A importância da greve dos entregadores de apps

No dia 1 de julho, os entregadores de aplicativos deixaram um recado claro! É possível e necessário lutar por mais direitos e contra a exploração do projeto neoliberal!

O breque dos apps chegou em todo Brasil, com paralisações e manifestações em cidades como São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, Natal e etc. Também teve alcance em outros países da América Latina. Durante o dia foram organizados piquetes em frente a shoppings e grandes restaurantes e depois passeatas e buzinaços paralisando ruas e avenidas. Em São Paulo, as manifestações duraram sete horas, concentrando na Avenida Paulista. 

Trabalhando em condições totalmente precárias, esses trabalhadores enfrentam jornadas longas de 10 às 12 horas, de domingo a domingo para ganhar uma média de 80 reais por dia, pedalando por quilômetros, enfrentado o constante perigo de acidente, e agora o risco do vírus, não só para eles, mas para suas famílias. Isso sobre o constante monitoramento das empresas, usando dados e algoritmos para controlar as ações de quem eles chamam de “empresários” ou “parceiros”. Dentre as reivindicações estão o aumento nos pagamentos, reajuste anual, mais segurança e proteção e fim de bloqueios indevidos. 

Foi um mês de mobilizações e organização, chamando a solidariedade da população, que levou a um dia onde os entregadores mostraram que são realmente essenciais e que tem potencial de enfrentar a superexploração que vem sofrendo. Com faixas e bandeiras amarradas em suas mochilas, punhos erguidos e buzinas ecoando grupos de motoboys e entregadores de bike chegavam de todas as direções somando aos demais que já estavam na avenida. As mochilas, marca que se tornou identidade entre esses trabalhadores, neste dia foram empilhadas nas concentrações demonstrando a unidade da categoria. 

Empresas como Ifood, Uber Eats, Rappi e outros ficaram evidentemente preocupados com a repercussão da construção das greves, soltando propagandas que buscavam explicar medidas já tomadas e falando que nenhum entregador que participasse da greve seria bloqueado. Mas, ao mesmo tempo, tentaram encorajar furos de greve aumentando o valor repassado para os entregadores se eles trabalhassem durante a paralisação. 

Ficaram preocupados também com o forte apoio à greve, tanto entre entregadores que trabalharam no dia por necessidade, mas apoiavam as ações, como com os usuários dos aplicativos que demonstraram apoio boicotando pedidos de entregas e até fazendo avaliações negativas dos apps. Alguns restaurantes credenciados também não abriram para entrega no dia em solidariedade aos entregadores, funcionando apenas para retirada. Os que abriram para entrega, registraram uma baixa de pedidos via apps ao longo do dia. Nas ruas, a população aplaudia e parabenizava os entregadores quando passavam.“Tá certo, eu apoio. Esses caras movem a cidade”, diz um segurança na Avenida Paulista. 

Apoio como esses e de outros setores da classe trabalhadora como de professores, metroviários e estudantes mostram o reconhecimento da importância dessa luta. A dominância do sistema financeiro na sociedade e o sistema capitalista neoliberal tem gerado profundos ataques na classe trabalhadora ao redor do mundo nas últimas décadas. Direitos históricos, conquistados através de lutas têm sido retirados, salários são cortados, condições cada vez piores e o aumento da exploração de forma generalizada. 

Pandemia acentua a informalidade e a precarização do trabalho

Com a grande crise financeira de 2008, a resposta da classe dominante foi de explorar mais, fazendo a classe trabalhadora pagar pela a sua crise e aumentando a precarização. Mais e mais trabalhadores são forçados a trabalhar como “autônomos” ou na informalidade, sem carteira assinada e sem direitos. No Brasil, antes da pandemia do novo coronavírus em fevereiro desde ano, a informalidade já tinha chegado a 41%. 

Ataques como as reformas trabalhistas e da previdência, que já vieram em outros governos e assumiram outro patamar com o governo de Bolsonaro e Paulo Guedes, tudo isso em nome de “colocar ordem na casa”, mas que na verdade serve como uma desculpa para garantir os lucros dos seus amigos super-ricos. Com o tempo, se desenha um cenário distópico onde, supostamente, os empregos se extinguem, ao mesmo tempo em que as pessoas passam mais tempo trabalhando, de forma mais intensa e mais precária, sem nenhum direito e com a perspectiva de morrer trabalhando. Isso porque os capitalistas se aproveitam de avanços da tecnologia para garantir controle dos trabalhadores, bem como tentam se livrar de qualquer responsabilidade para com eles, apoiando-se na ilusão neoliberal de que o vínculo se dá através de “parcerias” entre “colaboradores” e “empreendedores”. 

