Apesar das projeções de crescimento, a economia mundial segue profundamente instável

A devastação causada pela recessão detonada pela pandemia em 2020 dificilmente poderia ser superestimada. Foi a maior contração econômica desde a Grande Depressão dos anos 1930. Ao redor do mundo, foram perdidas horas de trabalho equivalentes a 255 milhões de empregos. O Banco Mundial estima que o número de pessoas em “pobreza extrema”, definida como a situação daqueles que vivem com menos de 1,90 dólar por dia, aumentou em impressionantes 119-124 milhões de pessoas.

Mas nem todos sofreram. De acordo com a análise da revista Forbes, a riqueza dos bilionários do mundo cresceu em cinco trilhões de dólares em 2020! A desigualdade, tanto no interior das nações quanto entre países ricos e o mundo “em desenvolvimento”, cresceu significativamente.

No entanto, os economistas capitalistas agora tornaram-se otimistas acerca das perspectivas para a recuperação global em 2021. A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) recentemente projetou um crescimento da economia global de 5,6% em 2021 após uma contração de 3,5% em 2020. Esta estimativa para 2021 está 1,4% mais alta do que a projeção de novembro. 1% inteiro deste montante adicionado à estimativa do crescimento global é atribuído ao pacote de estímulo de 1,9 trilhão de dólares aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos no início deste mês.

Esta projeção é baseada em um número de pressuposições muito otimistas as quais devem ser questionadas. Isto também nos leva a destacar contradições do capitalismo contemporâneo que não foram consideradas. A recuperação, pesadamente baseada em injeções fiscais e monetárias, sem precedentes e insustentáveis, serão distribuídas de forma muito desigual e provavelmente serão de curta duração antes que a tendência depressionária da economia mundial reafirme-se.

Perspectivas da pandemia

É claro que as projeções da economia mundial não podem ser separadas do curso da pandemia e da progressão da vacinação da população. Alguns dos países mais ricos, particularmente os EUA e o Reino Unido (assim como Israel),  deram grandes passos na vacinação de suas populações depois de uma condução desastrosa do combate à pandemia. Cerca de um terço dos adultos dos EUA e mais da metade dos adultos do Reino Unido receberam pelo menos uma dose da vacina até este momento. Isto aumenta a perspectiva de uma reabertura mais extensiva e um “retorno ao normal” por volta do verão.

Em geral, as projeções de crescimento da OCDE estão baseadas em pressuposições otimistas sobre o desenvolvimento futuro da pandemia. Mas mesmo nas semanas desde o anúncio da OCDE, nós vimos novamente como o fracasso dos governos capitalistas em conter o vírus e em desenvolver um plano racional global para a vacinação continua a criar novas ameaças para a saúde da população mundial e para a recuperação econômica.

A situação na União Europeia é muito reveladora. No último outono, a mídia capitalista aclamou a UE como uma história de sucesso comparativamente às nações mais ricas, especialmente em relação aos EUA e ao Reino Unido. Mas a UE agora está significativamente para trás na corrida da vacinação com apenas 12% da população alemã, por exemplo, tendo recebido pelo menos uma dose. Isto é parcialmente um resultado de interrupções de fornecimento coroando um fracasso em assegurar tal suprimento em estágios anteriores, agravado por um processo de distribuição extremamente incompetente. Então veio o susto terrivelmente desordenado acerca da vacina da AstraZeneca na Europa, que viu a vacinação inteira parar por vários dias antes de ser reassumida, com vários países europeus ainda bloqueando ou restringindo o seu uso. Algo que teve como único sucesso o de contribuir para um ceticismo massivo em relação às vacinas. Tudo isto veio no meio de uma desastrosa nova onda da pandemia na Europa, que está levando para uma nova onda de lockdowns.

