Metroviários de São Paulo preparam forte greve para o dia 01 de julho
Em meio a maior crise sanitária do século, seria esperado que governantes e empresas tivessem suas preocupações voltadas para a preservação da vida da população e dos trabalhadores. Esse é, pelo menos, o discurso utilizado pelo governador João Doria (PSDB-SP) durante o enfrentamento à epidemia de Covid-19.
O estado é a segunda área em todo mundo mais afetada pela doença, de acordo com a Universidade Johns Hopkins, ficando atrás apenas de Nova Iorque. Contudo, ao invés de intensificar as medidas de prevenção e auxílio à população para enfrentar a situação, Doria toma um caminho completamente oposto.
A princípio, o governador buscou o estabelecimento de uma quarentena no estado. Contudo, com o passar do tempo, ficou comprovado que tinha meramente o interesse político de parecer uma alternativa mais responsável frente ao devaneio bolsonarista de simplesmente assumir uma postura negacionista frente ao problema. A máscara caiu. Em nenhum momento o governador de São Paulo garantiu efetivas condições para que a população do estado pudesse se proteger da pandemia, em especial os mais pobres e vulneráveis. Dessa forma, a quarentena, que dura mais de três meses, esteve sempre aquém do recomendado pelos especialistas.
Agora, cedendo às pressões do empresariado, o governador decide que é hora de flexibilizá-la. Não há qualquer comprovação real de que o pior momento da epidemia ficou para trás, pelo contrário! Durante todo este período tanto o governo estadual, quanto o federal, preocuparam-se apenas com suas disputas políticas. Não se aproveitou todo este tempo sequer para que se estabelecesse uma política séria de testagem e tratamento da população.
O governo que esteve sempre ao lado dos empresários demonstra que está mais preocupado com a manutenção dos lucros do que das vidas. Esse compromisso não se resume a simplesmente retroceder nas poucas medidas de proteção da saúde. Agora, preparam uma onda de ataques aos direitos dos trabalhadores justificando-se por conta da crise econômica que eles próprios não foram competentes em evitar ao não tratar seriamente a pandemia.
É o que vem ocorrendo com os metroviários de São Paulo. A CIA Metrô-SP e o governo estadual querem aproveitar o caos pandêmico para atacar os direitos destes trabalhadores conquistados em décadas de luta. Isto acontece mesmo com uma categoria que não parou de prestar serviços nenhum único dia desde o início da crise sanitária!
A categoria possui um acordo coletivo de trabalho com garantias superiores às das leis trabalhistas, construídas em inúmeros embates sindicais com governantes e a empresa. Como consequência da Reforma Trabalhista de Temer, este acordo, hoje, é considerado como caducado, já que não foi renovado dentro de seu prazo de vigência. A não renovação deveu-se, justamente, à conjuntura imposta pela Covid-19.
Apresentando uma postura absolutamente responsável, o Sindicato dos Metroviários de São Paulo, desde o princípio, solicitou a postergação do acordo, para que fosse mantido durante toda a crise pandêmica, permitindo que tanto os trabalhadores, quanto a própria empresa, pudessem se dedicar exclusivamente a atender às necessidades impostas pela epidemia à cidade de São Paulo. Esta postergação foi recusada pela empresa, com apoio da Justiça do Trabalho, que não se prestou a defender tais direitos.
Junto com isso, a empresa se recusou desde o início a negociar com os trabalhadores como deveria ser realizado o serviço metroviário durante à pandemia, insistindo em funcionar quase como se nada estivesse acontecendo, ficando sempre atrás dos fatos enquanto a crise sanitária piorava, e negando-se a adotar um plano real de contingência para atuação. Isso ocasionou hoje o afastamento de mais de 300 funcionários, infectados pela Covid-19. E, neste mês, ocorreu a primeira morte de um funcionário que trabalhou durante a pandemia. Mesmo assim, com a flexibilização da quarentena no cidade, o Metrô-SP agora volta a convocar trabalhadores com mais de sessenta anos, que se encontravam afastados, para o trabalho.
É nesta situação, contudo, que a empresa quer fazer alterações na convenção de trabalho dos metroviários. Sua proposta mira adicionais e auxílios que podem chegar a representar 30% ou mais da renda dos empregados, a depender do caso. Um elemento particularmente cruel são as alterações propostas em relação ao plano de saúde, que visam reduzir o subsídio da empresa ao mesmo, enquanto aumenta os descontos nos salários dos trabalhadores que precisem utilizar-se de serviços médicos para si ou para seus familiares. Só isto já é suficiente para demonstrar a completa insensibilidade frente a toda situação provocada pela pandemia!
Os ataques se complementam com a tentativa de enfraquecer a organização sindical da categoria, propondo reduzir o número de trabalhadores liberados para a atividade sindical, e, mais profunda, recusando-se a recolher e repassar a mensalidade do sindicato a partir do próprio pagamento dos salários, dificultando o seu financiamento.
Os ataques à entidade sindical, especialmente, demonstram que a questão não é simplesmente orçamentária. Durante todos os últimos anos o Metrô de São Paulo operou com lucros, mesmo sendo uma empresa estatal. Mesmo assim, quis sempre reduzir os direitos garantidos pelos trabalhadores. Trata-se de uma profunda reestruturação da empresa, que busca, na linguagem de seus gestores, torná-la mais “produtiva”. Em outras palavras: piorar as condições de trabalho, salariais, e de prestação de serviços à população, demonstrando que a empresa é viável para ser repassada à iniciativa privada.
