Vozes da Universidade Marxista Virtual, parte 1

Entre 19 e 25 de julho, mais de 1400 militantes de 36 países da Alternativa Socialista Internacional (ASI), da qual a LSR é a seção brasileira, se juntaram na Universidade Marxista Virtual para uma semana de formação, debate e troca de experiências. As discussões, divididas em mais de 70 comissões e plenárias, incluíram debates teóricos como o método transicional e o papel do partido revolucionário, lutas históricas e atuais como a revolução do Haiti e a luta pelo aborto em Argentina, análises da situação atual com a nova guerra fria entre China e EUA e muito mais. 

Aqui compartilhamos alguns breves relatos das sessões em que participamos.

Perspectivas mundiais: oportunidades e perigos na ‘Era da Desordem’

André Villares – LSR RJ

A plenária inicial da terceira edição da Universidade Marxista Virtual ocorreu na manhã desta terça-feira. O tema principal foi “Perspectivas mundiais: oportunidades e perigos na ‘Era da desordem’”. Seis centenas de militantes, espalhados por todos os continentes, puderam aprofundar seus conhecimentos sobre a conjuntura internacional atual e as perspectivas dos revolucionários marxistas para o próximo período. 

A apresentação principal ficou por conta de Keely, da Socialist Alternative (EUA). Apesar de um certo crescimento esperado (até por conta do retrocesso imposto pela situação de pandemia), o capitalismo mundial se encontra em uma grave crise e o relatório apresentado aponta para três pontos principais desse quadro nebuloso: a crise climática, os choques interimperialistas entre China e EUA (e no que isso afeta nas relações internacionais, na economia desses dois países imperialistas e do resto do mundo, e no fortalecimento do nacionalismo, etc) e na situação crítica da economia global, com aumento das desigualdades econômicas, em descontrole das economias nacionais (com aumento de inflação e efeitos colaterais para mitigar). O agravamento constante desses elementos traz perspectivas para o movimento socialista, pois tendem a provocar eventos explosivos de revolução e contrarrevolução em diversas regiões do mundo, inclusive e principalmente na América Latina. Lidar com essas situações confusas, em que elementos opostos agem de forma simultânea na realidade, exige a existência de organizações revolucionárias, armadas de conhecimento teórico, sabedoria na formulação de táticas ousadas e capacidade de mobilização. Esse é o desafio desse período!

Nas contribuições, Fernando Lacerda, do Brasil, aprofundou a análise sobre a América Latina, em especial a Colômbia. É uma situação especial, que reflete bem o espírito das lutas na América Latina, bem como os limites de muitas direções sindicais e partidárias, mesmo tidas por de “esquerda”. Contrapondo-se à reforma tributária do governo Ivan Duque, a greve geral e diversas manifestações deixaram claro a intenção popular de aceleração da vacinação, de concessão de auxílio emergencial e de uma saída da crise que não penalize os mais pobres. Manifestações fortes e radicais, mesmo com todos os problemas sanitários decorrentes da pandemia. Esse mesmo espírito de luta foi visto no Peru, que também foi sacudido recentemente com intensas manifestações e que recentemente teve a vitória eleitoral do líder sindical Pedro Castillo, no Chile e até no Brasil.

Os demais comentários foram para aprofundar análises sobre a violência contra as mulheres e as lutas feministas ao redor do mundo; a situação econômica mundial; os levantes na Palestina e o novo governo de Israel; a questão ambiental e o papel da juventude nesse campo; as questões políticas internas da China; o golpe militar em Mianmar e as lutas populares e a situação política em Zimbabwe e na África do Sul.

Entendendo o imperialismo chinês

Marcio da Silva  – LSR PB 

No segundo dia da UMV, ocorreu a sessão “Entendendo o imperialismo chinês”, um debate sensível dentro da esquerda internacionalmente. Contou com a participação de camaradas de 15 diferentes países. 

A abertura levantou as questões mais importantes para o entendimento do papel da China na atual conjuntura: o ascenso de uma “nova Guerra Fria” com a polarização entre EUA e China, a caracterização da China atual como um regime capitalista e imperialista, a definição do que seria imperialismo na visão do marxismo, a necessidade de uma posição de independência de classe em disputas entre países imperialistas e o papel da ASI na luta da China, principalmente na luta por democracia.

Entre 11 falas, militantes da ASI de Taiwan, Hong Kong e da China continental também fizeram importantes contribuições, levantando, desde o quente e dos perigos da luta contra a ditadura do Partido Comunista Chinês, importantes questões sobre os crescentes nacionalismos, as dificuldades para a organização dos trabalhadores, o recrudescimento de ameaças militares, entre outras. 

Foi uma sessão de discussão e aprendizado extremamente importante para preparar as lutas para o futuro próximo, quando as tensões internacionais e uma nova fase do capitalismo em crise estão ascendendo.

Como podemos derrubar o capitalismo e a opressão – uma “política de identidade radical” ou uma abordagem feminista socialista?

