Explosão de protestos antirracistas leva a ocupação da Câmara Municipal de Seattle
Nos EUA está acontecendo o maior movimento de luta contra o racismo nos EUA desde os anos 1960, após George Floyd ser assassinado por policiais racistas. Foram mais de duas semanas de manifestações diárias, que chegaram a mais de 700 cidades no país inteiro e grandes manifestações de solidariedade ao redor do mundo. O movimento não é apenas uma reação ao histórico de violência policial contra negras e negros, mas é resultado de indignação e insatisfação popular com um sistema que nos últimos anos esteve empenhado em aplicar políticas neoliberais de austeridade que vêm desmontando as políticas sociais e enriquecendo os já super-ricos.
No topo está Donald Trump, um mimado empresário branco, elitista e misógino que não tem o menor pudor em demonstrar seu racismo visceral. Ele não é uma anomalia, mas é uma expressão explícita do que virou a ordem política capitalista e do que ela tem a nos oferecer: barbárie.
É neste contexto que, em Seattle, na terça-feira, no 12º dia de manifestações contra o racismo e a violência policial, ocorreu a criação de uma zona liberada em que há distribuição gratuita de alimentos, liberdade de expressão e proibição de entrada da polícia.
A zona liberada está situada no bairro de Capitol Hill. Lá foi estabelecida a Zona Autônoma de Capitol Hill (em inglês: Capitol Hill Autonomous Zone, CHAZ). O território ocupado se organizou em torno de um distrito policial que foi abandonado no dia 08/06. Barricadas foram estabelecidas, comércios foram abertos em solidariedade aos manifestantes. Em seguida, manifestantes organizaram a ocupação da Câmara de Vereadores – algo que foi facilitado pelo apoio direto dado pela vereadora socialista Kshama Sawant (militante da Alternativa Socialista, organização irmã da LSR nos EUA), quem abriu as portas da Câmara de Vereadores de Seattle e ocupou o prédio junto com os manifestantes.
Reuniões e assembleias para discutir os rumos do movimento, debates abertos sobre violência policial, inúmeras oficinas de arte e cultura e a criação de barricadas para obstaculizar a repressão policial são parte de algumas das ações em curso no momento.
Segundo relato de uma militante da Alternativa Socialista em Seattle, Emily MacArthur: “Compreensivelmente, as pessoas estão excitadas com a #SeattleAutonomousZone (Zona Autônoma de Seattle) e é importante que estejam! A juventude incansavelmente se organizou e bravamente enfrentou por mais de uma semana a violência policial marcada por bombas de gás, balas de borracha e cacetetes. Ontem (08 de junho), a polícia recuou, abandonando completamente o Distrito Leste, que é considerado o principal quartel general da Polícia de Seattle. Onde antes existiam barricadas e guarda-chuvas[1]foi erigido um acampamento parecido com o do Occupy[2]. Há tendas de saúde, alimentos, culturais e – o que é mais importante – discussão e debate permanentes sobre os próximos passos do movimento. Hoje à noite, Kshama e a Alternativa Socialista organizarão uma assembleia aberta no Parque Cal Anderson para discutir os próximos passos. Nosso mandato já tinha apresentado as seguintes demandas: 1) #Tirarfundosdapolicia (#Defundpolice) – cortar o orçamento policial pela metade, ao invés de aplicar o orçamento de austeridade da prefeita Durkan (do Partido Democrata); 2) banir as armas químicas – já que Durkan (prefeita) e Best (governador) não cumpriram a promessa de não usar este tipo de armas, elas devem ser completamente banidas; 3) taxar a Amazon para investir em moradia e empregos – pois desemprego, pobreza e falta de moradia estão atingindo duramente a população e os grandes empresários têm o dinheiro para financiar as necessidades de nossa comunidade; 4) Fora prefeita Durkan – ela deve renunciar e se ela se recusar devemos buscar seu impeachment”.
Após a ocupação e a definição de uma zona liberada, o movimento publicou uma lista de demandas. Há 30 demandas, algumas imediatas, outras gerais, tratando de questões como abolição da polícia, fim da imunidade policial, divulgação dos nomes de policiais investigados por violações, punição à brutalidade policial, fim da construção de um centro de detenção juvenil, novo julgamento para todas as pessoas negras condenadas e libertação de qualquer prisioneiro por porte de maconha. Também há demandas por controle do preço do aluguel, recomposição do orçamento para cultura e educação, cotas raciais para empregos nos serviços de saúde, incorporação da história de povos negros e indígenas nos currículos escolares e remoção de todos os monumentos para racistas e assassinos dos povos negros e indígenas.
A simpatia pelo movimento é enorme. As reuniões e assembleias algumas vezes mobilizam centenas de pessoas. A imprensa burguesa foi obrigada a evitar críticas ao movimento, enquanto Donald Trump está publicamente exigindo que o governador e a prefeita reprimam violentamente um movimento da classe trabalhadora de base marcado por solidariedade multirracial.
A ocupação da Câmara de Vereadores e o estabelecimento de uma zona liberada com apoio massivo da população são, sem dúvida, vitórias de um movimento de massas que pode inspirar ações em outras regiões do país e do mundo. Porém, tal como Kshama Sawant destacou: “a repressão policial é apenas uma face da opressão capitalista (…) precisamos nos engajar com o fortalecimento massivo de nosso movimento”.
Além de um importante movimento popular, o exemplo de Seattle mostra como um mandato parlamentar pode ser usado em favor da luta se for expressão real do ativismo e do movimento de massas. Kshama Sawant foi reeleita em 2019 derrotando um candidato diretamente financiado pelo dono da Amazon, Jeff Bezos, homem mais rico do mundo, defendendo a redução e o controle dos preços de aluguel, assim como a taxação da Amazon. Isso não ocorreu por um discurso populista ou qualquer coisa assim, mas porque seu mandato foi construído como uma tribuna dos movimentos sociais, sindicatos e ativistas que lutam por melhores condições de vida. Durante as recentes manifestações, ao invés de se esconder em sua casa, Kshama esteve junto com manifestantes levando cacetadas e inalando gás. Da mesma forma, quando a população decidiu ocupar a Câmara de Vereadores, Kshama disponibilizou seu acesso às chaves para que a luta avançasse.
Como os eventos relacionados com o Occupy Wall Street em 2011, a mera ocupação não impossibilitará o sistema continuar funcionando e a repressão estatal quebrar o movimento. A organização de assembleias, comitês populares nos locais de moradia e trabalho serão fundamentais para impedir que Donald Trump, forças policiais e empresários voltem à “normalidade” capitalista. Somente a luta organizada da classe trabalhadora pode mudar a atual correlação de forças que garante que os super-ricos continuem sacrificando a classe trabalhadora para garantir seus lucros durante a maior crise de saúde pública da história moderna. Por isso, a construção de um amplo movimento de massas capaz de desafiar o poder dos super-ricos é parte central deste processo. Parte fundamental disso é a construção de um partido de trabalhadores armado com um programa socialista e que rompa com o bipartidarismo dos dois partidos empresariais dos super-ricos.Somente assim, as vidas negras deixarão de serem destruídas, somente assim a classe trabalhadora deixará de morrer por vírus ou fome.
[1]A população de Seattle é conhecida por não usar guarda-chuvas, mas os manifestantes, inspirados pelos movimentos de Hong Kong em 2014 que usaram guarda-chuvas para se proteger da violência policial, começaram a usar como um símbolo da luta contra a repressão violenta da polícia guarda-chuvas pintados de rosa.
[2]Referência ao movimento de Ocupação de Wall Street que ocorreu em setembro de 2011.