México: viva a Comuna de Oaxaca
Mobilizações massivas contra uma fraude eleitoral que deu a vitória para o candidato Felipe Calderón do Partido Acción Nacional (PAN) vem tomando conta do México desde a apuração das eleições realizadas em 2 de julho. Milhões de pessoas estão lutando para barrar a tomada de posse de Calderón – que dará continuidade às políticas neoliberais e pró-capitalistas do atual presidente Vicente Fox – e apresentar o populista radical López Obrador do Partido Revoluccionario Democrático (PRD) como o verdadeiro eleito.
Após a declaração de vitória por um tribunal reacionário, o qual afirmou “que nenhuma eleição é perfeita”, mais de um milhão e meio de pessoas participaram de uma Assembléia Nacional em 16 de setembro que elegeu Obrador como o “presidente” de um governo paralelo que busca organizar mobilizações para barrar a posse de Calderón em 1º de dezembro.
No dia 20 de novembro, mais de 300 mil manifestantes participaram do Ato de posse do ‘governo paralelo’ encabeçado por Obrador.
Após o domínio de 70 anos do Partido Revoluccionario Institucional (PRI) que governou até 2000 e a continuidade de sua política conservadora implementada por Vicente Fox do PAN, o México vive uma situação explosiva em que coexistem miséria endêmica, corrupção crônica, desemprego e empobrecimento ligados às políticas neoliberais e ao Tratado Norte-Americano de Livre Comércio (NAFTA).
Greve dos professores de Oaxaca
É neste contexto que uma greve de professores do estado de Oaxaca, por reivindicações salariais, tornou-se uma intensa mobilização que hoje reivindica a derrubada do atual governador, Ulises Ruiz do PRI, de um dos estados mais pobres e que possui a maior população indígena do México.
Desde os anos 80 os professores da seção 22 do Sindicato Nacional de Trabajadores de la Educación realizam campanhas salariais e por melhores condições de trabalho. No entanto, neste ano, diante do não atendimento das reivindicações levantadas no primeiro de maio, os professores decidiram entrar em greve a partir de 22 de maio até terem suas reivindicações atendidas. Sem respostas do governo, a greve começou a bloquear estradas, realizar marchas massivas (a primeira delas, realizada em 2 de junho, teve 80 mil pessoas).
Diante do fracasso das negociações, o governo Ruiz decide reprimir violentamente o movimento no dia 14 de junho. A repressão fracassa totalmente e em 17 de junho a Assembléia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) foi formada reunindo centenas de movimentos sociais e organizações refletindo a radicalização e ampliação do movimento. Como uma resposta à repressão, a APPO passou a demandar a renúncia do governador, criou barricadas para se proteger da repressão e oito estações de rádios foram tomadas para transmitir as comunicações da APPO.
Como resultado do movimento, em 2 de julho, o PRI que dominava o estado de Oaxaca há 70 anos perdeu quase a totalidade dos distritos que controlava e, dias depois, o Diretor Geral de Segurança Pública, José Manuel Vera Salinas, juntamente com o Secretário Geral de Governo, Jorge Franco Vargas, foram desligados por sua participação na repressão de 14 de junho.
De agosto a outubro assistiu-se ao fortalecimento da APPO e, ao mesmo tempo, o aumento do número de conflitos e choques violentos entre o governo e os milhares de militantes que se somaram à luta pela derrubada de Ruiz.
Repressão violenta
Após ameaças de demissão dos professores em greve, ataques violentos em várias regiões, tentativas de greves de empresários, tiros disparados por forças governamentais contra a população, as medidas de repressão agravaram-se enormemente a partir de 28 de outubro com a entrada de 4 mil membros da Polícia Federal Preventiva (PFP) que resultou em, pelo menos, quatro mortos e uma mulher estuprada, além de dezenas de feridos e desaparecidos. Dentre os mortos estão o professor Emilio Alonso Fabián e o jornalista estadunidense Bradley Roland Will.
Desde este momento, a cada dia, surgem notícias de enfrentamentos entre trabalhadores, indígenas e jovens com as forças da PFP ou mesmo forças paramilitares que buscam dar fim ao que ficou conhecido como a “Comuna de Oaxaca”. Até 10 de novembro registravam-se mais de 400 desaparecidos, pelo menos 85 presos, 25 mortos e mais de 50 feridos a bala.
Dentre um dos conflitos mais dramáticos está a tentativa mal-sucedida de tomar a Universidade Autônoma Benito Juárez pelas forças governamentais que encontraram intensa resistência dos estudantes, mas também de toda a população de Oaxaca que forçaram a PFP a recuar.
As mobilizações realizadas em Oaxaca passam a aglutinar cada vez mais pessoas. A última delas contou com mais de um milhão e meio de pessoas revelando que a combatividade e o apelo da APPO entre as massas teve grande resposta. No entanto, grandes desafios estão colocados para a sua sobrevivência.
