A maternidade será desejada ou não será

A luta pelo direito ao aborto no Brasil e no mundo

O dia 28 de setembro, o dia latino-americano e caribenho de luta pela descriminalização do aborto é uma oportunidade para refletirmos sobre os avanços e retrocessos nessa frente de lutas, essencial para a conquista do direito das mulheres de exercer livremente à maternidade. 

As estatísticas demonstram que a realização de abortos clandestinos é uma realidade em nossa sociedade. Estima-se, segundo pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde, que uma mulher morre a cada dois dias em decorrência de complicações fruto da realização de um aborto inseguro. 

Mulheres e homens com útero abortam, sejam elas ricas ou pobres, brancas ou negras, casadas ou solteiras, alunas ou professoras. Porém, a criminalização do aborto é seletiva. Como disse a pesquisadora Débora Diniz, em entrevista para o jornal “El País”: “Todas as mulheres fazem aborto, mas só em algumas a polícia bota a mão”.

Feminicídio na conta do Estado

Tornar a clandestinidade a única opção de uma mulher que decide pelo aborto significa compactuar com a dura realidade onde as ricas pagam para abortarem em segurança, enquanto as pobres estão sujeitas a morte ou a criminalização quando abortam. Uma morte por aborto é, na verdade, mais um feminicídio para a conta do Estado burguês que deveria atuar no combate às mortes evitáveis de mulheres. 

O direito ao aborto deve vir acompanhado de educação sexual e métodos contraceptivos para evitar uma gravidez indesejada. Abortar de forma legal, segura e gratuita é condição de sobrevivência das mulheres da classe trabalhadora e deve ser medida que garanta o acesso universal das mulheres a um planejamento familiar adequado com todos os meios a seu alcance.

Nos Estados Unidos, onde as mulheres conquistaram o direito ao aborto em 1973, avançam projetos que vetam ou restringem o acesso ao aborto no país acoplado ao crescimento da extrema direita.

Desde o início do ano de 2019, 8 estados aprovaram leis contrárias ao procedimento. Após ataques incessantes às clínicas de aborto pelo setor conservador, são poucas as clínicas que permanecem. 

Agenda reacionária de Trump

Em junho deste ano, a escandalosa acusação a uma mulher no Alabama estremeceu a todas nós. Uma mulher de 28 anos que estava grávida de cinco meses levou um disparo contra sua barriga que levou o feto a morte. A mesma foi indiciada por um grande júri por homicídio culposo. Um dos tenentes chegaram a alegar que ela era culpada por “iniciar a briga” em que o feto não foi mantido em segurança por ela. 

Ainda que o caso não tenha tido continuidade, a estratégia dos conservadores é levar o tema até a Suprema Corte, agora com configuração mais conservadora, para que ela volte atrás no que foi decidido em 1973. Donald Trump afirmou desde sua campanha presidencial que pretendia indicar juízes para a Suprema Corte contra o aborto.

No mundo inteiro mulheres são culpadas e criminalizadas por abortarem ou sofrerem abortos espontâneos. É o que vimos em El Salvador, país na América Latina que tem as leis mais retrógradas e proíbe o aborto sob qualquer circunstância. Mulheres que sofreram aborto espontâneo chegam a pegar até 40 anos de condenação por homicídio. Esse foi o caso de Las 17, campanha que luta pela liberdade de dezessete mulheres presas nessas condições, já conseguiram a absolvição de duas mulheres.

Brasil: o eco das ruas no STF

No Brasil em 2018 o PSOL ajuizou um ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) perante o STF (Supremo Tribunal Federal), alegando que a criminalização do aborto contida nos arts. 124 e 126 do Código Penal afronta direitos fundamentais, como a dignidade da pessoa humana, a não discriminação, a liberdade, a igualdade, a proibição de tratamento desumano e degradante, a saúde e o planejamento familiar das mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos. 

Objetivando discutir a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, a Ministra Rosa Weber convocou audiência pública para os dias 03 e 06 de agosto de 2018. A ADPF aguarda julgamento, ainda sem previsão de data. 

Porém, o debate acalorado e a presença feminista marcante em manifestações em Brasília e pelo país inteiro ampliaram o debate no Brasil e talvez tenham funcionado como um divisor de águas que, junto com a contínua luta das mulheres, pode abrir para uma atenuação no sistema penal persecutório contra as mulheres que optem pelo aborto. 

O período dessas mobilizações tiveram influência com as fortes lutas das mulheres na Argentina, onde um mar de mulheres vestindo verde e empunhando lenços, os chamados pañuelos, ocuparam as ruas argentinas em uma maré feminista sem precedentes no país. 

Mobilização continua na Argentina

Após intensa mobilização de mulheres, o projeto um projeto de lei que propunha legalizar o aborto até a 14º semana foi aprovado na Câmara, porém mais tarde foi derrotado no Senado. Pouco mais de um mês depois foi realizado o maior encontro nacional de mulheres, com quinze mil, que pela primeira vez ocorreu em território Mapuche e deliberou pela manutenção da campanha nacional pela legalização com estratégias e mobilizações nos bairros. 

Essa construção nos bairros e pela base do movimento de trabalhadoras levou a histórica vitória das mulheres na Irlanda. 

A distribuição de pílulas do dia seguinte e abortivas, iniciativa do movimento feminista socialista Rosa e o Partido Socialista (CIT na Irlanda), se deslocando para periferias e locais mais afastados com material e equipe preparada para conversar e ganhar consciência, foi um exemplo para a luta feminista no mundo. 

Vitória na Irlanda

Essa luta foi fundamental para impulsionar um referendo em maio de 2018, que garantiu o aborto até 12 semanas de gestação, aprovado por 66,4% da população de um país majoritariamente cristão-católico. O que só prova que esse debate deve ser travado por nós em todos os espaços, sem ressalvas quanto a disputa com o setor mais conservador. Porque é na experiência prática da necessidade da luta que a consciência pode avançar para uma sociedade mais igualitária.

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