Bolhas inflando para sempre? O que está acontecendo com a economia mundial?

A economia capitalista mundial tem sido salva por uma maré de liquidez, uma enchente de crédito barato. Isto abasteceu a frenética especulação financeira dos últimos anos, uma calmaria de lucros para os super-ricos. Subjacente a isto, contudo, estão desequilíbrios insustentáveis e um aprofundamento das contradições nas relações econômicas mundiais. LYNN WALSH analisa em profundidade os processos que estão ocorrendo.

No fim de fevereiro de 2007, as bolsas de valores mundiais e outros setores dos mercados financeiros (títulos corporativos, títulos de dívida, bens cotizados no mercado de futuros, etc.) sofreram uma aguda queda, abrindo um período de nervosismo por todo o sistema financeiro global. A depressão foi aparentemente acionada por uma queda de 9% (27-28 de fevereiro) nas duas principais bolsas de valores da China, Xangai e Shenzhen. A queda na China foi precipitada pelo medo dos investidores de que o governo chinês refreasse cada vez mais o fluxo de crédito para compra de ações, minando a recente alta nos preços das ações (até 130% em 2006).

Mas o efeito da queda nas bolsas de valores da China ultrapassou em muito o seu peso nos mercados financeiros mundiais. Sem dúvida alguma, a China joga um papel cada vez mais importante na economia mundial. Mas as bolsas chinesas respondem por uma pequena parte da capitalização total das bolsas no mundo. A capitalização total de todas as bolsas da China é de apenas por volta de 5% do valor das bolsas dos EUA. A Morgan Stanley Capital International (MSCI) estima que as ações chinesas que podem ser compradas por investidores internacionais (ao contrário daquelas que são restritas aos investidores domésticos) constituem cerca de 11% do índice total de ‘mercados emergentes’, e meros 0.9% do índice mundial do MSCI. Isto significa que a capitalização da bolsa de valores da China é menor do que a Coréia do Sul ou de Taiwan, e do mesmo nível que a Rússia e o Brasil. “A agitação da China sobre as bolsas globais”, lembrou um comentarista, “é mais psicológica do que fundamental. [O mercado de valores da China] assemelha-se mais a um cassino do que a um legitimo ponto de investimento”. (Michael Sesit, China Not Yet in Driver’s Seat, International Herald Tribune, 2 de abril)

Porém, as quedas das bolsas chinesas acionaram um recuo mundial dos especuladores de investimentos de alto risco, refletindo medos generalizados de que ações e outros ativos financeiros estejam significativamente supervalorizados e sujeitos a uma ‘correção’. As ações parecem ter sofrido mais em sua retirada, mas os títulos de alto-risco (junk bonds), bens cotizados no mercado de futuros, títulos de dívida e todo o arco de ativos financeiros foram afetados.

O resultado foi um tremor ao invés de um terremoto. Nos EUA, por exemplo, cerca de $580 bilhões foram eliminados do valor das bolsas dos EUA na queda de 28 de fevereiro. Contudo, o Índice Savings & Poor 500, o mais amplo índice de ações de Wall Street, caiu 3.5%, ao passo que se considera que uma correção seria uma queda de 10% e uma depressão de mais de 20% (Wall Street caiu em 21% num dia durante o crash de outubro de 1987). Mas esta foi a maior queda nos EUA desde o estouro da bolha ponto-com em 2000-01, uma lembrança aos especuladores de que jogar nos mercados financeiros ainda envolve riscos.

O nervosismo de fevereiro não foi tanto uma questão de contágio, uma situação onde eventos em uma região têm uma reação em cadeia, espalhando-se para outras partes do sistema financeiro mundial. Foi mais uma questão de sincronização, com a queda das bolsas da China relembrando aos especuladores que as mesmas condições existem por todo o mundo. A queda rápida e simultânea dos mercados indica até que ponto os mercados financeiros se tornaram globalizados – hoje, todo o sistema financeiro global funciona virtualmente como um único mercado.

Além disso, os investidores em fevereiro foram afetados por vários outros fatores importantes. O mais importante foram os sinais adicionais de uma desaceleração na economia dos EUA. No fim de janeiro, o crescimento do produto interno bruto (PIB) para o quarto trimestre de 2006 foi rebaixado para 2.2% (do antigo 2.5%), contrastando com o crescimento de 5.6% no primeiro trimestre de 2006. Esta desaceleração deveu-se, principalmente, à depressão no mercado imobiliário americano, que foi um fator chave no sustento da demanda de consumo. A depressão imobiliária provocou uma crise no mercado de empréstimos de alto risco (sub-prime), na qual empréstimos com juros altos são estendidos à mutuários que não podem nem mesmo dispor de empréstimos domésticos com taxas de juros regulares. Alguns dos bancos e companhias envolvidos no mercado de alto risco anunciaram enormes perdas, enquanto outros foram para a bancarrota. Há temores generalizados entre comentaristas capitalistas sérios de que a crise do mercado de alto-risco se espalhará para outros setores do sistema financeiro. A crise do empréstimo de alto-risco certamente tem o potencial de provocar uma crise financeira mais ampla.