Dualidade de poder
Apesar do acirramento dos conflitos, o programa da APPO continua o mesmo: saída de Ruiz do governo, retirada imediata da PFP e todos esquadrões paramilitares, punição aos assassinos, liberdade para todos os detidos e cancelamento de todas as ordens de prisão. Esta situação que contém elementos de dualidade do poder, isto é, o Estado burguês perdeu o controle sobre a sociedade, poderia se desenvolver como o primeiro passo para uma verdadeira revolução capaz de realizar os interesses dos trabalhadores, dos indígenas e dos jovens envolvidos no conflito em Oaxaca caso alguns desafios fossem superados.
O primeiro desafio de todos é evitar o isolamento e conquistar o apoio dos vários setores sociais explorados e oprimidos da sociedade mexicana. A repressão violenta empreendida pelos governos do PRI e do PAN não se resume ao estado de Oaxaca. Recentemente, em 13 de novembro, seis mulheres, três homens e duas crianças (uma delas recém-nascida) indígenas foram assassinados na região de Monte Azules em Chiapas mostrando uma provocação direta ao Ezército Zapatista de Liberación Nacional (EZLN). Mesmo antes das eleições centenas de mineiros em Lázaro Cárdenas entraram em greve e envolveram-se em conflitos com a polícia , o que resultou em dois mineiros mortos.
Todas estas ações isoladas de resistência poderiam ser organizadas em uma escala nacional por meio de uma campanha por uma greve geral reunindo as diversas reivindicações específicas de cada luta isolada no México e fazendo a ponte com a causa comum de todas elas:o combate a um sistema em crise incapaz de se reproduzir sem levar miséria e sofrimento para a maior parte da humanidade. A ocasião para esta greve geral seria as mobilizações de massas planejadas para 1º de dezembro contra a posse de Calderón enquanto presidente. Esta campanha serviria para levantar as bandeiras pelo fim da repressão e a renúncia de Ruiz em Oaxaca, assim como impedir a fraude eleitoral em curso.
Direção vacilante
No entanto, apesar das ações enormemente combativas das massas trabalhadoras e indígenas do México, as organizações que dizem representá-las tomam posturas ambíguas ou defensivas e, passam ao ataque, somente sob a pressão do movimento de massas. Este é o caso de algumas das lideranças da APPO, como Mario Cruz Lopez e Filipe Canseco, que defendem como horizonte para as ações da APPO um novo pacto social. Este também é o caso de Obrero do PRD que afirma ter “boas relações com homens de negócios” e que tem como objetivo reduzir os problemas do capitalismo. Acima de tudo, há o enorme problema colocado pela existência das corruptas e burocratizadas direções sindicais – constituídas, em sua maioria, pelo PRI, mas também pelo PAN e PRD – que dominam a grande maioria dos sindicatos mexicanos e colocam como tarefa urgente a realização de eleições democráticas e maior controle da direção pela base nos sindicatos no México.
Existe uma clara necessidade de que a classe trabalhadora e todos os setores explorados e oprimidos desenvolvam organizações próprias e independentes, capazes de realizar suas bandeiras e unificar o movimento de massas mexicano.
A APPO deveria incentivar a formação de comitês nos locais de trabalho, nas comunidades, escolas, etc. com delegados eleitos e sujeitos à revogabilidade imediata em escalas cada vez mais amplas: local, municipal, estadual e nacional. O mesmo poderia ser realizado por meio da campanha contra a posse de Calderón ou pelos militantes do EZLN envolvidos com a “Outra Campanha”. Estes organismos democráticos permitiriam uma maior coordenação do movimento de massas e evitariam o isolamento dos diversos setores sociais.
Programa para tomar o poder
Tal organização também levantaria a necessidade de um programa que não alimente qualquer ilusão em um capitalismo mais humano e levante o socialismo como alternativa. Tal programa incluiria tarefas como: a estatização e reestatização de setores estratégicos da economia sob o controle e a gestão dos trabalhadores, realização de uma nova reforma agrária que contemple todos os camponeses e indígenas, reconhecimento e aumento dos direitos democráticos e culturais da enorme população indígena no México e um governo dos trabalhadores e dos camponeses.
Tudo isto aponta para um enorme vazio que existe no México: a inexistência de um partido de massas e independente da classe trabalhadora, um partido que seja capaz de fazer a revolução e não se restrinja às disputas institucionais ou reformas dentro do capitalismo.
Somente a organização de trabalhadores, da juventude e da enorme população indígena com um programa claro que aborde os problemas centrais da sociedade mexicana pode permitir que a heróica luta do povo de Oaxaca não resulte em uma enorme derrota e ceticismo entre as centenas de milhares de pessoas que hoje estão combatendo a repressão fascista de um governo capitalista e neoliberal.