Colômbia: Greve geral desencadeia levante de massas

“El Paro No Para”!

Após duas semanas em que a revolta popular se espalhou por todos os cantos do país, a Colômbia permanece em revolta aberta. Gás lacrimogêneo, balas de borracha e munições reais não conseguiram até agora deter as massas. Eles tiraram a conclusão de que a única saída para sua incessante miséria é a luta de massas contra o atual governo de direita e o sistema podre que ele representa.

A rebelião começou em 28 de abril com uma greve geral convocada pelo Comitê Nacional de Greve (um grupo formado pelas principais centrais sindicais e outras organizações) como resposta ao projeto de reforma tributária proposto pelo presidente de direita Ivan Duque. A eufemisticamente chamada “Lei de Solidariedade Sustentável” elevaria os impostos de setores da classe média e trabalhadores. O Imposto de Valor Agregado também seria ampliado para abranger bens e serviços anteriormente isentos. Enquanto o governo tentava disfarçar a proposta como beneficente para os setores mais empobrecidos da sociedade, rapidamente ficou claro o que realmente significava: uma tentativa de forçar os custos da pandemia para as massas.

No entanto, passou o tempo em que tais ataques frontais aos trabalhadores e aos pobres podem ser implementados sem graves consequências. A resposta das massas colombianas demonstra poderosamente o tipo de resistência que a classe dominante pode esperar neste período de profunda crise capitalista.

Vitória inicial

Embora inicialmente tenha sido planejado apenas um dia de ação, a greve geral desencadeou um movimento de escala e intensidade que foi muito além das expectativas das direções sindicais. De fato, repetidamente, a burocracia e os partidos de oposição se viram ficando para trás das massas. No dia 1º de maio, os apelos para mobilizações menores não foram atendidos e os protestos continuaram a se espalhar e a ganhar força.

Manifestações militantes irromperam em 250 cidades e municipalidades. Grande parte do país continua paralisada devido aos bloqueios. Atraindo para suas fileiras todos os setores dos explorados e oprimidos, o movimento é um panorama da diversidade das lutas na Colômbia. Trabalhadores, estudantes, mulheres, camponeses, indígenas, afro-colombianos, ativistas LGBTQ, ambientalistas, todos unidos contra um inimigo comum. O arsenal de táticas de dividir para governar – do racismo ao anticomunismo – da elite colombiana se mostrou ineficaz para fazer descarrilar a insurgência.

No dia 2 de maio o movimento obteve sua primeira vitória quando Duque retirou o odiado projeto de lei. No dia seguinte, o arquiteto da lei, Alberto Carrasquilla, ministro das finanças, renunciou humilhado. Qualquer esperança de que estas concessões levassem as pessoas a abandonarem as ruas rapidamente se evaporou. O movimento se radicalizou ainda mais e uma série de outras exigências foram levantadas, todas elas refletindo um entendimento de que o projeto de lei era apenas a ponta do iceberg. Estas incluem a suspensão da privatização da saúde e das aposentadorias, a educação universitária gratuita, o fim da repressão estatal e a renúncia da Duque.

A pandemia inflama a fúria das massas

O que está ocorrendo na Colômbia é uma retomada, em um nível superior, do movimento de massas que ocorreu em novembro de 2019, e que fez parte da onda de revoltas antineoliberais que abalaram a América Latina e varreram o mundo. Como em outros lugares, a propagação do Covid-19 interrompeu os processos, mas isso só poderia ser algo temporário. O descontentamento que irrompeu nas ruas em 2019 continuou a arder no contexto de uma pandemia que causou estragos em toda a região.

Com 3 milhões de casos registrados da Covid e cerca de 80 mil mortes, a Colômbia sofreu uma das piores crises sanitárias do mundo. Os lockdowns rigorosos têm tido um impacto econômico devastador em um país onde 62% da força de trabalho está empregada no setor informal. O desemprego mais que duplicou, 500 mil empresas fecharam e, no último ano, a economia contraiu 7%. A catástrofe social que se seguiu empurrou 3,6 milhões de pessoas para a pobreza, elevando o número total para 21 milhões – 42% da população. A desnutrição e até mesmo a fome, que não são novidade para o país mais desigual da América do Sul, dispararam.