Além de ser um grande baque no prestígio de líderes da UE como Merkel e Macron, o caos da vacinação combinado com a nova onda da Covid desferiu um novo golpe contra a economia europeia e pôs um grande ponto de interrogação sobre a capacidade de reabrir inteiramente o turismo no próximo verão. Agora, projeta-se que a economia da UE deve encolher 1,5% no primeiro trimestre de 2021 (revisada para baixo de uma contração originalmente de 0,8%), significando que a UE está em uma recessão de “duplo mergulho”.

Fora dos países ricos, o ritmo da vacinação é ainda mais lento e em muitos deles sequer começou. No ritmo atual estima-se que seriam necessários anos para a vacinação da população mundial. Neste momento há uma nova onda da pandemia na Índia, enquanto no Brasil a disseminação de perigosas novas variantes e a negligência criminosa do regime de Bolsonaro estão esticando o sistema de saúde até o ponto do colapso.

Desde o início, a resposta para a pandemia foi minada por sistemas de saúde que mesmo em áreas relativamente ricas, como no norte da Itália, foram drasticamente enfraquecidos por décadas de cortes neoliberais. Isto é agravado pelo completo fracasso em ter-se uma resposta e uma estratégia de vacinação globalmente coordenada. Os imperialismos da UE, do Reino Unido e dos EUA protegeram os lucros e os “direitos de propriedade intelectual” das gigantes farmacêuticas sediadas em seus territórios e recusaram-se a compartilhar as fórmulas das vacinas de graça com o resto do mundo o que iria acelerar massivamente o fluxo da vacinação.

Tal movimento não se daria apenas no interesse da sociedade, mas mesmo dos capitalistas. Quanto mais longo a pandemia continuar inabalada em largas partes do mundo, maiores as oportunidades para que se desenvolvam perigosas variantes as quais podem reiniciar a pandemia. Mas esta atuação racional é impedida pela competição entre os poderes imperialistas.

Ao contrário, nós temos o espetáculo do “nacionalismo da vacina”. De um lado, há um entesouramento de vacinas com a UE impondo controles de exportação, e no outro há a Índia, um dos grandes produtores de vacinas, que interditou as exportações por enquanto. Os EUA provavelmente estarão sentados num estoque de vacinas nos próximos meses, mas fizeram pouquíssimos compromissos para dividir o excesso com outros países. Enquanto isso, China e Rússia usarão doações de suprimentos de vacinas para países em particular como parte de sua ofensiva diplomática na nova Guerra Fria com os EUA. Os EUA, a Índia, a Austrália e o Japão, que coletivamente atuam como “o Quad” (Segurança Quadrilateral) em assuntos de segurança responderam com um plano de produzir um bilhão de doses de vacinas na Índia, financiadas pelo U.S. for Southeast Asia (EUA para o Sudeste Asiático), transparentemente uma tentativa de contrapor-se à diplomacia da vacina chinesa.

As dificuldades de se atingir a imunidade de rebanho devido ao fracasso total em se ter uma abordagem global para uma crise global e o perigo de variantes mais mortais aponta para o potencial de sérias complicações com as perspectivas de crescimento delineadas pela OCDE.

O efeito do pacote de estímulos dos  EUA na economia mundial

Contudo, exceto por desenvolvimentos de curto prazo desastrosos, países ricos – particularmente aqueles com um rápido desenrolar das vacinas – verão suas economias abrir mais ou menos rapidamente durante o decorrer de 2021 e uma significativa recuperação. Após um colapso econômico em 2020, afetando 93 países, as taxas de crescimento parecerão mais impressionantes do que realmente são.

Um fator chave nas projeções para um crescimento global é a demanda reprimida em um número de países ricos. Setores da população, especialmente partes da classe média, economizaram dinheiro durante a pandemia devido ao fato de trabalhar de casa e não viajar. A maior contribuição, contudo, para a demanda reprimida são as massivas medidas de estímulo aprovadas em vários países. Enquanto as medidas de estímulo nos EUA desde que a pandemia começou foram equivalentes a 27% do PIB, na Alemanha foram equivalentes a 20% e as medidas no Japão foram provavelmente equivalentes a 30%.