O nervosismo também foi intensificado por comentários de Alan Greenspan, antigo presidente do Banco Central dos EUA (Reserva Federal dos EUA), a um grupo de investidores. A imprensa relatou que ele alertou para o fato de que “Os EUA parecem estar no fim de uma longa expansão e que estes tempos normalmente trazem com eles as sementes da recessão”. Ainda considerado por muitos como um infalível guru, Greenspan advertiu de que “os investidores estão em perigo de serem muito complacentes e muito confiantes na continuação de uma mistura benigna de baixa inflação e crescimento econômico estável”. (International Herald Tribune, 3 de março de 2007)

Junto com isto, recentes relatórios empresariais indicavam que, após 19 trimestres de aumentos de 10% nos lucros, estima-se que o crescimento de lucros corporativos para 2007 cairá para 4% ou 5%. “A última vez que este tipo de declínio aconteceu”, comentou o Business Week, “foi em abril de 2000, um mês após o inicio de um mercado em baixa (bear market) e onze meses antes da economia cair em recessão”. (Volatility is Back, Ominous Signs Loom, 12 de março de 2007)
Os preços dos ativos financeiros foram enormemente inflacionados por uma especulação frenética baseada nas sempre crescentes quantidades de crédito barato. O crescimento recorde da economia mundial é profundamente dependente de várias bolhas. O sistema financeiro parece ter se tornado mais e mais divorciado da economia real, a produção de bens e serviços. Não obstante, a arrebentação das bolhas – um crash financeiro – teria um efeito devastador no crescimento econômico mundial.

Uma especulação frenética

Tem havido uma orgia de especulação financeira frenética nos últimos três ou quatro anos. Um terço dos lucros corporativos nos EUA vem do setor financeiro. Isto numa escala ainda maior do que durante o final dos anos 90, quando os EUA e a economia mundial pareciam ser impulsionados pelo chamado boom ‘ponto-com’, a especulação em ações das companhias de informação e tecnologia da informação, que empurrou o preço das ações muito além de qualquer perspectiva realista de lucratividade. Atualmente, a especulação financeira penetrou em cada recanto da economia global. Hoje, não há mais uma única bolha, mas uma série de bolhas: ações, propriedades, moeda estrangeira, mercados emergentes, commodities (no mercado financeiro commodities é o termo usado para produtos em estado bruto ou pequeno grau de industrialização, N. do T.), títulos de alto risco, companhias de utilidade pública, tomadas e fusões, e assim por diante.

Estas bolhas tem sido infladas pelo aparentemente interminável fornecimento de crédito barato e a agressiva atividade competitiva dos grandes especuladores. Destas vez, muitos especuladores individuais super-ricos (que não esqueceram suas enormes perdas em 2000-01) se retiraram dos mercados de maior risco, refugiando-se em títulos de governo ou simplesmente assentando suas grandes pilhas de dinheiro (em depósitos bancários). A atividade no mercado financeiro se tornou cada vez mais dominada por grandes jogadores: fundos de coberturas (hedge funds – fundo investido com o intuito de diminuir os riscos de outro investimento, N. do T.), casas financeiras (como a Goldman Sachs, Morgan Stanley, Merrill Lynch, etc) e companhias de participação privada (private equity – fundos que não são negociados em bolsas públicas, N. do T.). Ao mesmo tempo, instituições financeiras tradicionalmente mais cautelosas, como fundos de investimento aberto, companhias de seguro e fundos de pensão, têm seguido o exemplo dos predadores aventureiros, procurando por rendimentos maiores enquanto as taxas de juros estão baixas. Explorando pequenas diferenças de preço entre diferentes tipos de ativos financeiros e diferentes mercados regionais, estas instituições ampliam seus lucros usando enormes quantias de crédito para financiar o comércio em grandes volumes (frequentemente até dois terços de seu investimento é crédito ou, na realidade, débito). Cinqüenta anos atrás, o débito do setor financeiro dos EUA era zero. Hoje, é equivalente a 100% do PIB dos EUA.

Todo tipo de ativo, seja débitos de companhia ou commodities como petróleo e grãos, se tornaram “assegurados”, isto é, embrulhados em pacotes representados por um pedaço de papel, um seguro, que pode ser comprado e vendido nos mercados financeiros de trânsito rápido. Estes mercados são altamente líquidos e os fundos podem se mover de um lado para outro em um nível incrível.

Os derivativos, um tipo especial de seguro que deriva seu valor de ativos subjacentes (com várias opções de especulações sobre futuros, trocas, etc, relacionadas a moedas, commodities, débitos, ações, etc, etc), se tornaram um dos principais veículos da atividade especulativa. Foram desenvolvidos para espalhar o risco entre um número enorme de jogadores do mercado financeiro e parecem fazer isso sob condições flutuantes de mercado. Porém, os derivativos são instrumentos financeiros extremamente complexos e mesmo experts admitem que não têm idéia alguma sobre onde o risco terminará. O que acontece quando há uma correção maior ou um crash? “A maré de liquidez global”, comentou Tony Jackson (Financial Times, 6 de fevereiro), “está deformando os mercados de crédito”, e ninguém “sabe onde está colocado o risco no sistema”.

As ações de companhias (ou títulos de capital) são a forma mais favorável de investimento. Em geral, elas dão um retorno mais elevado do que títulos e muitos outros investimentos. Porém, com pouquíssimas novas emissões de ações há uma escassez de ações no mercado, e, assim, seus preços são empurrados para cima (embora em termos reais eles ainda não readquiriram os níveis máximos do boom do final dos anos 90).