Ariana Ferreira – LSR GO

Essa sessão iniciou diversos debates que seriam feitos ao longo de toda a Universidade Marxista Virtual, trazendo aspectos essenciais para se considerar com relação aos diferentes níveis de consciência presentes na classe trabalhadora, quais são os principais mecanismos que têm desmobilizado as camadas radicalizadas da sociedade, e como destruir esses mecanismos. Essa sessão focou em estabelecer como as “políticas identitárias”, de caráter liberal, individualizantes, que partem de uma “interseccionalidade”, desmobilizam movimentos contra opressões e falham em fornecer estratégias de luta e perspectivas de superação desse sistema, e contou com camaradas dos EUA, Polônia, Brasil, Irlanda, Bélgica, Austrália, Suécia, Áustria, Alemanha e México.

Ganhando força nas universidades, num contexto de grande fraqueza dos movimentos de trabalhadoras e trabalhadores no mundo, as ideologias pós-modernas negavam as grandes narrativas, identificando as opressões como de origem interna e se desenrolando a partir de identidades específicas, consequentemente obscurecendo as verdadeiras causas e sustentações dessas opressões no sistema capitalista. Também foi abordada a teoria do privilégio, e de que forma isso divide ainda mais a classe trabalhadora, de forma a simplesmente culpabilizar determinadas camadas da população, mas não fornecer respostas ou alternativas. Essa discussão foi bem interessante para pensar sobre a radicalização das mulheres, população LGBT e juventude e seus desdobramentos no contexto brasileiro, quais os níveis de consciência que esses movimentos parecem demonstrar, e quais são as principais ideias que têm guiado essas camadas de pessoas.

Principalmente com relação à teoria do privilégio, é perceptível que ganhou tração no contexto brasileiro nos últimos anos. Um país tão desigual quanto o Brasil apresenta terreno fértil para a disseminação dessas ideias, que coloca como privilegiada qualquer camada da população que não esteja sofrendo os efeitos mais nefastos do capitalismo, mas que ainda assim experimenta níveis de exploração e opressão enormes – por exemplo, o debate sobre o “privilégio” de poder fazer isolamento social durante uma pandemia que matou milhares de pessoas, sendo que a luta pela possibilidade de se isolar sem perder seus empregos, salários e seguridade social é uma luta que diz respeito a toda a classe trabalhadora, ou sobre o “privilégio” de se ter uma casa para morar, sendo que moradia é um direito de todas as pessoas, entre vários outros exemplos. É importante que esse debate continue, na perspectiva de nos ajudar a constantemente avaliar essas questões tão importantes e nos auxiliar a combater essas ideias e intervir de formas mais assertivas nos movimentos de massa.

De Cuba a Bolívia: Revolução Permanente na América Latina 

Bárbara Fleury – LSR GO

A sessão contou com importantes aberturas dos companheiros Mauro, do México, e Marcus, nosso camarada da sessão brasileira. Diversas contribuições e questionamentos foram colocados por camaradas principalmente dos EUA e do Brasil, durante a discussão, o que permitiu qualidade no debate e para os fechamentos.

A discussão passou pelos apontamentos sobre o desenrolar histórico da teoria de Revolução Permanente desenvolvida por Trotsky. Trotsky demonstrou que soluções só poderiam vir da luta revolucionária dirigida pela classe trabalhadora. Desafiando as concepções da teoria menchevique, de duas etapas para a revolução, e também da teoria stalinista do socialismo num só país, ele apontou para o fato de que a burguesia que se desenvolvia tardiamente nos países não desenvolveria papel revolucionário. 

Para a América Latina, com um capitalismo atrasado os grandes latifundiários de dominação imperialista, essa concepção é fundamental para conectar as demandas democráticas dos camponeses e dos povos indígenas, por exemplo, com a luta da classe trabalhadora, contra qualquer ilusão na chamada burguesia progressista. As derrotas na América Latina podem ser explicadas pelas teorias à luz da revolução permanente.

A revolução permanente coloca a necessidade de vincular as demandas democráticas para conquistar a verdadeira libertação das massas oprimidas, e diversos exemplos sobre a América Latina (Cuba, Bolívia, Venezuela, Equador, México, Chile e Brasil) realizados durante a sessão, mostram como essa discussão é extremamente atual e necessária para nós socialistas. A experiência do Brasil com o PT é um exemplo que demonstra que governos de aliança com a burguesia levam a uma instabilidade política crônica, e a classe trabalhadora é quem paga o alto preço dessa instabilidade.

Tudo isso demonstra que para a luta avançar precisa ser a partir de um programa socialista. Só a classe trabalhadora tem potencial de se unir às lutas e mostrar um caminho de saída. Alianças devem ser feitas unindo movimentos como: movimento indígena contra a destruição do meio ambiente; lutas contra opressões – como sexismo, racismo e lgbt-fobia; e lutas contra a elite corrupta e contra o imperialismo dominante, entre outras demandas dos trabalhadores. Apenas a classe trabalhadora tem poder para criar um programa de governo Internacional por uma liberação da América Latina. Mesmo que estejamos correndo contra o tempo, e derrotas possam acontecer, temos que confiar na capacidade da classe trabalhadora de oferecer uma alternativa.

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