Mais claramente o novo pacote de estímulos dos EUA é de particular importância internacional. É equivalente a estarrecedores 9% do PIB dos EUA; a OCDE, agora, prevê um crescimento de 6,5% pela OCDE, um nível de crescimento não visto desde o início dos anos 1980. O efeito cascata de aumento da demanda dos EUA com seus parceiros comerciais mais importantes, incluindo o Canadá e o México, mas também a China e a União Europeia, também será significativo. No último ano, a demanda dos países ricos por EPI’s, computadores, equipamentos de exercício e vários itens de consumo duráveis contribuíram massivamente para as exportações chinesas, permitindo que a China tenha sido a única grande economia a apresentar um crescimento nominal, mesmo que a performance econômica tenha sido significativamente exagerada pelo regime. Baseado no novo pacote de estímulos dos EUA, o banco UBS atualizou a sua previsão para o crescimento de exportações da China neste ano de 10% para 16%.

Há muita discussão nas páginas financeiras das publicações burguesas sobre se o pacote de estímulos levará a uma alta da inflação nos EUA e forçará ao Federal Reserve a elevar a sua taxa de juros para impedir um “superaquecimento” da economia. O estímulo de Biden e os anteriores em 2020 foram todos financiados exclusivamente por empréstimos. Após décadas usando o espectro da inflação para justificar medidas de austeridade, o Federal Reserve e o Departamento de Tesouro [ministério da economia] dos EUA fizeram um giro de 180 graus e agora declaram que a inflação não é mais uma preocupação maior. O chefe do Fed, Jerome Powell, diz que se houver alguma inflação mais à frente neste ano ela será temporária e não justificaria um grande aumento na taxa de juros. Isto é significativo porque se o custo de emprestar dinheiro fosse subir, isto poderia engatilhar a próxima recessão ao mesmo tempo em que complicaria os planos para futuros estímulos. Na verdade, novas medidas provavelmente serão necessárias, mesmo que sejam mais focadas, na medida em que as inevitáveis tentativas de substituir os estímulos por austeridade arriscarão desestabilizar a economia mundial no próximo período.

Deve-se destacar que a capacidade dos EUA de tomar emprestado somas tão impressionantes está baseada em taxas de juros historicamente baixas e baixa inflação, assim como na posição do dólar como moeda de reserva global. O imperialismo estadunidense está na posição privilegiada de ser capaz de ter acesso a fundos aparentemente ilimitados e pagar muito pouco por isso. Como Leon Trotsky disse sobre as políticas do New Deal nos anos 1930, elas foram “uma política estadunidense par excellence“, não disponível na maioria dos países e certamente não nos países pobres. E ainda que possa haver um certo impulso para países mais pobres a partir das medidas de estímulo de países ricos, isto também tenderá no futuro a direcionar os investimentos para longe dos países pobres e exacerbar suas próprias crises de endividamento iminentes. 

Agora, Biden revelou um novo plano massivo de infraestrutura em dois estágios de 3-4 trilhões de dólares, o qual ele diz que será financiado por aumento de impostos sobre empresas e sobre os ricos. Enquanto é apresentado como parte de uma estratégia para enfrentar a mudança climática e como um programa de empregos para resolver desigualdades históricas, ele é também, em grande medida, o aprofundamento da competição de Guerra Fria com o imperialismo chinês em ascensão. Mas enquanto parte da classe dominante verá maiores impostos sobre corporações como um preço necessário a ser pago para que sejam alcançados certos objetivos estratégicos, eles também se defrontarão com significativa resistência de setores que se opõem a aumentos de impostos com fervor religioso.