O preço das ações se tornou um indicador crucial do “sucesso” de uma corporação e, assim, muitas companhias têm comprado de volta ações para manter o valor das ações remanescentes. Nos anos recentes, 29 das 30 companhias listadas no índice industrial Dow Jones recompraram algumas de suas próprias ações. Em 2006, o índice de Recompras Dow Jones chegou a $370 bilhões, quatro vezes o total de 2003. Estima-se que nos primeiros nove meses de 2006 um recorde de $600 bilhões em ações nos EUA foram removidas, no total, das bolsas de valores dos EUA. Em muitos casos, as companhias interessadas pediram emprestado o dinheiro exigido para comprar de volta uma porção de suas ações. Este processo faz zombaria da idéia de que as ações elevam capital para novos investimentos da companhia. Na verdade, a maioria do investimento vem de lucros retidos ou empréstimos.
Muitas ações foram removidas do mercado através de tomadas (as chamadas fusões e aquisições), especialmente através de ‘compras alavancadas’ (leveraged buyouts – compras de companhias realizadas com dinheiro emprestado, N. do T.) por firmas de títulos de capital privado. Em 2006 nos EUA havia $420 bilhões de compras alavancadas, sendo que ‘alavancadas’ significa uma dívida financiada, com a dívida sendo lançada sobre a companhia adquirida.

Investimentos de alto risco

Por causa da escassez das ações e o retorno relativamente baixo dos títulos do governo (os títulos de 10 anos do tesouro dos EUA têm tido uma média de retorno de 4-5%) os grandes especuladores se voltaram a mercados mais arriscados buscando rendimentos maiores (lucros). Há um enorme crescimento de investimentos em títulos de alto-risco (junk bonds) que são títulos de companhias que não são qualificados em “grau de investimento”, mas considerados de alto risco. “Desde o inicio do ano, temos visto uma notável onda de novos investidores se posicionando em mercados corporativos emergentes”, principalmente títulos de alto-risco (junk bonds). (Financial Times, 21 de fevereiro). No passado, os títulos de alto-risco (junk bonds) retornavam 8-10% mais do que os títulos governamentais, refletindo os riscos envolvidos. Mas nos últimos anos, o prêmio de risco (pagamento por se fazer empréstimo, quando há risco dele não ser pago, N. do T.) caiu em torno de 2%. Os especuladores se tornaram cada vez mais complacentes, agindo como se o risco fosse uma coisa do passado. “A quantidade de débitos subjacente ao risco mais alto de não pagamento (default – falha na execução de um contrato de futuro N. do T.) está se elevando em proporção com o mercado de títulos de alto-risco, acionando temores de que o próximo ciclo de falências corporativas possa ser mais severo do que o último”. (Financial Times, 15 de janeiro)

Martin Fritzen, escrevendo no Leverage World, comentou: “Não penso que alguém discuta seriamente que muitos dos negócios precariamente financiados foram vendidos no mercado nos anos recentes”. O problema, ele disse, é que “a liquidez está lá quando você não precisa dela, no mercado de alto rendimento”. Além disso, o maior crescimento do mercado de títulos de alto-risco tem sido nos chamados ‘mercados emergentes’, em muitos casos economias semi-desenvolvidas, onde há pouquíssima pesquisa das companhias para lançar os títulos.

Nos últimos anos tem existido um grande aumento de investimento no mercado imobiliário, especialmente no setor sub-prime (empréstimos de alto risco, N. do T.), onde os retornos têm sido altos. Dívidas na habitação têm sido empacotadas nas chamadas ‘obrigações de débitos co-lateralizadas’ (CDOs), complexos instrumentos financeiros que empacota junto títulos de vários graus de risco. Enormes quantidades de CDOs de alto investimento foram sendo comprados por fundos de cobertura e outros grandes especuladores com base em crédito barato, especialmente de quem emprestadores com baixos juros no Japão.

Este setor do mercado de dívidas foi apoiado pela bolha da habitação nos EUA e em outros lugares. Embora os preços estavam subindo e o crédito de hipotecas se expandindo rapidamente, enormes lucros podiam ser obtidos do comércio de dívidas imobiliárias. Mas a recessão imobiliária dos EUA e a fusão do setor de hipotecas sub-prime ameaçam uma instabilidade muito mais ampla dos mercados financeiros. “Analistas se preocupam de que a fusão sub-prime possa ser o catalisador que conduza a era de fácil acesso aos débitos baratos para um fim”. (Financial Times, 16 de março).

Chen Hooi, do EON Capital, Kuala Lumpur, comenta: “A relação dos sub-prime dos EUA lançou uma grande sombra sobre a Ásia. A preocupação é que ela possa levar a economia dos EUA a uma recessão e isto causará um efeito dominó sobre a economia mundial”. (New York Times, 14 de março).

“Outra [preocupação] é o rápido crescimento de derivativos. Os problemas no setor de hipotecas sub-prime têm focado atenção sobre cortar e dividir riscos usando sofisticados instrumentos como as DCOs e operações de troca cambial de créditos não-pagos. Os bancos os usaram para espalhar o risco do crédito, mas não está claro onde todo este risco está agora”. (Market Turmoil, Rethinking Risk, The Economist, 28 de fevereiro).

