Republicanos saem enfraquecidos das eleições nos EUA
Como podemos realmente derrotar a direita?
As eleições de meio de mandato presidencial nos EUA representaram uma “onda azul” limitada e uma rejeição geral de Trump pelo eleitorado. Os republicanos ficaram aliviados por suas perdas não terem sido piores, enquanto muitos trabalhadores e jovens progressistas ficaram desapontados com o fato do resultado não ter sido mais decisivo. O resultado foi consequência de uma campanha eleitoral em que Trump procurou mobilizar a sua base incitando medo de imigrantes e recorrendo ao racismo, enquanto os democratas se concentravam em “rejeitar o ódio” e defender Obamacare [reforma no sistema privado de saúde do ex-presidente Obama], mas ofereciam pouco que fosse concreto às pessoas da classe trabalhadora.
Ao mesmo tempo, vários candidatos de esquerda e progressistas, quase todos se candidatando como democratas, refletiam o desejo intenso de milhões em barrar a agenda da direita, recusando dinheiro de empresas e apresentando demandas corajosas a favor da classe trabalhadora, como o Medicare-for-All [equivalente a um SUS], controle de aluguéis, salário mínimo de 15 dólares por hora e universidade gratuita. Um número de autointitulados socialistas foram eleitos, incluindo Julia Salazar, para o Senado do Estado de Nova York, e Alexandria Ocasio Cortez e Rashida Tlaib, ambos indo para o Congresso nacional. Tlaib também é uma das duas primeiras mulheres muçulmanas americanas eleitas para o Congresso.
Enquanto os democratas agora controlam a Câmara dos Deputados, um regime vicioso e reacionário ainda está instalado em Washington e não podemos esperar até eleição presidencial de 2020. Precisamos urgentemente construir um movimento de massa, centrado no poder social dos trabalhadores, que enfrente e derrota a agenda da direita e lute para derrubar Trump. Nos próximos meses, tanto a liderança democrata quanto os novos candidatos de esquerda eleitos para o Congresso e as legislaturas estaduais serão colocados à prova das crescentes expectativas e demandas para confrontar Trump e a classe dominante.
A polarização se aprofunda
Nas últimas semanas, Trump elevou a histeria xenófoba a um patamar novo e apavorante, até mesmo para ele, tentando elevar o medo para mobilizar sua base. Anteriormente, ele havia usado o processo de indicação de Kavanaugh [à Suprema Corte] para o mesmo fim. Ele declarou que a caravana de migrantes da América Central, que atravessa o México, é uma “invasão”, seria possivelmente criada pelos democratas ou financiada pelo bilionário judeu liberal George Soros, e que incluiria membros da gangue [salvadorenha] MS13 e terroristas do Oriente Médio. Ele então mandou milhares de soldados para a fronteira para enfrentar uma procissão pacífica de milhares de mulheres, homens e crianças desesperados fugindo do caos social criado pelas políticas neoliberais promovidas pelo imperialismo norte-americano.
A liderança democrata, por outro lado, escolheu muito conscientemente concentrar sua atenção nos distritos suburbanos e particularmente em mulheres brancas “com um diploma universitário” que anteriormente tendiam a votar nos republicanos. No setor de saúde, os principais democratas enfatizaram a defesa da cobertura obrigatória de pessoas com “condições pré-existentes”, um elemento progressista do Obamacare. Mas isso não foi combinado com nenhuma proposta ousada, na linha do Medicare for All [sistema de saúde público para toda a população, como o SUS no Brasil], para enfrentar a crise massiva na saúde e os ataques contínuos dos republicanos. A liderança democrata também não atacou os cortes de impostos sobre empresas de Trump nem respondeu ao colapso dos empregos que pagam o suficiente para sustentar uma família, apresentando propostas como um grande programa de obras públicas em prol do meio ambiente. Em vez disso, os democratas usaram a diversidade sem precedentes de seus candidatos como um ponto central da campanha.
Essas abordagens “centristas” dos democratas foram eficazes em diferentes graus, mas também revelam a mensagem muito limitada da liderança do partido em resposta ao ataque republicano e ao desejo de sua própria base eleitoral de derrotar a agenda da direita. Mostrando como estão fora de sintonia, Nancy Pelosi – que pode muito bem ser presidente da Câmara de novo – fez uma declaração hoje que os democratas vão adotar uma abordagem “bipartidária” e “buscar um terreno comum onde pudermos” com os republicanos. Em uma reunião de doadores e “estrategistas” na terça-feira, ela reiterou novamente que uma tentativa de abrir um processo de impeachment contra Trump estava fora da agenda. Sem dúvida, essa fraqueza ajudou a encorajar Trump a demitir o procurador-geral Jeff Sessions, um movimento claramente destinado a minar a investigação de Mueller, supervisionada pelo Departamento de Justiça.