No entanto, essa ideia de maior liberdade e autonomia logo se apresenta como uma farsa. As empresas impõem sistemas de pontuações que punem aqueles que não trabalham sem parar fazendo pausas para o banheiro, para serem desencorajados, como é o caso nos galpões da Amazon nos EUA e em outros países. Ao fim, a ausência de um vínculo de trabalho só é conveniente para o patrão, que não tem mais obrigação de dar cobertura em casos de acidentes, não há garantia de férias, aposentadoria, 13º e qualquer estabilidade no trabalho.

Enquanto isso, fazem com que mais e mais trabalhadores atuem de tal forma, deixando sem opção de atuar fora desses sistemas que começam a infiltrar todos os aspectos da vida, pela conveniência e baixo custo para os usuários, e que aproveitam aqueles mais desesperados que não tem outra escolha. Hoje se fala em plataformas de comida, de serviços gerais, de serviço doméstico, de ensino e até mesmo para serviços de saúde. 

A pandemia da Covid-19 só agrava esse processo, aprofundando ainda mais as crises e mostrando a total incapacidade do sistema capitalista em lidar com a situação. Aqui no Brasil, especialmente, uma série de medidas nos locais de trabalho foram implementadas com a desculpa de readequação ao coronavírus, mas que tendem a permanecer pós pandemia e, no limite, implicam em precarização. No momento em que as pessoas trabalhadoras precisam de mais amparo, foram colocadas em situações precárias de cortes de salário, mudança de jornada ou ao trabalho remoto sem qualquer estrutura para tal. 

Os capitalistas vão tentar mais uma vez fazer com que nós, a classe trabalhadora e o povo pobre paguem pela crise. O desemprego acelera e mais pessoas procuram outras soluções para poder simplesmente sobreviver, sendo levados a trabalhos mais precários e informais, especialmente com os governos não garantindo uma assistência adequada. E isso como sempre nesse sistema racista, atinge mais a população negra periférica. 

Um importante passo para dar um basta a essa situação

Ao redor do mundo, entregadores e outros trabalhadores precarizados já mostraram que é possível não só se organizar, mas ter vitórias também. As greves de entregadores nos países europeus conquistaram direitos básicos como uma hora de almoço garantido e aumento de salários. Trabalhadores do McDonalds e outros lugares formaram novos sindicatos e movimentos vitoriosos nos Estados Unidos, como por salários mínimos de 15 dólares por hora e Taxação da Amazon demonstram claramente o potencial de vitórias dessas lutas. 

Mas para garantir isso é necessário não perder o ritmo. A notícia de uma nova data de ação dos entregadores, possivelmente para o dia 12 de julho, é muito boa. É necessário que as mobilizações continuem e a construção de ações maiores sejam realizadas, trazendo mais pessoas dessa categoria para a luta. O movimento dos entregadores ainda está se construindo e com certeza existem contradições dentro dela mas a luta sempre foi a melhor educadora para esses processos. 

Uma marca dessa paralisação foi ter sido atendida quando fez o apelo e um amplo chamado para aliança com a população, demonstrando uma consciência de classe. Essa solidariedade e unidade entre trabalhadores precisa ser estendida para as categorias que se colocam em luta e precisarão de nosso apoio. De conjunto, é preciso entender que somos parte de uma mesma classe trabalhadora e que é fortalecendo essa unidade que encontraremos condições e confiança para enfrentar essa conjuntura de aguda precarização das nossas vidas.

Assim, essas paralisações foram também um recado para toda a classe trabalhadora. Trata-se de uma mobilização que ocorre enquanto outros setores como os metroviários de São Paulo e os rodoviários em Natal buscam formas de resistir e lutar para manter seus direitos e não ter salários cortados. Outros setores como os residentes da Saúde, que no início da pandemia lutaram para receber seus salários atrasados.

Nesse sentido, o breque dos apps foi uma demonstração de força e demonstrou, mesmo ainda em fase inicial, que é possível construir uma luta viva, dinâmica, envolvendo uma ampla camada de trabalhadores e dando uma lição àqueles que, por falta de confiança na classe trabalhadora, declaram o fim da possibilidade da luta ou até da própria classe. Outras categorias com tradição sindical, já organizadas, devem aproveitar esse momento para intensificar e dar um passo à frente nas suas lutas. Nesse processo em curso, conclusões mais amplas podem ser tiradas diante dela e assim avançar a consciência que não só a luta por seus direitos, mas também a luta contra a retirada de direitos de outros trabalhadores estão vinculadas e parte de um mesmo projeto a se enfrentar. Isso vale também para a luta contra a violência racista policial, que atinge desproporcionalmente os mesmos jovens negros e periféricos que trabalham como entregadores. É através da unidade dessas lutas que nossa classe consegue avançar para derrubar de uma vez por todas esse sistema bárbaro e racista que sempre coloca o lucro acima das vidas.

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