A questão do circular da UFRN e o problema do transporte público em Natal: é necessário enfrentar o SETURN, lutar pelo passe livre e por uma empresa pública de transporte!

A vitória pelo retorno da gratuidade do circular da UFRN, conquistada com base nas lutas, deve ser comemorada, mas não podemos acreditar que a disputa acabou ou que ela foi completamente vencida. Dentre os diversos ataques promovidos pelos empresários do transporte com a anuência do poder público está a redução do número de linhas do circular – de quatro linhas para uma (a da reitoria) – e a restrição dos horários de circulação. Existe somente um ônibus que faz viagens apenas até às 15h45, segundo a tabela de horários disponibilizada pela empresa responsável. Além disso, há um vasto intervalo entre as 9h e as 12h em que não há viagem alguma, mesmo havendo pessoas nas paradas.

Isso está acontecendo mesmo após um acordo entre o governo Fátima Bezerra (PT) e o SETURN que prorroga as isenções fiscais sobre o ICMS incidente sobre o óleo diesel.   As duas principais condições para esse acordo foram a volta da gratuidade do circular da UFRN e a manutenção do valor das passagens do sistema de transporte, evitando, assim, reajustes.

O discurso do SETURN é o de que as linhas e os demais ônibus voltarão conforme a demanda aumente, principalmente com o retorno às aulas presenciais na universidade, já aprovado para 28 de março. Apesar disso, há um histórico de descumprimento de acordos por parte do patronato que deve nos fazer manter a mobilização.

Os patrões do setor rodoviário estão deixando claro a nível nacional que não aceitarão qualquer redução de seus lucros e que procurarão sangrar a classe trabalhadora, a juventude e os cofres públicos cada vez mais. Isso está acontecendo em todo o Brasil através de pelo menos duas maneiras: aumentos de valores de passagens em diferentes cidades, como é o caso daquelas da região metropolitana de São Paulo, e a tentativa de aprovar, no Congresso Nacional, uma lei que torne responsabilidade do governo federal o custeio da gratuidade dos idosos. Hoje, esse custeio é responsabilidade das prefeituras.

Um breve resgate dos últimos acontecimentos

Após um longo período sem o funcionamento do circular, que foi retirado durante a pandemia, o retorno de parte da comunidade acadêmica fez com que surgisse a demanda pelo retorno da linha. Isso foi pauta de diferentes reuniões dos sindicatos e do DCE com a reitoria e dessa última com órgãos da Prefeitura do Natal. Foi uma surpresa quando, após o anúncio da volta do circular, a linha passou a ser paga. Essa notícia gerou, com razão, indignação e luta pela volta da gratuidade.

Depois de dois atos públicos, sendo o primeiro deles alvo de dura repressão por parte da Guarda Municipal do prefeito Álvaro Dias (PSDB) e pela PM; de uma reunião pública da Comissão de Transporte, Legislação Participativa e Assuntos Metropolitanos da Câmara Municipal e de diversas denúncias, a governadora Fátima Bezerra (PT) anunciou o acordo com o SETURN referido acima.

A importância do circular da UFRN

O circular percorria, antes da pandemia, quatro trajetos diferentes dentro do campus central: o direto, o inverso, o expresso reitoria e o expresso C&T. Ele atende um conjunto de estudantes, servidores técnicos e docentes, terceirizadas e terceirizados e a comunidade do entorno da universidade. Ele é fundamental, portanto, como forma de direito à cidade e como forma de acesso à educação. A comunidade acadêmica, considerando todos os campi, é composta por mais de 40 mil pessoas. A maioria delas frequenta o campus Natal, que, em sua dinâmica diária de saída e entrada de pessoas, é demograficamente maior que a maioria dos municípios localizados no Rio Grande do Norte. O prejuízo social pela perda de seu trajeto completo é significativo, especialmente considerando que a UFRN aprovou o retorno presencial para 28 de março.

