Opinião: Sobre a campanha “O Brasil não pode parar”, direitos e privilégios
O Governo Bolsonaro anunciou uma campanha publicitária aprovada no Planalto chamada “O Brasil não pode parar”, que envolve gastos de R$4,8 milhões de reais. Hoje houve carreatas em várias cidades, com bandeiras verde e amarelo, e algumas poucas passeatas. Muitas pessoas, com razão, se indignaram.
Essa discussão precisa ser esmiuçada a partir de uma perspectiva classista.
É preciso reconhecer uma moral muito forte enraizada entre as pessoas que vivem de seu trabalho (trabalhadores assalariados, autônomos, informais, pequenos comerciantes e empreendedores etc), de valorizarem o fato de estarem ativas e contribuindo. Isso não é necessariamente ruim. São as trabalhadoras e trabalhadores que produzem todas as coisas, que garantem todos os meios de subsistência e os cuidados para todas as pessoas. Sem a força das pessoas trabalhadoras, o Brasil de fato para.
Mas outra face preocupante é, diante da repulsa e do medo de ser taxado de vagabundo ou de preguiçoso as pessoas estarem dispostas a sacrificarem a saúde e até mesmo, suas vidas.
No curto período que atuei na área de Saúde do Trabalhador, diferente de ver “gente preguiçosa querendo pegar auxílio pra tirar folga”, estive em contato com centenas de trabalhadores em situação extremamente difícil, cujo sofrimento era estar em uma situação limite de dor (física e/ou mental) e ao mesmo tempo com muito medo de perder o emprego, e mais ainda de como seria visto por seus colegas, pela sua família, e como veria a si mesmo.
Esse sentimento por ter um emprego, ou estar “na batalha”, assim como o contrário – a vergonha de estar desempregado – é algo muito presente no cotidiano. A mídia diz que é “cultural” o fato do brasileiro ter costume de ir trabalhar mesmo gripado, mas essa questão “cultural” não é a toa. É diante do pavor de estar desempregado, de colocar em risco sua fonte de renda, bem como um receio de ser visto como um fardo ou como “encostado”. E isso leva muita gente a trabalhar horas a mais, a aceitar condições de superexploração, e ainda sentir orgulho por fazer isso.
Por isso, é preciso diferenciar as perspectivas das classes. Precisamos tentar dialogar com essa ideia tão enraizada entre os nossos – colegas, vizinhos, parentes, amigos, que precisam trabalhar pra pagar as contas. Conversar e insistir que nesse momento, ficar em casa não é um privilégio, ou coisa de gente preguiçosa. É um direito, que precisa ser assegurado para todas e todos e que estamos dispostos a construir redes de solidariedade, travar lutas conjuntamente para assegurar isso.
Por outro lado, outra coisa é quando aqueles de cima defendem isso, governantes, empresários, banqueiros, patrões. Aí não tem diálogo. O que está sendo feito é criminoso. Há exemplos concretos de países em que as medidas como isolamento e distanciamento social não foram levadas a sério e hoje estão lidando com uma situação desastrosa, com sistema de saúde colapsado, casos de contágio e mortes crescendo aos montes, com centenas de mortes cotidianamente. Imagina como isso pode ficar aqui, um país com tanta desigualdade!
“O Brasil não pode parar” é uma campanha enganosa, para empurrar os sacrifícios nas nossas costas. Os bancos lucraram no último período. Os bilionários brasileiros continuaram lucrando e muito. Aumentou o número de super ricos no Brasil. Eles que paguem com seus lucros, não somos nós que devemos pagar com nossas vidas.