Vozes da Universidade Marxista Virtual, parte 2

Entre 19 e 25 de julho, mais de 1400 militantes de 36 países da Alternativa Socialista Internacional (ASI), da qual a LSR é a seção brasileira, se juntaram na Universidade Marxista Virtual para uma semana de formação, debate e troca de experiências. As discussões, divididas em mais de 70 comissões e plenárias, incluíram debates teóricos como o método transicional e o papel do partido revolucionário, lutas históricas e atuais como a revolução do Haiti e a luta pelo aborto em Argentina, análises da situação atual com a nova guerra fria entre China e EUA e muito mais. 

Nessa segunda parte, compartilhamos mais relatos das sessões em que participamos. 

“Classe, partido e direção” de Trotsky e sua relevância hoje 

Eduardo Padoan – LSR SP

O segundo dia de debates do VMU começou com, entre outros temas, com a discussão sobre o clássico Marxista “Classe, partido e direção” de Trotsky, na qual participaram camaradas de mais de 10 países. 

Albert K, da seção austríaca da ASI, abriu o debate com uma contextualização histórica do documento, seguida por uma justificativa de porque ler e estudar os clássicos: não de forma dogmática, mas para extrair lições históricas do movimento dos trabalhadores. 

Albert salientou que apenas através da luta a classe trabalhadora pode desenvolver sua consciência e tornar-se de uma “classe em si”, em uma classe para si — um agente político consciente. Mas também destacou que há uma contradição que temos que reconhecer: a de que, ainda assim, uma liderança consequente pode ser decisiva na arena da revolução. 

Isso fica claro na comparação da Rússia de 1917 com a Espanha dos anos 30: na Espanha, o nível de consciência da classe trabalhadora pode ser considerado até mais elevado, na época. E mesmo assim, a falta de uma liderança como a dos bolcheviques foi um fator decisivo para a derrota na Revolução.

Nas contribuições das/dos camaradas ao debate, foram dados exemplos da importância de uma liderança resoluta e experiente em momentos de inflexão nas lutas em diversos países: Clément B colocou a importância de se apresentar um programa para as lutas com o exemplo da nossa intervenção no movimento dos trabalhadores belgas contra o governo. Theresa, dos Estados Unidos, deu o exemplo das limitações do DSA (partido Socialsita Democráticos da América) em estabelecer uma alternativa política para a classe do seu país, e destacou que não é uma questão de imaturidade da classe trabalhadora e que há muitos outros fatores políticos envolvidos. Marcus, da LSR, deu o exemplo da estratégia do PT de tentar enfraquecer o governo Bolsonaro, mas sem necessariamente tentar derrubá-lo (mirando nas próximas eleições), ressaltando como essa política enfraquece a luta, e debatendo então qual deveria ser a nossa postura alternativa no PSOL e que programas ele apresenta para a luta. 

No encerramento, Danny B da seção inglesa/galesa/escocesa fez um resumo das intervenções, e destacou que em países como os EUA, em que a maioria da juventude tem uma visão favorável do socialismo, o que falta não é uma preparação da classe trabalhadora, que pode aprender muito na luta aberta, mas sim a falta de um fator subjetivo forte: um partido dos trabalhadores que dê uma liderança clara. Para isso, precisamos nos preparar politicamente desde já.

Introdução à economia marxista 

Tarcísio Dantas – LSR SP

Na sessão haviam pessoas de 6 países diferentes:  Áustria, Brasil, Canadá, Estados Unidos, México, Palestina/Israel. A fala de abertura foi feita por uma militante que apresentou fundamentos da economia marxista e compartilhou um exemplo da sua própria vida laboral que ilustrava algumas afirmações da teoria de Marx. A militante trabalhava em uma cafeteria no Reino Unido, e uma comparação entre o que ela ganhava por hora e o quanto ela vendia, mesmo que deduzindo custos operacionais, ficava claro que o seu patrão ficava com uma parcela enorme dos frutos de seu trabalho. Por isso ficava claro também que o trabalhador é obrigado a trabalhar um número excessivo de horas apenas para que possa subsistir e que o trabalhador não tem voz sobre o destino do valor excedente gerado pelo trabalho do mesmo. A luta entre a classe trabalhadora e a burguesia é justamente sobre o destino do valor excedente gerado pelo trabalhador.

Outro ponto de destaque foi as falas sobre como algumas disciplinas acadêmicas também são utilizadas nas universidades capitalistas para justificá-lo: Economia, História e Filosofia. Os capitalistas buscam sempre ofuscar suas teorias econômicas e promovem a narrativa que aquilo é muito complicado para o entendimento do trabalhador. Na realidade, a análise marxista simplifica essa análise, porque além de apresentar a exploração do trabalhador um dos elementos centrais do capitalismo, ela também simplifica a exposição e explicação do que é de interesse ao trabalhador. 