O circular também é uma questão de segurança pública. Algumas atividades presenciais na universidade já retornaram e, para se deslocar para fora do campus, a comunidade acadêmica precisava passar por um trecho perigoso em Mirassol. Em razão disso, há relatos de diversos assaltos, especialmente a trabalhadoras e trabalhadores terceirizados.

O SETURN, a STTU e seus argumentos insustentáveis

Vivemos um contexto de diversas crises: de saúde pública, ambiental, econômica, social e política. São quase 13 milhões de pessoas desempregadas e mais de 5 milhões de desalentados (IBGE), vivemos a maior inflação desde 2003 e a fome retornou com toda a força devido às políticas desastrosas do governo genocida, negacionista, ultraliberal e autoritário de Bolsonaro. Nesse contexto, as universidades também estão passando por diversos cortes nas políticas de permanência estudantil. Isso se converte, dentre outros, em cortes em bolsas para a graduação que, além de estarem diminuindo em número, também estão com seus valores congelados em R$ 400,00 há dez anos, ou seja, desde 2011.

Há estudantes que não possuem condições financeiras sequer de chegar ao campus todos os dias em que terão aulas presenciais. Qualquer valor que possa vir a ser cobrado pelo circular será um obstáculo ao direito à educação e será, portanto, um descalabro! É válido destacar que, durante o curto período em que o circular se tornou pago, em fins de 2021, o valor da passagem integral era R$ 3,20; a meia passagem custava R$ 1,60. A secretária da pasta de transportes, Daliane Bandeira, defendeu que a cobrança se tornou necessária porque o SETURN entregou a linha alegando que ela não era mais viável em um contexto de pandemia e de queda do número de passageiros do sistema de transporte como um todo, que teria diminuído pela metade. A solução seria, portanto, cobrar passagem para que a linha se financiasse.

O argumento da secretária, no entanto, só mostra o quanto a STTU tem se comportado como o escritório do SETURN nas últimas décadas, defendendo os lucros dos patrões em detrimento dos interesses do povo. A mobilidade urbana é um direito, assim como o acesso à educação, e não podem ser colocados em segundo plano em relação a quantos milhões a mais ou a menos os patrões estão ganhando. O papel do poder público deveria ser o de cobrar que o empresariado reduza os seus lucros para custear a linha.

O circular é financiado pelo sistema de transporte em sua integralidade, ou seja, o seu custeio é distribuído no que é arrecadado nas outras linhas que circulam pela cidade. Apesar disso, há alguns anos o SETURN ensaia a cobrança da passagem do circular por não aceitar esse ônus. No momento em que a universidade está esvaziada devido à suspensão das aulas presenciais, eles se sentiram fortalecidos o suficiente para finalmente aplicar o ataque, mas, felizmente, está havendo resistência.

O DCE da UFRN realizou dois protestos de rua. No primeiro deles, a secretária Daliane Bandeira acionou tanto a Guarda Municipal quanto a PM e houve dura repressão sobre as e os estudantes. Repudiamos esse ato do poder público! Lutar não é crime! O DCE também conseguiu uma reunião da Comissão de Transporte, Legislação Participativa e Assuntos Metropolitanos da Câmara Municipal para tratar do assunto. Estiveram presentes, além de estudantes, servidores/as e vereadores/as, a secretária de transportes e o representante do SETURN, Nilson Queiroga. A LSR esteve presente e foi um momento importante para tensionar o poder público contra a retirada da gratuidade do circular, mas a luta não pode parar na institucionalidade burguesa.

O argumento da queda do número de passageiros que circula na cidade foi o acionado para a cobrança de passagem pelo uso do circular. No entanto, a retirada da gratuidade precisa ser relativizada com o fato de que diversas empresas de ônibus vêm demitindo os cobradores e vêm colocando os motoristas para fazer a dupla função de cobrar e dirigir. Alguns motoristas também foram demitidos. O SETURN entende isso como “corte de custos”. Nós entendemos como demissão de trabalhadores e trabalhadoras que tinham ali o seu sustento e que, agora, estão engrossando as filas do desemprego e do desalento.