O lucro dos últimos anos, que é garantido através de uma passagem de preço muito alto para a população, nunca foi utilizado para preparar a empresa para momentos críticos como este. Pelo contrário, ele é, ano após ano, depositado em um fundo comum, sobre o qual têm prioridade de saque as empresas privadas de operação de transporte metroferroviário da cidade. O modelo de privatização aplicado em São Paulo garante, dessa maneira, que as empresas privadas não tenham qualquer prejuízo e tenham garantidos seus lucros às custas dos serviços estatais e da população que utiliza o transporte.
Além disso, diferente da maioria dos metrôs do mundo, o Metrô-SP não recebe qualquer subsídio do governo estadual, tendo de sustentar-se por si só mesmo com esse verdadeiro saque. Neste momento, contudo, João Doria corre desesperadamente para garantir dinheiro para inúmeras empresas privadas que enfrentam dificuldades. Contudo, não fala nenhuma palavra sobre um plano de salvamento das empresas públicas! A hipocrisia da gerência do Metrô-SP se completa ao se reparar que grande parte de sua alta cúpula recebe imensos salários, que chegam a ultrapassar R$ 40.000,00, cerca de vinte vezes o piso salarial praticado pela empresa, embora não se mostrem dispostos a abrir mão de nenhum centavo de seus privilégios.
Uma greve em defesa da vida, da dignidade e da unidade dos trabalhadores
Por conta deste conjunto de abusos, os metroviários estão preparando uma greve para o dia 01/07. Na tarde desta segunda-feira, dia 29/06, a empresa declarou que não fará o pagamento integral dos direitos dos trabalhadores. Assim, fica evidente que a companhia está rompendo a própria negociação que ela mesma forçou que acontecesse durante a pandemia. Desta maneira, os metroviários farão uma assembleia durante esta terça-feira, 30/06, que permitirá a participação on-line de trabalhadores que façam parte de grupos de risco. Antes da assembleia, ainda acontecerá uma rodada de negociação na Justiça do Trabalho, que costumeiramente tenta conciliar trabalhadores e empresa, evitando a greve.
Frente à intransigência demonstrada pela empresa e governo, contudo, não há alternativa a não ser ir para a luta. Por isso, parte da assembleia acontecerá de forma presencial, na sede do sindicato, reunindo a categoria nas condições mais seguras possíveis, com o fim de passar-se à organização da greve e dos piquetes necessários para garanti-la.
Neste momento, a categoria utiliza coletes por cima de seus uniformes, reivindicando respeito e declarando luto pelas vítimas da Covid-19. A adesão ao uso dos coletes demonstra que é massiva a disposição dos trabalhadores em defender seus direitos. Assim foi também a decisão da última assembleia on-line, com a participação de mais 2.500 metroviários, que decidiu por uma margem de 90% em favor da greve caso a empresa se recuse a fazer todos os pagamentos garantidos no acordo coletivo.
Como desafio ao governo e à empresa, e demonstração de que os metroviários estão dispostos a trabalhar em prol da população de São Paulo, o Sindicato dos Metroviários lançou, nesta segunda feira, a proposta de que ao invés da greve, o Metrô-SP operasse com catracas abertas, abdicando da cobrança de tarifas para os passageiros. Assim, o governo e a empresa não têm qualquer legitimidade em difamar a greve dos trabalhadores. Eles têm duas opções: pagar os direitos dos metroviários, ou aceitar que a população acesse de graça o serviço de transporte. Portanto, se houver uma greve, a responsabilidade é inteiramente de João Doria e da gerência da CIA Metrô-SP.
Além de defender suas vidas, sua saúde e seus direitos, os metroviários podem ter a oportunidade de somar sua mobilização com uma das categorias mais precarizadas do país. Vem sendo agitada há algumas semanas a greve nacional dos trabalhadores de aplicativos de entrega, que ficou famosa como o “breque dos apps”. Esta categoria, que também se demonstrou essencial para o auxílio a que a população pudesse ficar em casa e combater a pandemia, enfrenta condições verdadeiramente desumanas de trabalho. Como disse um de seus líderes, são obrigados a carregar comida nas costas, enquanto passam fome. Dessa maneira, exigem melhores taxas de pagamentos por seus serviços que se demonstraram indispensáveis.
Além disso, querem o reconhecimento do vínculo de emprego entre eles e as empresas para as quais trabalham, acessando, assim, garantias legalmente estabelecidas. Por fim, exigem que as empresas forneçam equipamentos de proteção e condições de higienização durante o decorrer da pandemia, para que possam proteger suas vidas neste período. Não à toa, é sensível o apoio popular que estão recebendo.
Neste momento, o acúmulo de injustiças pelo qual passa o país empurra a população para a contestação. A indignação começou a se manifestar através dos panelaços contra a postura genocida e negacionista de Jair Bolsonaro, além de sua escalada golpista e os diversos escândalos de envolvimento com o crime organizado que rondam a figura do presidente. Seguidamente, os trabalhadores da saúde foram aplaudidos nas janelas e ganharam as ruas em manifestações que exigiam reconhecimento pelos serviços que vêm prestando. Os próprio trabalhadores dos aplicativos já realizaram, em São Paulo, uma manifestação que seguiu até a sede de uma das empresas para a qual trabalham. Por fim, as torcidas organizadas e os movimentos antirracistas abriram o caminho para que as forças progressistas voltassem às ruas, fazendo recuar a base mais ensandecida de Bolsonaro, deixando ainda mais claro que o governo encontra-se isolado.
Com a demonstração de que não está realmente disposto a tomar as medidas necessárias para combater a pandemia, João Doria também vê os questionamentos ao seu governo crescerem. Em meio a este país em ebulição, é permitido que tenhamos a esperança de que a unidade na luta entre estas duas categorias, uma que vive na pele as piores formas de precarização do trabalho, e outra, que ocupa um local estratégico no funcionamento da maior cidade do país, seja a faísca que falta para o apito da panela de pressão que fará recuar todos os inimigos do povo.