A América Latina se levanta

Somente uma saída anti-capitalista e socialista pode derrotar o imperialismo

A América Latina é hoje o cenário dos mais importantes movimentos de resistência contra as políticas neoliberais.

Da vitoriosa ‘guerra da água’ do ano 2000 em Cochabamba (Bolívia) até a rebelião de Oaxaca (México) em 2006, não houve um instante em que a América Latina não tenha sido palco de lutas heróicas, muitas delas parcial ou totalmente vitoriosas.

O resultado foi o colapso de muitos governos, partidos e políticos tradicionais da burguesia e lacaios do imperialismo. Pouco sobrou da força e estabilidade dos governos neoliberais dos anos 90.

A nova relação de forças na região é resultado direto do fracasso das políticas neoliberais que só causaram mais miséria, retrocesso econômico e social, instabilidade e insatisfação popular.

Também a crise do imperialismo estadunidense, com o beco sem saída do Iraque, o enfraquecimento do governo Bush e as debilidades estruturais da economia dos EUA, abriram espaço para essa nova situação.

Fatores conjunturais importantes como a alta dos preços de produtos primários e do petróleo (sem o que não se poderia imaginar os processos atuais na Venezuela, por exemplo) e o advento de novos mercados, como a China, repercutiram no sentido de permitir um espaço maior de autonomia em relação aos EUA.

Capitalismo autônomo?

Porém, basear-se nesses fatores conjunturais não garante uma perspectiva de emancipação e desenvolvimento econômico e social pleno da América Latina. Economias capitalistas exportadoras de produtos primários, ainda que com altos superávits comerciais, não poderão libertar os povos latino-americanos.

A perspectiva de grande incremento na exportação de biocombustíveis para o mercado internacional, tema muito discutido durante a recente visita de Bush, não passa da continuação da lógica de integração subordinada dos países latino-americanos aos interesses do mercado mundial, o que também é o projeto do Mercosul.

Da mesma forma, a relativa calmaria no mercado financeiro, resultado da conjuntura particular da economia mundial com o equilíbrio tenso entre as economias dos EUA e da China, não durará para sempre.

É um profundo erro achar que o tema das dívidas está remediado. A internalização das dívidas externas agrava as contradições internas dos países latino-americanos, perpetuam os ataques aos trabalhadores e impedem os avanços sociais.

Enquanto os países latino-americanos não romperem definitivamente com os interesses do grande capital financeiro, suspendendo o pagamento das dívidas, e passarem para o controle público os setores chaves da economia, a região continuará presa à lógica injusta da economia capitalista internacional.

As recentes medidas tomadas pelos governos da Bolívia e da Venezuela, nacionalizando empresas ou quebrando contratos que só beneficiavam interesses privados transnacionais, são uma indicação importante de que o projeto de Lula não é a única alternativa para o continente.

Depois da nacionalização parcial dos hidrocarbonetos bolivianos em 2006, no início de fevereiro desse ano, o governo de Evo Morales reestatizou, sem pagar qualquer indenização, a empresa metalúrgica Vinto, de Oruro. A empresa havia sido privatizada pelo ex-presidente Sanchez de Lozada por preço de banana por empresas dele próprio. Morales levantou a possibilidade de novas estatizações de empresas ligas a Lozada.

Venezuela

Na Venezuela, Hugo Chávez anunciou nacionalizações no setor de telecomunicações e eletricidade, assim como a quebra do contrato de exploração do petróleo na Bacia do Orinoco, a não renovação da concessão da emissora de televisão reacionária RCTV, entre outras medidas.

Evo Morales, Hugo Chávez e agora, provavelmente também Rafael Correa do Equador, estão, em muitos aspectos, caminhando numa direção oposta à de Lula, sob a intensa pressão do movimento de massas.

O presidente venezuelano Hugo Chávez logo após o anúncio de sua vitória na reeleição fez mais uma vez menção às idéias de Leon Trotsky e à chamada teoria da revolução permanente, enquanto declarava que seu novo mandato deve representar um avanço na direção do ‘socialismo do século XXI’.