As empresas de ônibus também cortaram o valor do vale alimentação e o plano de saúde dos rodoviários. Isso gerou, inclusive, paralisação dos funcionários de algumas empresas durante 2020. Esse empresariado também conseguiu 100% de isenção fiscal do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o óleo diesel pelo governo do estado e 50% de isenção do ISS (Imposto Sobre Serviços) pela Prefeitura durante a pandemia. Mesmo assim, a posição do SETURN é a de que a gratuidade do circular só será garantida com mais subsídios por parte da Prefeitura! São verdadeiros sanguessugas dos cofres públicos!

Mesmo com as isenções estaduais e municipais estando condicionadas à manutenção do preço da passagem e a volta de 100% da frota, foi necessário o município acionar a Justiça para o retorno completo. Os empresários não cumpriram a medida e mantiveram apenas 70% da frota. Não houve consequências… O SETURN também ameaça o aumento da passagem para o valor de R$ 8,50 para manter o “equilíbrio econômico-financeiro”, que também pode ser chamado de lucro nos bolsos dos empresários. Atualmente, a passagem custa R$ 4,00 para quem paga em dinheiro e R$ 3,90 para quem paga com o cartão.  Essa proposta de aumento é abusiva e também uma estratégia de negociação junto à população e ao poder público, ou seja, colocam o valor bastante alto para conseguir um valor menor e parecer que os usuários tiveram alguma vitória.

Esse patronato retirou mais de 20 linhas de ônibus durante a pandemia, o que gerou protesto de moradores de diferentes bairros na porta da STTU no mês de setembro do ano corrente. A STTU também cassou 47 linhas do transporte alternativo para beneficiar os tubarões do SETURN. Com o fim de todas essas linhas, as esperas passaram a ser mais longas que o habitual, o acesso das pessoas a certos pontos da cidade foi prejudicado e houve aglomeração dentro dos ônibus em um período que o distanciamento social é imprescindível. A busca incessante por lucro certamente custou diversas vidas de trabalhadoras e trabalhadores que se contaminaram no transporte público.

Ainda durante a pandemia e dentro da polêmica sobre o não retorno de 100% da frota, a STTU, em seu nefasto papel de escritório do patronato, aceitou a retirada da gratuidade para idosos e o fim da meia passagem estudantil em horários de pico. Um verdadeiro desrespeito a direitos historicamente conquistados.

Para finalizar a lista de absurdos, é preciso mencionar que o poder público ainda não efetivou a licitação dos transportes. Em grande medida, isso aconteceu porque as licitações feitas no passado não tinham inscrições de nenhuma empresa, uma vez que elas não queriam se submeter às regras do poder público para não terem os custos elevados. É mais vantajoso para eles manterem os ônibus velhos, sem piso baixo, sem climatização, com motor dianteiro e com câmbio manual. Isso mostra o quanto nada de bom virá do SETURN!

Precisamos unificar as lutas!

A luta em defesa da gratuidade do circular e do cumprimento de todos os trajetos realizados anteriormente à pandemia, portanto, é por direito à cidade e por direito à educação. Nesse sentido, é necessário nos prepararmos para elevar o nosso poder de mobilização e estarmos prontos para as novas investidas dos empresários em torno do circular e de possíveis aumentos do valor das passagens. A postura do SETURN já deixou evidente que nem mesmo a legalidade é suficiente para barrar a sua ganância e que a Justiça, em grande medida, trabalha para eles. Os decretos estaduais que, em teoria, garantem a manutenção dos preços das passagens, portanto, não constituem garantia alguma. É preciso unificar estudantes, servidoras e servidores da UFRN, terceirizadas e terceirizados e a comunidade do entorno do campus. A unidade também precisa ser buscada junto a moradoras e moradores que estão sendo prejudicados pela retirada das linhas em seus bairros.