O afastamento da política neoliberal

A escala das medidas que foram tomadas pela classe dominante dos EUA nesta crise representa uma imensa mudança de direção. Referindo-se à escala da intervenção fiscal e à corrida da vacina, o Financial Times (13/03/21) apontou recentemente:

“Tomada de conjunto, esta explosão de ativismo do governo carrega consigo ecos do New Deal de Franklin Delano Roosevelt durante a Depressão, e das Grande Reformas Sociais de Lyndon Johnson nos anos 1960.”

“O presidente dos EUA e muitos democratas também esperam que ela possa se tornar uma poderosa contraprova contra o comentário emblemático de Ronald Reagan em agosto de 1986 de que “as nove palavras mais terríveis na língua inglesa são: ‘Eu sou do governo e estou aqui para ajudar’.”

“Aquele mantra inaugurou um período de desregulamentação, baixos impostos, gastos domésticos limitados e uma crença nos mercados livres como os principais pilares da política econômica estadunidense. Aquelas receitas começaram a ser desafiadas após a crise financeira global, embora elas tenham sido parcialmente reanimadas durante a administração de Donald Trump. Ainda assim, elas não puderam lidar com a ofensiva da pandemia, que fez com que os americanos ansiassem por um maior envolvimento de Washington, dando a Biden a oportunidade para preencher este vácuo.”

A mudança de curso em relação à política neoliberal pela elite dos EUA a qual o Financial Times está descrevendo é o resultado de uma série de fatores já apontados pela Alternativa Socialista Internacional. Em primeiro lugar, esta é a segunda crise massiva a defrontar o capitalismo em pouco mais do que uma década. Durante a crise financeira de 2008-09, o foco se manteve em política monetária, bombeando dinheiro (particularmente através de “afrouxamento quantitativo”) nos mercados financeiros para dar sustentação ao sistema bancário. Mas, como admitiram os próprios dirigentes de bancos centrais, ter-se focado somente na política monetária neste momento teria sido desastroso. Lockdowns nacionais criaram a ameaça de um colapso da demanda e da privação das massas as quais poderia ser prevenidas apenas através de uma intervenção fiscal sem precedentes desde o New Deal.

Em segundo lugar, no caso da administração Biden, há uma determinação de “aprender as lições” de 2008-9. Na opinião de muitos economistas liberais, o estímulo limitado combinado com a austeridade maciça na UE e nos EUA naquela época tornou a recuperação subsequente muito mais lenta e superficial.

Por último, a classe dominante dos EUA viram como a desigualdade de massas e a polarização política extrema contribuiu para a rebelião do Black Lives Matter no último verão, e depois o golpe ameaçado por Trump e o assalto ao Capitólio em 06 de janeiro. Eles se deram conta de que estavam correndo o perigo de perder o controle da situação e que medidas para restaurar a confiança no Estado são, portanto, necessárias para se adiantar à próxima explosão social.

A situação segue profundamente instável

Seria este provável rebote na economia mundial o início de um período ascendente mais geral? Alguns nos meios de comunicação burgueses compararam a situação com os resultados da Primeira Guerra Mundial e a devastadora pandemia de influenza de 1918-1920 a qual foi seguida pelos “Loucos anos 1920” nos EUA e na Europa. 

Tais expectativas estão deslocadas. A causa basilar da atual crise e da crise de 2008-09 foi o crescente caráter parasitário e esclerosado do capitalismo. Durante a era neoliberal, começando no fim do boom do pós guerra no fim dos anos 1970, a classe capitalista restaurou sua lucratividade por meio do ataque ao setor público e ao nível de vida do povo trabalhador. Eles também se beneficiaram da abertura de novos mercados após o colapso do stalinismo. Isto levou a um intenso aumento da desigualdade e degradou a capacidade dos trabalhadores de absorver a riqueza produzida. O resultado foi um campo cada vez mais exíguo para o retorno em investimentos produtivos e um crescimento em produtividade cada vez menor com o excesso de capital sendo injetado no cassino financeiro. 