Foi muito preciso para Tim Lee, estrategista do Economics, descrever todo o sistema financeiro como “o equivalente de um gigantesco esquema Ponzi”. Charles Ponzi era um fraudador americano que operava um golpe de investimento em 1920, oferecendo aos investidores retornos excepcionalmente altos que apenas podiam ser pagos por meio do pagamento de novos clientes. Todo o esquema dependia de um crescimento contínuo e colapsou inevitavelmente quando Ponzi não podia mais pagar o retorno prometido – e então a fraude foi exposta.

A coluna de Buttonwood do The Economist (17 de março) comentou sobre isto: “O mercado imobiliário americano parece estar sofrendo da descoberta de um sistema do tipo Ponzi. Os empréstimos sub-prime foram oferecidos em termos generosos que, implícita ou explicitamente, dependiam do aumento do preço das casas. Os bancos que fizeram estes empréstimos os empacotavam e os vendiam nos mercados de crédito aos investidores, ávidos por altos rendimentos. Isto deveria tornar o sistema financeiro mais seguro ao dispersar os riscos de modo mais amplo”.
“Mas veja o que está acontecendo agora. Os compradores destes empréstimos estão pedindo aos signatários originais das hipotecas para comprá-los de volta. Mas estes emprestadores domésticos não têm dinheiro para isso. A confiança que sustentou as folhas de balanço evaporou, deixando muitos em sérios apuros”.

Super-acumulação

As fontes imediatas da maré de liquidez são as políticas monetárias frouxas dos bancos centrais e a reciclagem de enormes excedentes das economias exportadoras (China, Japão, Coréia do Sul, etc) e, mais recentemente, os países produtores de petróleo. A maré de liquidez, todavia, não é apenas um fenômeno monetário. Se os bancos centrais estivessem apenas imprimindo dinheiro, haveria uma massiva inflação das maiores moedas, apesar da redução nos preços de bens manufaturados nos países de baixo custo.

Por trás da maré de liquidez há uma fonte mais profunda, a super-acumulação de capital. Os capitalistas apenas investem o seu dinheiro se eles podem encontrar campos lucrativos de investimento. Desde a última fase do boom do pós-guerra (1945-73), os capitalistas têm encontrado cada vez mais dificuldades em encontrar campos lucrativos de investimento na produção. Apesar do crescimento de novos produtos e de novos setores da economia, em muitos setores há uma sobre-capacidade em relação à demanda baseada em dinheiro. Bilhões de pessoas carecem de necessidades básicas, para não falar de produtos de luxo. Mas também carecem de renda e, portanto, do poder para comprar os bens e serviços disponíveis dentro da estrutura da economia capitalista.
Não obstante, desde os anos 80 a classe capitalista intensificou a exploração da classe trabalhadora, em particular aumentando a parte dos lucros na renda nacional à custa dos salários. À medida que os lucros se elevam, o ‘excesso’ de capital se tornou ainda mais evidente – e os capitalistas cada vez mais se voltaram para a especulação financeira, a compra e venda de bens de papel existentes ao invés do investimento em nova capacidade produtiva. É o excesso de capital surgindo da super-acumulação (mostrando os limites fundamentais do sistema capitalista) que está subjacente à maré de liquidez. A jogatina nos cassinos dos mercados financeiros mundiais é primariamente uma luta pela re-divisão de lucros entre os jogadores super-ricos envolvidos na atividade especulativa. O rebaixamento dos salários, todavia, mina ainda mais o mercado para os bens e serviços capitalistas, agravando o problema da super-acumulação e preparando o terreno para inevitáveis crises no sistema.

A maré de liquidez

A maioria dos comentaristas atribui a maré de liquidez produtora de bolhas à política monetária frouxa dos bancos centrais, começando com o Banco Central dos EUA, antes sob a responsabilidade de Greenspan. Sem dúvida, esta tem sido uma importante fonte imediata de liquidez. Em resposta à uma série de crises, os bancos centrais repetidamente reduziram as taxas de juros e expandiram o suprimento de dinheiro, bombeando grandes quantidades no sistema financeiro mundial num esforço de impedir um colapso. Isto foi feito após a crise asiática de 1997, repetiu-se para responder a bancarrota do fundo de coberturas (hedge funds) do Gerenciamento de Capital à Longo Prazo em 1998, de novo (numa escala massiva) após o colapso do boom ponto-com no fim de 2000, e mais uma vez pelo Banco Central dos EUA para impedir um choque econômico após os ataques de 11/9 às Torres Gêmeas e ao Pentágono.

A injeção de liquidez adicional sem dúvida amorteceu os efeitos da instabilidade financeira e da desaceleração econômica. A política monetária frouxa dos bancos centrais foi contrabalançada por vários fatores importantes. China, Japão e outros exportadores do sudeste asiático têm excedentes comerciais recorrentes com os Estados Unidos e outros países capitalistas avançados. Eles reciclaram seus excedentes usando suas reservas em moeda estrangeira para investir em títulos do governo dos EUA numa vasta escala para sustentar a economia americana como o ‘último refúgio do mercado’ mundial. Claramente, isto é feito para proteger seus próprios interesses econômicos. Ao mesmo tempo, fornece uma fonte de crédito relativamente barato ao governo, às corporações e aos consumidores dos EUA. Sem a reciclagem destes enormes excedentes, os EUA não seriam capazes de sustentar seu déficit comercial, atualmente na ordem de $800 bilhões por ano (refletindo o fato de que os EUA atualmente consomem mais do que produzem, com base no crédito).