Uma onda azul com limitações
Houve um comparecimento massivo, para ser uma eleição de meio de mandato, com 30 milhões a mais de votos do que em 2014. Está previsto que os democratas terão 229 mandatos na Câmara dos Deputados, um aumento de 36 mandatos. Isto é baseado em ganhar o voto popular por uma margem de 7% e daria a eles uma maioria de 23 lugares. Desde que a eleição se tornou em muitos aspectos um referendo sobre Trump, essa mudança em si indica que grandes setores da sociedade rejeitam sua mensagem sexista e racista. Significativamente, pelo menos 100 mulheres foram eleitas para a Câmara dos Representantes, a grande maioria democratas, pela primeira vez na história dos EUA (isto é quase um quarto de toda a Câmara).
Os democratas também obtiveram ganhos modestos em nível estadual, onde os republicanos haviam dominado na última década. Eles conquistaram sete cargos de governadores dos republicanos, inclusive em alguns estados do centro-oeste, como Illinois e Michigan. Vários reacionários particularmente nocivos perderam, incluindo Chris Kobach no Kansas e o famigerado inimigo dos sindicatos Scott Walker em Wisconsin. Mas apenas reverteram a maioria em seis assembleias legislativas estaduais o que foi um resultado menos impressionante para os democratas, refletindo, pelo menos em parte, a manipulação das divisão dos distritos eleitorais por parte dos republicanos.
Por outro lado, os republicanos expandiram sua maioria no Senado. Mas deve ser lembrado que o Senado é muito menos democrático em sua composição, dado que cada estado tem dois representantes, não importa quão pequena seja sua população.
O establishment contra-ataca
Apesar da vitória da socialista democrática Alexandria Ocasio Cortez, que se tornou uma figura conhecida nacionalmente, e de outros progressistas nos níveis federal e estadual, vários resultados foram intensamente decepcionantes para muitos trabalhadores e jovens progressistas. Isso incluiu a derrota de Andrew Gillum na disputa para governador da Flórida contra o racista Ron de Santis e a derrota de Beto O’Rourke na corrida do Senado no Texas contra o odioso Ted Cruz.
Tanto Gillum quanto O’Rourke adotaram uma abordagem marcadamente mais ousada e progressista do que a da liderança democrata. Gillum também teria sido o primeiro governador negro da Flórida, um ex-estado de Jim Crow [leis racistas que predominava no sul dos EUA até os anos 1960]. No estado vizinho de Geórgia, Stacey Abrams, que seria a primeira governadora negra na história dos EUA, não está admitindo a derrota. Ela está certa ao exigir uma recontagem devido às várias irregularidades nas eleições na Geórgia – parte de um esforço republicano nacional mais amplo para aumentar a supressão de eleitores nos estados que eles controlam. Essas medidas visam particularmente dificultar a votação dos afro-americanos.
A liderança democrata está agora alegando que o resultado justifica sua abordagem “moderada”. Como o New York Times colocou, “Os candidatos que garantiram a maioria na Câmara vieram em grande parte do centro político, seguindo temas governamentais éticos e promessas de melhoria incremental para o sistema de saúde em vez de mudanças sociais transformadoras”. Indo além, eles argumentam que “ a teoria – abraçada por esperançosos liberais em estados como Texas e Flórida – de que líderes carismáticos e sem remorso podem transmutar bastiões republicanos em campos de batalha políticos roxos [onde seria possível reverter a maioria republicana], provou ser amplamente infrutífera.” Isso é obviamente ridículo. Na verdade, O’Rourke teve um excelente resultado em um estado em que nenhuma corrida estadual foi ganha pelos democratas em um quarto de século. Essas e várias outras disputatas mostram que a mudança para a esquerda, vista nas grandes cidades e entre os jovens de outras partes do país, se espalhou para o sul.
Alguns dos resultados em referendos locais dão indicativas do apoio potencial para propostas de esquerda audazes presentes em vários temas. Os eleitores da Flórida restauraram o direito de voto a 1,4 milhão de habitantes condenados que já cumpriram sua pena de prisão. Acabar com essa medida totalmente antidemocrática beneficiará em grande maioria os afro-americanos. Medidas anti-gerrymandering [manipulação da divisão dos distritos eleitorais para favorecer quem já está em maioria] passaram em Michigan e vários outros estados. Como Jacobin apontou hoje, três estados “vermelhos” [cor dos repuclicanos] (Idaho, Nebraska e Utah) votaram pela expansão do Medicaid [saúde pública]. Outras vitórias progressistas incluíram São Francisco votando um imposto sobre empresas em prol dos sem-teto, enquanto Missouri e Arkansas aumentaram seu salário mínimo. Houve também derrotas significativas devido a grandes ofensivas das empresas e desinformação, incluindo a Prop 10, a iniciativa estadual na Califórnia para expandir o controle de aluguéis. Medidas para restringir o aborto passaram no Alabama e na Virgínia Ocidental.