Infelizmente, Chávez também fez um chamado ao empresariado nacional venezuelano a que se junte à revolução bolivariana e enfatizou que o ‘socialismo’ venezuelano é compatível com a propriedade privada.

Segundo o Financial Times (14/02) o governo venezuelano anunciou um acordo com o grupo empresarial norte-americano Verizon para a compra de sua participação na Cantv, a empresa de telecomunicações que Chávez vai nacionalizar.

O mesmo deve acontecer com o grupo CMS que tem participação na empresa elétrica Sêneca, que também será nacionalizada. A nossa conhecida AES (empresa norte-americana que detém o controle da Eletropaulo em São Paulo, através de um processo ilegítimo de privatização) também fechou acordo com o governo sobre a compra da Eletricidad de Caracas.

”Melhores negócios”

Ainda segundo o Financial Times, que conhece bem a opinião dos investidores, os acordos agradaram muito aos acionistas das empresas nacionalizadas e o otimismo voltou aos investidores estrangeiros na Venezuela. Um executivo da AES chegou a dizer que a nacionalização da Eletricidad de Caracas foi um dos melhores negócios já feitos pela AES.

A nacionalização plena dos setores chaves da economia venezuelana, sem favorecer as empresas transnacionais, e o controle democrático dos trabalhadores sobre essas empresas e na gestão de um plano econômico global, são condições básicas e fundamentais para um modelo de ‘socialismo do século XXI’ digno desse nome.

Isso só será possível baseando-se na luta organizada dos trabalhadores e seus aliados de classe na população mais pobre das cidades e do campo. Somente esse programa e essa estratégia são compatíveis com a teoria da revolução permanente de Trotsky. A libertação nacional e a integração latino-americana só será possível a partir da luta dos trabalhadores e derrubando as bases econômicas e políticas do sistema capitalista, ou seja, na direção do socialismo.

A tarefa da esquerda revolucionária latino-americana é construir as forças políticas que assumam esse programa e essa estratégia em todos os países.

Polarização extrema na Bolívia

A situação de maior radicalização sem dúvida é a que vemos hoje na Bolívia. A eleição de Evo Morales, do Movimento al socialismo (MAS), em dezembro de 2005 foi a culminação de uma luta tremenda contra as políticas e os governos pró-imperialistas por parte dos trabalhadores, camponeses e estudantes, todos com majoritária composição indígena.

Como ficou claro na ‘guerra do gás’ em 2003 que exigia a nacionalização total dos hidrocarbonetos e que acabou derrubando o presidente ‘gringo’ Sanchez de Lozada e seu sucessor Carlos Mesa, a bandeira da nacionalização dos recursos naturais assumiu um papel central no movimento de massas.

O governo Evo Morales obrigou as empresas transnacionais, incluindo a Petrobrás, a renegociar os contratos para exploração do petróleo e gás bolivianos que passam a ser propriedade pública através da estatal YPFB. Esse passo adiante ainda não representa a plena nacionalização com controle dos trabalhadores sobre a exploração, industrialização e comercialização dos hidrocarbonetos bolivianos. A saída do ex-ministro Soliz Rada refletiu o recuo de Evo nas propostas originais de nacionalização com expropriação das empresas.

Evo também busca estabelecer um equilíbrio entre os movimentos sociais e os setores mais reacionários das oligarquias bolivianas. Em dezembro de 2006 o governo jogou um papel fundamental em conter os movimentos que na prática derrubaram o prefecto reacionário de Cochabamba e decretaram a formação de um governo revolucionário departamental.

Os acontecimentos de Cochabamba mostram a polarização extrema no país, com a possibilidade de uma escalada em direção a uma guerra civil onde as oligarquias renegariam o governo central e se organizariam para enfrentá-lo.

O cenário boliviano exige, mais do que nunca, uma organização de massas da classe trabalhadora capaz de levar até as últimas conseqüências a luta por suas reivindicações e capaz de derrotar as oligarquias e o imperialismo.