Outra fonte da liquidez global é o chamado ‘carry trade’ (termo sem tradução; operação que visa lucrar com a diferença de taxas de juros interna e externa, o investidor toma emprestada uma moeda fraca com baixos juros e investe em uma moeda forte com altos juros; N. do T.), ligado especialmente ao Japão. Como resultado de uma década ou mais de estagnação econômica e deflação (com queda nos preços de consumo), o governo japonês adotou uma política de taxas de juro zero ou próximas ao zero. Os especuladores internacionais têm podido pegar emprestado o yen à um custo muito baixo, convertê-lo em dólares ou outras moedas, e investi-lo em bens financeiros altamente rentáveis pelo mundo. O carry trade tem sido uma grande fonte de crédito para a atividade especulativa (ele também tem a vantagem adicional para o Japão de impedir o yen de aumentar seu valor, o que tornaria as exportações japonesas mais caras no mercado mundial).

Além disso, nos últimos anos os maiores estados produtores de petróleo acumularam vastos excedentes em moedas estrangeiras como resultado do preço elevado do petróleo e do gás. O petróleo subiu de um preço médio de US$25 o barril em 2002 para US$66 em 2006 e permanece neste mesmo nível este ano. O cálculo do atual excedente combinado dos exportadores de petróleo disparou de apenas 0.1% do PIB global em 1999 para 1.4% no último ano. Nos últimos cinco anos, houve uma transferência de renda dos países consumidores aos países produtores de petróleo de US$1.8 trilhões, cerca de 4% do PIB global. Uma grande proporção destes excedentes, mantidos principalmente, mas não exclusivamente, em dólares, tem sido reciclada nos mercados financeiros mundiais à medida que governos e corporações nas economias produtoras de petróleo têm investido nos países capitalistas avançados, não apenas comprando títulos dos governos, mas especulando cada vez mais nos mercados financeiros (Serhan Cevik, Tracking Petrodollars, Morgan Stanley Global Economic Forum, 14 de fevereiro de 2007).
Os petrodólares se tornaram uma fonte cada vez mais importante de crédito barato na economia global.

Capital versus Trabalho

Internacionalmente, a classe capitalista geralmente restaurou sua lucratibilidade aos níveis elevados do boom do pós-guerra. A parte dos salários na renda nacional foi brutalmente comprimida, especialmente para os setores menos qualificados dos trabalhadores, mas também, cada vez mais, para trabalhadores técnicos, à medida que alguns serviços são deslocados para países como a Índia. No grupo ‘G7’ dos países capitalistas avançados (EUA, Japão, França, Alemanha, Itália, Grã-Bretanha e Canadá) a compensação real (salários mais benefícios) como parte da renda doméstica bruta (RDB) caiu de 56% em 2001 para uma baixa recorde de 53.7% em 2006. O Bank of International Settlements (BIS) comenta: “O declínio secular [de longo-prazo] na inflação anda de mãos dadas com uma grande restrição no crescimento nominal dos salários… e a porção dos salários na economia total caiu em 5% nas últimas três décadas ou mais” (BIS Annual Report 2006, p18).

O aumento dos lucros à custa dos salários é muito claro nos EUA. Um comentarista escreveu: “…os salários agora compõem a mais baixa porção do produto interno bruto desde 1947, quando o governo começou a medir tais coisas. Os lucros corporativos, ao contrário, elevaram-se à sua mais alta porção do PIB desde meados dos anos 60 – de novo, isto vem principalmente às custas dos trabalhadores americanos” (Harold Meyerson, Devaluing Labor, Washington Post, 30 de agosto de 2006).

Referindo-se à recuperação na economia dos EUA desde o colapso do boom ponto-com em 2001, o Economic Policy Institute comenta: “O aumento na parte dos lucros corporativos é, de longe, a maior que ocorreu 19 trimestres após um ciclo de auge nos negócios desde a 2ª Guerra Mundial, e é quase oito vezes maior que a mudança média que caracterizou as recuperações anteriores. Se esta porcentagem continuasse constante, a renda do trabalho em conjunto seria $346 bilhões mais alta hoje” (EPI Snapshot, 30 March 2006).

Diferente da situação durante o boom econômico do pós-guerra, o crescimento acelerado da produtividade não resultou em qualquer melhoria na porção que cabe ao trabalho na riqueza produzida. Nos EUA, a produtividade cresceu a uma renda média de 2.8% por ano, o dobro do reduzido ganho de 1.4% durante 1974-95. Stephen Roach, do Morgan Stanley, comenta: “Dez anos em uma espetacular renovação da produtividade, os salários reais continuam quase estagnados e a parte do trabalho na renda nacional continua a diminuir” (Labor Versus Capital, Global Economic Forum, 23 de outubro de 2006).

Esta mudança a favor dos lucros à custa dos salários é a razão fundamental para o agudo crescimento da desigualdade tanto nos países capitalistas avançados quanto em muitos países em desenvolvimento como a China. Sob o capitalismo, a riqueza é produzida pela exploração da mão de obra dos trabalhadores no processo produtivo. Os trabalhadores recebem apenas parte da riqueza, ou novo valor, que eles criam. O restante, a “mais-valia”, em termos marxistas, é expropriado pela classe capitalista, os donos privados dos meios de produção. A distribuição do excedente entre salários e lucro é determinada pela luta de classes. No período do pós-guerra, por causa da correlação de forças na época, os trabalhadores foram capazes de melhorar sua proporção e o crescimento relativamente alto da produtividade permitiu um crescimento simultâneo dos lucros e dos salários reais.