Em termos de estratégia democrática “centrista”, destaca-se que a poderosa democrata conservadora Claire McCaskill perdeu no mesmo estado que votou para aumentar o salário mínimo e recentemente rejeitou de forma esmagadora a chamada legislação “direito ao trabalho” [anti-sindical e anti-greve].
E agora?
O resultado da eleição encorajará amplamente aqueles que querem lutar contra Trump, enquanto uma vitória republicana teria sido desmoralizadora temporariamente. No entanto, a investida imediata do establishment democrata contra um aumento de expectativa de uma ofensiva contra Trump é uma indicação clara de como o debate sobre o avanço na luta contra a direita se intensificará no próximo período, especialmente no contexto da campanha presidencial que começará quase imediatamente.
Porém, dado especialmente o caráter da campanha conduzida por Trump, devemos ter clareza sobre o que estamos enfrentando exatamente. Há um crescente debate entre os liberais de esquerda e a esquerda no geral sobre se o regime de Trump é “um fascismo em câmara lenta”. Este temor é intensificado por outros desenvolvimentos internacionais, particularmente a eleição do populista de extrema direita Jair Bolsonaro, que definitivamente ecoa temas fascistas como presidente do Brasil.
Não há dúvida de que Trump, que agora se chama de “nacionalista”, está normalizando conspirações de extrema-direita. A ala dominante Trumpiana do Partido Republicano está cada vez mais assumindo aspectos de um partido de extrema direita.
Mas é fascismo ou “fascismo incipiente”? O fascismo historicamente foi incorporado em movimentos de massa compostos particularmente de pessoas de classe média deixadas desamparadas pela crise do capitalismo que visava a esmagar fisicamente as organizações da classe trabalhadora e da esquerda. Eles chegaram ao poder quando setores da classe dominante os viam como uma alternativa preferível à ameaça real de revolução social que os levaria a perder sua propriedade e poder. O contexto hoje nos EUA é obviamente bem diferente. No entanto, há uma profunda crise social e perda de legitimidade das instituições capitalistas. Em vários países europeus, o fracasso da esquerda histórica e dos partidos dos trabalhadores em defender a classe trabalhadora em face do ataque neoliberal – na verdade, assumindo eles mesmos o neoliberalismo – ajudou a abrir a porta ao crescimento dos partidos de extrema direita.
Embora os democratas nunca tenham sido partidos de trabalhadores ou de esquerda de verdade, há um processo análogo aqui com o abandono de sua base histórica da classe trabalhadora e o giro à direita (“centrismo”) nos anos 1980 e 90. Mas além dos contornos de uma força política de extrema direita, restam relativamente poucos fascistas organizados. Grupos fascistas sofreram um revés significativo após o assassinato de Heather Heyer em Charlottesville em 2017 e a resposta em massa que se seguiu. No entanto, eles estão novamente sendo incentivados a sair de seus buracos. Eles representam um perigo real, mas até agora limitado. O perigo muito maior e imediato é o surgimento de uma força política de extrema-direita em massa que fomente a divisão racial e atue para impedir as tentativas de unir os trabalhadores em prol de seus interesses comuns.
Há um crescente entendimento entre centenas de milhares de pessoas de que precisamos de uma força política determinada a lutar por pessoas comuns, tão duro quanto Trump está preparado para lutar pelos interesses dos bilionários. Como temos argumentado consistentemente, o projeto de tentar reformar o Partido Democrata ou empurrá-lo decisivamente para a esquerda, que envolveu um grande número de jovens ativistas, é compreensível, mas quase certo fracassará. A campanha presidencial de Bernie Sanders em 2016, na qual ele arrecadou mais de 200 milhões de dólares em pequenas doações para um programa pró-classe trabalhadora apontou para o enorme potencial para aquilo que a situação exige – um novo partido independente de esquerda baseado nos interesses dos trabalhadores e de todos os oprimidos.
Tal partido precisa basear-se na luta social de massas, que é a maneira real pela qual a direita será derrotada e haverá ganhos reais. Este ano apontou para o potencial para a construção de um movimento de massas verdadeiro e contínuo com as enormes mobilizações de mulheres, greves estudantis contra a violência armada e o maior número de greves em quase 20 anos. Particularmente, a revolta dos professores, concentrada em estados vermelhos [republicanos], mostrou o potencial da luta de classes para galvanizar setores mais amplos da sociedade. Os professores tinham demandas ousadas, incluindo a taxação das empresas para financiar a educação e reverter décadas de cortes, o que obteve um apoio de massas, inclusive entre pessoas que votaram em Trump.
Em 2019, quase certamente veremos outra onda de luta – isso deve ser combinado com a construção de um desafio político de esquerda anticorporativa ao establishment que será o começo de um processo que poderá derrotar o Trumpismo para sempre.