Sindicatos, movimentos sociais e mandatos que queiram se somar a essa luta também serão bem-vindos!

O que defendemos?

Em termos programáticos, a nossa defesa precisa ser pela manutenção da gratuidade do circular e de seus trajetos realizados anteriormente à pandemia, ainda que caibam adaptações enquanto o retorno presencial ainda não esteja em 100%. Que o SETURN custeie a gratuidade a partir de seus lucros!

Defendemos também o passe livre e uma empresa pública de transportes. Com o empresariado que atua em Natal e com sua força sobre o poder público, apenas com uma empresa pública de transporte será possível atingir a tarifa zero e condições dignas de deslocamento para a classe trabalhadora. Com um sistema de transporte planejado a partir do interesse social e não do interesse econômico, será possível ter uma melhor rede de atendimento, mais convidativa para que as pessoas deixem de usar carros e motos e passem a usar o transporte público. Com isso, evita-se os congestionamentos e se diminui a poluição.

O vereador Robério Paulino, do PSOL, possui um projeto de lei cadastrado e ainda não votado na Câmara Municipal a respeito da criação de uma empresa pública de transporte. O projeto prevê que essa empresa deverá ter como funções a oferta direta de transporte de passageiros, além da administração de publicidade, celebração de contratos e serviço de capacitação para motoristas e demais funcionários da área dos transportes.

O projeto também prevê a criação de um Fundo Municipal Público de Transportes (FMPT) a ser gerido por um Conselho Municipal Público de Transportes (CMPT). Esse último seria composto pelo Prefeito/a (presidente/a), Secretário/a Municipal de Transportes, Secretário/a Municipal de Planejamento, Presidente/a da Comissão de Transporte da Câmara Municipal, um/uma representante da empresa pública em referência, um/uma representante do sindicato dos rodoviários, dois/duas representantes de movimentos sociais, um/uma representante do movimento estudantil. 

Sobre as fontes de receita do FMPT, são citados: a dotação orçamentária do município para o fundo, acordos e convênios, doações de pessoa física ou jurídica (pública ou privada), rendimentos provenientes de aplicações do fundo e o produto de operações de crédito realizadas pela Prefeitura.

Todos esses elementos podem e devem ser discutidos amplamente, mas é importante pontuar que a mobilidade urbana é um direito que não pode ser tratado como mercadoria. A cidade de Porto Alegre mostrou que ter uma empresa pública de transportes é possível e precisamos seguir mobilizados para garantir a gratuidade e os trajetos do circular e estar preparados para os passos seguintes do SETURN a respeito do provável reajuste do valor das passagens de ônibus, em parte devido ao aumento do preço do óleo diesel. Com mobilização e unidade, a vitória será possível!

Por fim, é válido pontuar que em 2013 grandes protestos de massa, a despeito de todos os seus limites, começaram devido ao aumento do preço das passagens de ônibus. Algo semelhante está acontecendo agora no Cazaquistão, com o aumento do preço dos combustíveis, mesmo motivo que gerou os protestos dos “coletes amarelos” na França. Em Santiago, no Chile, grandes protestos começaram após o reajuste do preço da passagem de trem. Não permitir a transformação do direito à cidade em mercadoria é um tema caro à classe trabalhadora e, com a precarização cada vez maior e mais rápida das condições de vida, uma pequena faísca pode virar um grande incêndio! Precisaremos estar prontos para o caso disso acontecer!

O que defendemos?

  • Manutenção da gratuidade do circular e das rotas existentes no período pré-pandêmico. Que o SETURN custeie a gratuidade!
  • Passe Livre já!
  • Por uma empresa pública de transportes sob controle das trabalhadoras, trabalhadores e da juventude!

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