A pandemia não só exacerbou as desigualdades dentro dos países, mas também aprofundou a divisão entre países ricos e pobres. Apesar de os primeiros não terem escapado de uma pancada, os segundos não têm os mesmos recursos para amenizar os piores efeitos da crise. A dívida da Colômbia aumentou em 20 bilhões de dólares no último ano, mas o governo de direita de Duque quis assegurar aos investidores que não havia motivo de preocupação. Como disse um artigo da Bloomberg:

“Ao contrário de muitos países que continuam a se endividar e gastar para estimular o crescimento em meio à pandemia, a Colômbia agora priorizou manter os vigilantes de títulos à distância e convencer as empresas de classificação de risco de que é um dos raros países com bons créditos da América Latina”.

Ou seja, a classe dominante da Colômbia, ligada por mil laços ao imperialismo estadunidense, não ousou insultar os interesses das multinacionais, bancos e setor financeiro. Ao invés disso, eles apostaram no esvaziamento do pouco que restava nos bolsos da classe trabalhadora e dos pobres.

É claro que a Colômbia não é um caso isolado. A pandemia empurrou toda a região para a turbulência econômica, social e política. No ano passado, protestos explosivos da Guatemala ao Paraguai revelaram a fúria que existe sob a superfície. Os sucessos eleitorais para a esquerda na Bolívia e no Peru também mostram como cada vez mais se busca uma alternativa. Diante das mesmas condições intoleráveis que as massas colombianas, os trabalhadores, os jovens e os oprimidos em toda a América Latina podem muito bem adotar os mesmos métodos militantes de luta. Todo o material inflamável está lá para uma explosão social em todo o continente e, como o título de um recente artigo da CNN advertiu, “os protestos sangrentos da Colômbia podem ser um alerta para a região”.

“O governo é mais perigoso do que o vírus”

Nem mesmo uma pandemia desenfreada conseguiu manter as massas longe das ruas. A Colômbia está atravessando seu momento mais trágico, registrando atualmente cerca de 15 mil casos e 400 mortes por dia. O fato de o movimento ter se desenvolvido apesar desta situação, dá uma visão das condições desesperadas que muitos enfrentam. A esperança de um futuro livre da miséria sem fim se extinguiu e há um sentimento generalizado de que não há nada a perder.

Alguns cartazes dão uma visão deste estado de ânimo:
“O governo é mais perigoso do que o vírus”
“Estamos fartos de sobreviver, queremos viver”
“Eu prefiro morrer lutando do que viver na miséria”

Repressão estatal

E muitos morreram lutando. Enquanto os números oficiais do Estado são menores, as organizações de direitos humanos relatam pelo menos 40 mortes nas mãos das forças do Estado, mais de mil feridos e centenas de casos de manifestantes que estão “desaparecidos”. A polícia tem agredido sexualmente as mulheres – um método vil, mas comum, de dissuadir os elementos mais radicais de tomar às ruas.

Semelhante aos Carabineros no Chile, a tropa de choque colombiana, a ESMAD, veio a ser reconhecida por seus métodos particularmente brutais. A exigência radical de que eles sejam desmantelados tornou-se agora generalizada. Manifestantes sendo baleados a queima-roupa, veículos atropelando manifestantes e moradores de bairros populares conscientemente sendo aterrorizados estão entre as muitas formas de repressão que eles desencadearam sobre as massas.

Tudo isso não é uma demonstração de força, mas de fraqueza, evidenciando o medo de uma revolta popular que atinge o coração do capitalismo colombiano. Para exercer seu controle, a classe dominante conta apenas com a força bruta. Mas, cada golpe de cassetete, cada bala disparada e cada rajada de gás lacrimogêneo leva à percepção de que o Estado não é uma força neutra, mas uma ferramenta de domínio de classe. Longe de quebrar o movimento, estas experiências forçaram os manifestantes a tirar as conclusões mais radicais sobre o que precisa ser feito.

Cali – o epicentro da luta

É em Cali, a terceira maior cidade da Colômbia, que a luta atingiu seu estágio mais avançado. Os bairros populares têm estado sob controle de comitês de bairro com elementos de auto-organização. Em alguns, as refeições são preparadas coletivamente para os manifestantes e o atendimento médico básico é fornecido. Não surpreende que também é onde a repressão estatal tem sido mais severa. A grande maioria das mortes registradas aconteceu aqui com, como mostra um vídeo circulado nas mídias sociais, helicópteros da polícia atirando nas multidões.