Desde o fim do boom do pós-guerra, contudo, a correlação de forças mudou contra a classe trabalhadora. Este foi o resultado de uma combinação de fatores econômicos e políticos.

O declínio das indústrias manufatureiras pesadas, especialmente nos países capitalistas avançados, minou a base dos ‘batalhões pesados’ da classe trabalhadora organizada. Novos setores da indústria e especialmente de serviços se basearam em trabalhadores informais, de meio período. Sob as políticas neoliberais houve um ataque geral aos direitos sindicais, resultando no enfraquecimento da organização sindical.

O enfraquecimento da classe trabalhadora também está ligado com recuos políticos, especialmente o retrocesso na consciência após o colapso dos estados stalinistas após 1989. A confusão, desorientação e enfraquecimento das organizações operárias tradicionais sem dúvida criaram condições favoráveis para a ofensiva capitalista neoliberal contra a classe trabalhadora.

Ao mesmo tempo, a globalização também enfraqueceu a classe operária internacionalmente. Houve, aproximadamente, uma duplicação da força de trabalho integrada à economia capitalista mundial durante a última década, com China, Índia e Rússia contribuindo com quase 1.5 bilhão de trabalhadores adicionais à força de trabalho global. Potencialmente, isto significa um enorme aumento no tamanho e peso social da classe trabalhadora internacionalmente. Sob as atuais condições, todavia, com as condições neoliberais e um enfraquecimento da organização e consciência da classe trabalhadora, a rápida expansão da força de trabalho em países com mão de obra barata mudou a correlação a favor dos capitalistas. Quando os operários na China, por exemplo, recebem apenas 3% dos níveis salariais dos operários nos países capitalistas avançados, a mudança de empresas – ou a ameaça de mudança – para países com baixos salários pode ser usada para minar o poder de barganha dos operários. Ao mesmo tempo, a crescente onda de trabalhadores imigrantes para países como os EUA ou a Grã-Bretanha, outro aspecto da globalização neoliberal, sem dúvida retardou o crescimento salarial.

Fraco investimento de capital

Apesar do aumento da lucratibilidade e o predomínio de políticas neoliberais propícias aos negócios, contudo, a taxa de acumulação de capital nos países capitalistas avançados (incluindo Japão, Coréia do Sul, Taiwan, etc) tem continuamente caído desde o final dos anos 60. O crescimento anual do capital social fixo (que leva em conta a depreciação ou obsolescência do capital esgotado) nos Estados Unidos caiu de 4% nos anos 60 para 3% nos 90 e apenas 2% entre 2000-04. Na Europa, a taxa de crescimento caiu de 4.6% nos 60 para 2.6% em 2000-04. Ainda mais dramaticamente, a taxa de crescimento ou capital fixo no Japão, visto como um ‘superacumulador’ durante o boom do pós-guerra, caiu de 12.5% nos anos 60 para 4% nos 90 e 2.1% em 2000-04. (a China, é claro, é uma exceção a esta tendência, com o crescimento acelerando de 1.9% nos anos 60 para 10.9% nos 90.) (Ver Andrew Glyn, Capitalism Unleashed, p86).

Está ocorrendo um declínio no investimento de capital (‘capex’ – abreviação de gasto do capital na aquisição ou melhoras de bens de uma empresa, no jargão financeiro) apesar do fato de que (1) a força de trabalho global aproximadamente dobrou na última década com o acelerado desenvolvimento da China, Índia, etc, que abaixou significativamente a razão capital-trabalho (a quantidade de capital empregado por trabalhador); e (2) a acelerada depreciação do estoque de capital porque o equipamento high-tech se torna obsoleto mais rápido que o equipamento anterior, exigindo assim um nível maior de investimento de capital até para manter o capital social líquido.

Até muito recentemente, havia pouca discussão deste fenômeno na imprensa financeira, mas vários analistas financeiros da Morgan Stanley recentemente ressaltaram “o capex / capital social (curiosamente) reduzido no mundo”.

“Tem havido uma curiosa relutância por parte do setor corporativo no mundo a investir em bens físicos, i.e., o capex tem sido surpreendentemente reduzido, apesar de que a razão global capital-trabalho está artificialmente deprimida”. (Stephen Jens, Global Economic Forum, 23 de fevereiro de 2007). Ele também nota que, fora da China, a taxa de investimentos na Ásia (Japão, Taiwan, Coréia do Sul, etc) “colapsou, incluindo até o massivo investimento que ocorreu na China nos anos recentes”.

Jens e outros analistas capitalistas apontam para várias explicações. Há, eles dizem, intensa incerteza sobre as perspectivas da economia global e medo de que o crescimento econômico dos EUA, dependente de preços de bens inflacionados, possa colapsar. As corporações multinacionais, além disso, parecem extremamente cautelosas sobre a capacidade em expansão nos ‘mercados emergentes’ (Brasil, Rússia, Vietnã, etc), devido à incertezas sobre a estabilidade política e econômica.

Outro fator, contudo, está ligado ao domínio do capital financeiro. Baixos níveis de gasto de capital, chamados aprovadamente de ‘disciplina de capital’, ajudam a manter os lucros corporativos altos, encorajando a valorização das companhias nas bolsas de valores.