Isso torna o ato de contestar o capitalismo uma tarefa política e não acadêmica. O capitalismo do século 19, onde havia competitividade e pequenos comerciantes disputam o mercado, não existe mais. A tecnologia é usada hoje de maneira nefasta para extrair valor de pessoas desempregadas ou parcialmente empregadas. Nos Estados Unidos, até profissões ocupadas por membros das elites, como no caso da medicina, já é dominada por grandes corporações. Para um jovem é impossível viver sem dívidas como a realidade de baixos salários, e altos custos de aluguéis, educação e saúde, mesmo em momentos em que a economia capitalista se encontra em fase de expansão.

A sessão contou com várias contribuições da vida real dos participantes, majoritariamente da América do Norte, envolvendo temas e empresas como Amazon, Starbucks, apps de trabalho, práticas de demissão-readmissão frequentes.

O método transicional e sua aplicação nas lutas de hoje

Jéssica Galdino – LSR PE

O capitalismo está em colapso ao passo que colapsa o mundo que vivemos. A classe trabalhadora lida com uma avassaladora queda na qualidade de vida, talvez a mais dura até então, embora não tenha deixado de produzir grandes lucros aos detentores de capital. Intensificada pela maior crise sanitária do século, nos deparamos com a necessidade que se faz mais urgente a cada minuto de uma revolução socialista partida da classe trabalhadora.

Na sessão O método transicional e sua aplicação nas lutas de hojediscutimos e levantamos diversas possibilidades, estratégias e conjunturas mundiais, mapeando ferramentas que nos permitam um diálogo efetivo com as diversas camadas da classe trabalhadora.

Solidariedade, internacionalismo e luta são pautas que precisam estar no debate com  trabalhadores do mundo. Nós, revolucionários, necessitamos dominar muitos tipos de discursos e torná-los simplistas para que assim abracemos a pluralidade da nossa população.

A sessão levantou muitas questões e apontou direções que, como iniciante na luta organizada, ainda não havia entendido. É imprescindível atacar o capitalismo, expor seus abusos e consequências, e assim expor como o socialismo é uma alternativa coesa e a esse sistema incoerente. E apenas chegaremos lá quando tivermos ao nosso lado maioria da classe trabalhadora.

O companheiro Rob da Rússia, expos uma situação que me trouxe diversas reflexões:

Um grupo de trabalhadores de uma mina de carvão no País de Gales juntou suas economias e compraram a mina na qual trabalhavam, formando assim uma cooperativa. Após alguns anos quando o carvão acabou, eles dividiram tudo e voltaram a vender sua mão de obra ao capitalismo. Isso torna visível que é impossível construir uma ilha socialista num mar capitalista. Nosso objetivo é trazer a maioria da classe trabalhadora para o nosso lado, e, quando formos maioria, iremos todos juntos derrubar o capitalismo.

Liga dos trabalhadores negros revolucionários de Detroit: o movimento sindical e a libertação dos negros

Lucas Moreira – LSR SP

Com participação de camaradas da sessão estadunidense, foram debatidos vários pontos, desde a questão de solidariedade entre trabalhadores brancos e negros nos locais de trabalho, até a campanha de solidaridade a vereadora de Seattle, Kshama Sawant. Foi levantado como a luta histórica mostrou como não basta organizar apenas a comunidades e igrejas, mas também nos locais de trabalho onde as trabalhadoras passam a maior parte do tempo, pensando em uma organização de massas, onde existe apoio sindical. A partir disso era possível enfrentar a polícia e responder com protestos de forma organizada, evitando que sepasse uma visão distorcida aos trabalhadores que estão na rua fora do protesto. Também foi discutido temas como a questão do nacionalismo negro.

A questão nacional em Israel/Palestina

Bruna Barlach – LSR SP 

Na tarde de quarta-feira aconteceu a discussão sobre a questão nacional Israel/Palestina na Universidade Marxista Virtual da ASI. Militantes do Brasil, de Israel/Palestina, Estados Unidos, México, Argentina, África do Sul, Bélgica e outros países se engajaram na discussão que teve tradução simultânea para diversos idiomas.

Na abertura do ponto, Tuvaal e Uri, ambos militantes da organização em Israel/Palestina, contextualizaram os últimos conflitos existentes na região, e também o processo histórico que levou à realidade atual. Desde 1948 até hoje, como caminharam as ocupações e como é hoje.

A esquerda mundial costuma ter como política para essa região a estratégia de boicote, e Uri colocou como limitado o boicote, apesar de pontualmente poder ter algum resultado, e que muito melhor que o boicote de consumidores, é a militância de trabalhadores, trabalho que buscamos desenvolver na região.

A nossa política para a região é a revolução socialista, que é a única saída da classe trabalhadora de todo o mundo para as contradições do capitalismo e do imperialismo. E, através do processo revolucionário, a criação de dois estados proletários independentes, um judaico, outro palestino, conformando uma aliança dos trabalhadores da região.