Para se defenderem, os jovens transformaram sucata de metal em escudos para enfrentar gás lacrimogêneo e balas. A defesa também veio na forma de La Minga, uma caravana de indígenas que heroicamente fizeram a viagem até Cali para se juntar à luta e oferecer proteção a outros manifestantes. A unidade inspiradora entre estes setores alarmou ainda mais a elite. Os paramilitares de direita, fazendo-se passar por cidadãos comuns assustados, abriram fogo contra os manifestantes indígenas, todos sob o olhar atento da polícia.

A resistência em Cali tem sido tão grande que o presidente fez duas visitas de emergência e ordenou um aumento das tropas para desmantelar os bloqueios que isolam grande parte da cidade. Apesar de sua baixa popularidade, Duque e seu partido, o Centro Democrático (liderado pelo ex-presidente reacionário Álvaro Uribe) redobraram sua demonização do movimento como bandidos e vândalos para justificar o derramamento de sangue.

Imperialismo dos EUA e a classe dominante colombiana: um elo nocivo

O movimento também encurralou Biden, que desde que tomou posse tentou se distanciar da política externa mais obviamente beligerante de Trump. Tentando reconstruir a imagem do imperialismo estadunidense com uma retórica de democracia e direitos humanos, Biden enfrenta pressões para condenar o governo Duque. Por outro lado, os EUA têm importantes interesses econômicos e geopolíticos na Colômbia que Biden quer proteger contra um imperialismo chinês ascendente que recentemente intensificou sua influência na região. “Eu sou o cara que elaborou o Plano Colômbia” gabou-se Biden na corrida presidencial do ano passado.

Como uma intensificação da “guerra contra as drogas”, o Plano Colômbia foi uma campanha de contrainsurgência contra as FARC e outros grupos guerrilheiros de esquerda que estavam envolvidos em uma guerra civil de décadas com o Estado colombiano. Os EUA forneceram dinheiro, armas e treinamento a sucessivos governos de direita para intensificar uma ofensiva militar e ideológica contra não apenas os grupos guerrilheiros, mas todo o movimento de esquerda e a classe trabalhadora. Na verdade, isto também levou à criação da ESMAD, que hoje aterroriza os manifestantes com fuzis e gás lacrimogêneo de fabricação estadunidense.

Uma FARC enfraquecida entrou em negociações de paz com o governo de Santos em 2012, e um histórico tratado de paz foi assinado em 2016 que levou à desmobilização e ao desarmamento dos antigos guerrilheiros. Ao contrário das palavras frequentemente citadas de Benjamin Franklin, o acordo foi certamente uma “paz ruim”. Desde 2016, mais de 600 líderes de movimentos sociais e ex-guerrilheiros foram massacrados – um lembrete horripilante de que o sistema é incapaz de resolver seus próprios problemas.

Tudo isso é o último capítulo da história encharcada de sangue do capitalismo colombiano, elogiado pela classe dominante em todo o mundo como a democracia mais estável da América Latina. Com o apoio do imperialismo dos Estados Unidos, os níveis de violência praticados pelo Estado colombiano (e as forças paramilitares de direita com as quais conspira regularmente) excedem os de alguns dos regimes mais despóticos da história. Quem está hoje nas ruas entende que alcançar uma paz genuína está completamente ligado à luta contra Duque e o Uribismo. As conexões históricas de Álvaro Uribe com os paramilitares de direita são bem conhecidas, resumindo os profundos laços entre políticos, grandes negócios e os cartéis de drogas.

A esquerda, o CNP e o caminho a seguir

Este prolongado e sangrento assalto à classe trabalhadora e suas organizações certamente tem tido seu preço. A Colômbia é o lugar mais perigoso do mundo para ser sindicalista, com mais de 3 mil assassinados nas últimas três décadas. Agora, o nível de sindicalização é de apenas 4%. Da mesma forma, a classe trabalhadora e oprimida carece de uma verdadeira representação política. Olhando para Colômbia hoje pode dar a impressão oposta, mas é importante lembrar que as massas não possuem reservas infinitas de energia. A certa altura, é necessária uma estratégia política para levar as coisas a uma conclusão.