Vários analistas da Morgan Stanley alertam que a ‘anorexia capex’, a menos que revertida, irá desacelerar cada vez mais o crescimento da economia mundial. A acumulação de capital é chave para a produtividade e crescimento de rendimento. Gerard Minack nota que “o gasto em investimento tem sido estranhamente amortecido neste ciclo, apesar do recorde alto das margens de lucro, dos retornos de investimentos e também das taxas de juro relativamente baixas”. (The Global Capex Debate, Morgan Stanley Global Economic Forum, 16 de fevereiro de 2007).

Esta anorexia capex anorexia ocorre apesar do chamado excesso global de poupanças, o enorme fosso entre os lucros ganhos de fundos ou outras formas de renda e o investimento de capital no desenvolvimento dos meios de produção.

No ‘debate capex’ na Morgan Stanley, Stephen Roach nota o crescente fluxo de dinheiro corporativo dos países capitalistas avançados para “investimentos de capacidade inteiramente nova para o exterior, em economias em desenvolvimento de baixo custo”. Isto implicaria, ele comenta, que “a porção doméstica [do investimento corporativo] iria então para recomprar ações ou substituir a capacidade esgotada ou obsoleta. Talvez o melhor que se possa esperar nos países mais maduros seja uma ‘substituição’ suficiente de gastos apenas para manter o capital social – dificilmente a semente para uma poderosa melhoria do capex que os touros vêem como tudo menos inevitável”.

Por causa do rápido desenvolvimento da nova tecnologia, especialmente computadores e softwares, o equipamento atualmente se torna obsoleto muito rapidamente. Exige um crescimento no gasto de equipamentos entre 6-7% em termos reais nos EUA, apenas para manter a razão capital-rendimento em seu nível atual. Richard Berner comenta: “O valor de capital de equipamentos e softwares [nos EUA] realmente tem caído em relação ao PIB dos últimos quatro anos. O índice de rendimento real subiu a uma taxa média anual de 3.9% sobre este período, enquanto o valor real de equipamentos e softwares subiu de uma taxa média anual de 3.5%. Não obstante, para obter isto, o investimento bruto em equipamentos e software subiu a uma taxa média de 6.2%”.

Berner comenta ainda: “Não há equívocos na clara baixa cíclica no crescimento do capex – especialmente em equipamentos e software – nos últimos três trimestres. Tal gasto rastejou em um miserável crescimento anual de 1.4% nos últimos nove meses de 2006, comparado com uma taxa anual de 9.5% anual nos dois anos anteriores”. (Global Economic Forum, 16 de fevereiro de 2007)

Em seu próprio comentário sobre o ‘enigma capex’ (Global Economic Forum, 9 de março de 2007), Berner comenta: “A América corporativa parece cada vez mais relutante em encorajar o gasto de capital, apesar dos fundamentos moderadamente positivos…” Berner também considera que é preciso de modo geral 6% de crescimento no gasto real em equipamentos nos EUA apenas para manter a razão capital-rendimento constante. Isto por causa da “grande escala do valor de capital existente e a pesada depreciação dos equipamentos rapidamente obsoletos de hoje”.

O capital social de equipamentos e software realmente tem caído em relação ao PIB nos últimos quatro anos. Andrew Glyn comenta que “o boom de investimentos do final dos anos 90 deteve a aparentemente inexorável tendência na taxa de crescimento do valor do capital que começou no final dos anos 60. Além disso, quando o boom chegou ao fim em 2000 o crescimento do valor de capital caiu mais verticalmente do que nunca antes”. (Capitalism Unleashed, p134)

Os capitalistas enfrentam um dilema. Se o investimento em capital continua a uma taxa apenas suficiente para manter o valor de capital existente, as taxas de crescimento futuro e a produtividade inevitavelmente serão minadas. De outro lado, um significativo aumento na taxa de gastos de capital reduziria o atual ‘excesso de poupança’, empurrando as taxas de juro globais para cima. Isto minaria as bases da economia bolha, a série de bolhas sobre as quais a economia mundial flutuou nos anos recentes.

No momento, contudo, há poucos indícios de que as grandes corporações estão interessadas em impulsionar a taxa de acumulação de capital. Companhias públicas (as empresas de bolsas de valores) estão gastando vastas somas de dinheiro para comprar de volta suas próprias ações para aumentar seu valor e o fluxo de lucros para os acionistas. Por exemplo, no quarto trimestre de 2006, as corporações (não financeiras) dos EUA compraram de volta um recorde de $701 bilhões (à uma taxa anual) de seus títulos de capital (ações líquidas de novas ações emitidas), enquanto incorriam num recorde de $605 bilhões em dívida para fazer isso. (Ver Berner, Global Economic Forum, 9 de março de 2007)

Os executivos de corporações e os especuladores super-ricos estão muito mais interessados em jogar com os bens financeiros existentes, seguros de papel, do que no investimento real de capital para desenvolver novas forças produtivas.

Onde tudo isto terminará?

