forças e especialmente nossa influência no movimento dos trabalhadores internacional, devemos ao mesmo tempo reconhecer que essa “tarefa dual” deve agora se aplicar muito mais conscientemente à situação interna do CIT. devemos defender o socialismo e especialmente uma educação marxista ampla para aqueles que se unem a nossas fileiras.
Nossa tarefa é a mesma – apenas em um nível superior – do que a que confrontou os partidos dos trabalhadores antes da 1ª Guerra Mundial. Em um território quase virgem, eles foram forçados a construir partidos a partir de uma matéria bruta. Muitos que se uniram aos partidos socialdemocratas de massas na França, Alemanha etc. – que se consideravam organizações “marxistas” – foram moldados e se desenvolveram como marxistas e socialistas dentro das fileiras destes partidos. Isso envolvia no essencial criar quadros, o que não é apenas uma questão de formação, mas também está ligada aos eventos. Os bolcheviques não teriam se tornado a força para desafiar a sociedade sem os heróicos exemplos das gerações em luta anteriores – os narodniks, o Grupo da Emancipação do Trabalho nos anos 1890 na Rússia, a revolução de 1905, 1917 e as consequências internacionais da revolução etc. Mas os eventos agirão rapidamente e fornecerão a oportunidade para o CIT realizar uma tarefa similar, em uma escala menor no início, mas com a esperança de alcançar dezenas de milhares e milhões em etapas posteriores. O CIT deve enfrentar esses desafios para nos preparar para os tumultuosos eventos que são iminentes.