Muitos devem ter a esperança de que isto venha na forma de Gustavo Petro, ex-membro do grupo guerrilheiro M-19. Petro ficou atrás de Duque na corrida presidencial de 2018, quando ele fez uma ousada campanha que deu expressão ao descontentamento fervilhante dos trabalhadores e da juventude e quebrou um impasse eleitoral para a esquerda. Que um ex-guerrilheiro – que enfrenta uma constante barragem de propaganda da direita – é agora o favorito para vencer as eleições do próximo ano reflete uma profunda radicalização e um giro para à esquerda na sociedade. No entanto, a consciência das camadas mais avançadas do movimento atual ultrapassou o programa social-democrático moderado de Petro e sua falta de confiança nas massas para travar uma luta revolucionária contra o capitalismo.

Da mesma forma, o Comitê Nacional de Greve (CNP), liderado pela burocracia sindical, fica aquém da direção que o momento atual exige. O CNP reuniu-se com Duque na segunda-feira 10 de maio, mas não conseguiu chegar a nenhum acordo. As mobilizações de massas prosseguiram a todo vapor. No entanto, o fato de o comitê ter se reunido com o presidente enquanto o país continua militarizado e com o sangue dos manifestantes ainda nas ruas, provocou raiva entre muitos.

Isto destaca o abismo entre a direção oficial e os setores mais militantes do movimento que estão realmente levando o movimento adiante. O CNP não coordenou adequadamente as ações, não apresentou uma estratégia que aproveite a força das massas, que, se mobilizadas até a metade de seu potencial, já poderiam derrubar Duque em poucos minutos.

As formas embrionárias de auto-organização vistas em Cali e em outros lugares dão uma visão do tipo de organização que é realmente necessária. Comitês populares deveriam ser estabelecidos em bairros, locais de trabalho, universidades, em comunidades camponesas e indígenas para planejar e coordenar ações locais, incluindo a organização da autodefesa. Estes devem então ser conectados através de assembleias regionais e nacionais. Desta forma, o verdadeiro motor do movimento pode tomar a iniciativa, discutindo democraticamente o melhor caminho a seguir e definindo coletivamente um programa e uma estratégia que possa apontar uma saída para a crise.

Para nós, isso significa a extensão da greve a todos os setores da economia, para que a produção pare completamente e indefinidamente e que se lute por um programa que inclua as seguintes exigências:

  • Abaixo com a repressão! Investigação e punição dos responsáveis! Desarmar a ESMAD!
  • Não às contrarreformas e outras medidas neoliberais! Não à privatização da saúde! Vacinas e saúde pública garantidas para todos! Auxílio emergencial para todos os que dele necessitam! Que os capitalistas e super-ricos paguem pela crise!
  • Abaixo Iván Duque e o sistema político e econômico que o sustenta!
  • Por um governo dos trabalhadores e das massas oprimidas

Colômbia resiste – solidariedade internacional

A solidariedade do movimento internacional da classe trabalhadora é absolutamente crucial. Palavras débeis de condenação dos governos capitalistas não significam nada. Biden e outros são fiéis defensores de um sistema econômico que está na raiz de todo o sofrimento que as massas colombianas suportam atualmente. Mas o heroísmo e o engenho dos manifestantes, particularmente os jovens, são uma fonte de inspiração para a classe trabalhadora e oprimida em toda a América Latina e além.

É por isso que a Alternativa Socialista Internacional se comprometeu a construir uma campanha de solidariedade internacional em apoio ao levante de massas na Colômbia e a todos aqueles que enfrentam a repressão violenta. Socialistas, sindicalistas, ativistas antirracistas e feministas de todo o mundo, são solidários com a revolta heroica das massas colombianas. Estamos lutando contra o mesmo sistema econômico global que gera apenas miséria, violência e destruição ambiental.

Justamente por esta razão, nos organizamos internacionalmente – um partido mundial que conecta as lutas da classe trabalhadora e oprimida em todos os continentes, unidos em um movimento comum para romper com o capitalismo e o imperialismo. 

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