A recuperação, galvanizada por somas maciças de gastos estatais, não resolveria qualquer destes problemas. Mesmo nos EUA, enquanto a recuperação poderia trazer milhões de volta para o trabalho, ela ainda estará longe de lidar com a devastação causada pela crise de 2020, incluindo o imenso endividamento que afeta grande setores da classe trabalhadora, a grande diminuição na participação das mulheres na força de trabalho, e as centenas de milhares de pequenos negócios que não voltarão a abrir.

A recuperação também está sendo paga por meio de um aumento maciço do endividamento público o qual, nos EUA, está agora em uma escala não vista desde a Segunda Guerra Mundial. Isto não é sustentável, especialmente na medida em que não existe uma perspectiva de um extenso período de crescimento significativo. Ao invés disso, como em todas as crises anteriores, a classe dominante buscará passar a conta da crise para a classe trabalhadora no próximo período o que só levará a maiores empobrecimento e desigualdade.

Além disso, a pressuposição de que a inflação e as taxas de juros permanecerão muito baixas, que foi o que permitiu que a farra de empréstimo chegasse a tal ponto é a-histórica. A inflação poderia subir mais adiante neste ano embora o contexto geral permaneça deflacionário. Mas, independente das atuais certezas do Fed, um surto de inflação, mesmo que temporário, poderia forçar uma subida nas taxas de juros e trazer um breve fim para a recuperação.

Para além da possibilidade de um “superaquecimento” na economia real, há uma crise financeira iminente a qual também é alimentada pela gigante injeção de liquidez nos mercados financeiros desde março do ano passado, a qual foi também parte do que impediu uma implosão. Isto criou bolhas especulativas nas ações e outros ativos, incluindo imobiliários.

Outro gatilho da próxima fase de crise econômica global poderia vir da iminência de moratórias por uma série de países pobres aos quais faltam ferramentas fiscais e monetárias disponíveis para os países imperialistas e que, de longe, foram atingidos com muito mais força pela depressão econômica. A situação com a qual se defronta o Líbano é particularmente extrema, onde a corrupção galopante e o mal funcionamento no aparato estatal deu origem a um colapso bancário e à hiperinflação. Grandes camadas da população encontra-se pauperizada. Este poderia ser o destino de muitos países no próximo período. 

Em resumo, não existem bases para um retorno a uma situação estável para o capitalismo. Os governos lançaram mão de um poder de fogo monetário sem precedentes para evitar um colapso completo em 2008-09. Agora eles estão usando um poder de fogo fiscal e monetário sem precedentes para lidar com esta crise. O que eles vão fazer quando estourar a próxima crise?

A ASI caracterizou este período como depressionário. Isto não significa que todas as tendências deverão constantemente apontar para baixo, mas antes que não existe um caminho para o crescimento estável do capitalismo. E um período depressionário não significa que não possa haver melhoras temporárias, como aconteceu mesmo na Grande Depressão dos anos 1930.

Desglobalização

A tendência depressionária é agravada pela tendência à desglobalização. A pandemia colocou as cadeias globais de abastecimento sob grande stress e expôs enormes problemas com o modelo de produção “just in time“, especialmente na área da saúde na medida em que países e regiões se contorceram para assegurar-se acesso a suprimentos médicos vitais. Mais recentemente, o navio de containers da Ever Given encalhou por uma semana no Canal de Suez e o bloqueio de uma artéria vital do comércio ao custo de bilhões tornou-se algo emblemático acerca destas tensões.

A rivalidade estratégica entre os EUA e a China acelerou o processo de “desacoplamento” econômico entre os dois países. Por anos a China tem procurado conscientemente valer-se de investimento estatal para desenvolver sua força em tecnologia de ponta. Ela buscou assegurar-se do abastecimento de commodities chaves globalmente e reforçar suas indústrias estratégicas. Os EUA agora seguirão a mesma direção. A esta altura, uma escassez de chips eletrônicos já fechou temporariamente uma parte das linhas de produção dos EUA, o que alimenta as discussões sobre quão seguro é o abastecimento estadunidense deste componente crítico para a atividade industrial. Tudo isto aponta em direção a várias cadeias de abastecimento regionais ao invés de um sistema global integral. 