Desde a recessão que se seguiu ao colapso da bolha ponto-com em 2000-01, a economia mundial saltou de novo, crescendo em torno de 5% ao ano. Os lucros corporativos se elevaram. ‘O mercado’, as grandes firmas financeiras que jogam nos cassinos globais, estão na maioria cheias de otimismo. Tudo está indo para a melhor no melhor de todos os mundos capitalistas possíveis. Isto apesar de sérios desequilíbrios internacionais, na verdade profundas contradições, nas relações econômicas mundiais. Há a disparidade sem precedentes entre o déficit do capitalismo americano e as reservas em moeda estrangeira dos maiores exportadores, China, Japão e os produtores de petróleo, que usam suas reservas (na maioria) não para desenvolver suas próprias economias domésticas, mas para investir nos EUA e outros países capitalistas avançados, para assegurar os mercados de consumo dos quais eles dependem.

O déficit externo dos EUA e a confiança de seus consumidores na dívida, são insustentáveis a longo prazo. A massiva acumulação de reservas pela China, Japão e outros exportadores asiáticos também é insustentável. Num certo ponto, a queda continuada e possivelmente acelerada do dólar irá provocar uma debandada dos bens em dólar, provocando tumulto (pelo menos) no sistema financeiro mundial.

A economia dos EUA está desacelerando, e pode possivelmente cair em recessão. Otimistas acreditam que o desequilíbrio será absorvido pelo crescimento doméstico na Europa e Japão, e pela decolagem do crescimento doméstico na China. Eles esquecem que estes países, direta ou indiretamente, se tornaram decisivamente dependentes do mercado dos EUA. Um relacionamento estrutural se desenvolveu entre o consumo sustentado por dívidas dos EUA e os exportadores asiáticos, que sustentam o déficit americano. Um rebalanceamento suavizado, com uma redução do déficit dos EUA (envolvendo uma contração do seu crescimento e consumo) e um desvio dos excedentes asiáticos e produtores de petróleo para suas economias domésticas exigiria um ajustamento muito doloroso, que poderia provocar uma convulsão na economia mundial.

Além disso, há por trás do relacionamento déficit-excedente contradições econômicas e sociais ainda mais profundas. Há um abismo cada vez mais profundo, globalmente e dentro dos países ricos e pobres, entre os capitalistas super-ricos e a massa da população, trabalhadores, operários e pequenos agricultores que trabalham para produzir a riqueza. Esta polarização de classe extrema coloca a ameaça de levantes sociais e políticos, ameaça recentemente reconhecida pelos mais inteligentes estrategistas capitalistas. Ao mesmo tempo, a porção em queda de salários na renda nacional e a erosão dos padrões de vida das massas está restringindo mais o mercado para o capitalismo. Não há um relacionamento simples e invariável entre níveis salariais e o mercado para bens capitalistas. Não obstante, na última análise, os capitalistas têm que vender os bens e serviços que produzem para obterem o valor excedente na forma de lucros.

Apesar das condições favoráveis para o capitalismo desde o colapso dos estados stalinistas, o sistema não superou os problemas da superacumulação. De fato, ele se tornou ainda mais agudo. O rápido crescimento da economia chinesa, além disso, não reverteu esta tendência. A superacumulação não é apenas um problema de curto prazo, conjuntural. Ela expressa uma crise orgânica do sistema. O capital, como Marx previu, alcançou um impasse dentro da estrutura da propriedade privada dos meios de produção e do estado nação, apesar da crescente integração do mercado global. Apenas o planejamento sob o controle democrático da classe trabalhadora, tornará possível desenvolver a produção a uma etapa superior, satisfazendo as necessidades sociais ao invés da cobiça por lucros, e organizar a produção em uma base global. A orgia de especulação, um sintoma da superacumulação, reflete em último caso os limites históricos do capitalismo.

Mas, pode-se perguntar, se há tais desequilíbrios e profundas contradições no sistema, como a economia mundial continua a crescer (pelo menos em termos de crescimento do PIB, não em amplo bem-estar econômico)? Como os capitalistas aparentemente surfam através de ventos da volatilidade financeira e navegam pelos episódios de turbulência econômica?

Um dos principais fatores nesta situação é o fluxo de liquidez. Entre 2002-06, a liquidez global aumentou em estimados US$3.9 trilhões, mais da metade disto da Ásia, em torno de 40% dos produtores de petróleo. O crédito barato que surge deste fluxo fazem soprar as bolhas que mantêm a economia mundial à tona. O ‘efeito riqueza’ da bolha de habitação dos EUA, a transferência, financiada por dívidas, de valores elevados de propriedade para o gasto em consumo, sustentou o crescimento da economia americana. Houve um efeito similar na Grã-Bretanha, Austrália e muitos outros países.

O efeito de riqueza global de bolhas paralelas (commodities, títulos de alto-risco, mercados emergentes, etc), afunilando a riqueza para os bolsos dos super-ricos e impulsionando a rende de alguns estratos de classe média, tem sido um fator chave na sustentação do crescimento em muitos países. Estas bolhas – junto com a fraqueza das forças da classe trabalhadora – têm, até agora, permitido aos capitalistas superar os problemas que enfrentam internacionalmente.
O fenômeno bolha, contudo, pode apenas adiar crises, não elimina-las. As crises irão surgir inevitavelmente quando as contradições subjacentes do sistema se afirmarem de modo decisivo. Quanto mais são adiadas, mais profundas provavelmente serão. Lamentavelmente, não é possível prever a duração de crises ou os processos particulares e caminhos pelos quais eles irão se desdobrar. Mas a idéia de que o investimento especulativo é agora virtualmente livre de riscos, que o ciclo capitalista de negócios está morto, são ilusões de pessoas intoxicadas pelos lucros efervescentes do período recente.

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