Sob Trump, os EUA impuseram amplas tarifas sobre importações chinesas. Alguns esperavam que isto fosse revertido ou reduzido sob Biden. Mas, até agora, não existe qualquer indicação de que isto venha a acontecer. Ao contrário, os EUA, o Canadá, o Reino Unido e a UE recentemente impuseram sanções a oficiais chineses por conta de suas políticas voltadas para a minoria uigures em Xinjiang que levou a sanções de retaliação por parte da China. Agora, um novo acordo de investimento sino-europeu parece estar sob ameaça. Enquanto isto, na China, existem boicotes patrocinados pelo Estado contra empresas estrangeiras do varejo que tenham criticado as suas políticas.

Agora são frequentes as comparações com a Guerra Fria entre a União Soviética e os EUA depois da Segunda Guerra Mundial. Mas aquela foi um conflito entre dois sistemas sociais em competição os quais não eram parte de um sistema de comércio internacional. Além disto, ela se deu durante um das mais longas fases de ascendência econômica na história do capitalismo. A situação na qual nos encontramos hoje permite mais comparações com o período entre as duas guerras mundiais de 1918 até 1939, um período de estagnação generalizada do capitalismo com rivalidades globais crescentes e cada vez mais intensas.

Um alto nível de protecionismo foi também uma das características definidoras do período entre guerras, especialmente para os anos 1930. É verdade, claro, que a economia global está muito mais integrada hoje e isto não pode ser desfeito facilmente. Mas é a tendência que é importante. A reafirmação dos interesses nacionais e os países estarem sendo gradualmente empurrados entre dois “campos” levará à erosão do tipo de economia globalmente integrada que existiu nas últimas décadas. Contudo, o giro cada vez maior dos governos capitalistas para a intervenção estatal e a política econômica nacionalista não evitará ou resolverá novas crises, não mais do que fez nos anos 1930. 

Não há saída sob o capitalismo

Na medida em que novas variantes ou futuros problemas com as campanhas de vacinação possam afetar a escala da recuperação econômica este ano, não é provável que possam interrompê-la completamente. Mas este rebote será temporário e há um leque de fatores que podem disparar o próximo estágio da crise. E, é claro, quaisquer benefícios serão distribuídos globalmente de maneira bastante desigual.

No entanto, uma recuperação temporária pode ter um impacto positivo na luta de classes em muitos países, dando aos trabalhadores mais confiança para entrar em ação. Em país após país, nós já vimos que os trabalhadores da saúde e da educação estiveram preparados para resistir apesar de sua exaustão. 

Há uma gigantesca raiva justamente em relação a como os sistemas de saúde degradados causaram tantas perdas de vidas e com o fracasso em proteger os trabalhadores da linha de frente durante a pandemia. Quaisquer tentativas em reverter os benefícios e proteções que estão resguardando as pessoas da miséria provocarão séria resistência. A demanda por transformações permanentes que beneficiem o grosso da população vai crescer.

A reivindicação por transformações fundamentais vão se tornar cada vez mais fortes na medida em que os efeitos da mudança climática piorem. Esta é a outra, e até mais profunda, crise que foi jogada temporariamente para o segundo plano pela pandemia e a crise econômica.

Ver o quão longe o capitalismo esteve disposto a ir para salvar este sistema decadente levará dezenas de milhões a se perguntar por que não podemos nos livrar do capitalismo todo de uma vez. Todos os desdobramentos atuais apontam para a necessidade urgente de que seja decretado um plano global racional e democrático, baseado na propriedade pública dos principais setores econômicos para que se possam tratar dos desafios que enfrentamos enquanto espécie.

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