8 de março: vivas, por Marielle e em defesa da previdência Mulheres na linha de frente contra o governo Bolsonaro!
O feminismo ganhou visibilidade nas redes, nas ruas, na mídia. Um estudo publicado em 2017 pelo Google BrandLab constatou que, em dois anos, a busca pela palavra “feminismo” cresceu em 200%. Crescem também canais de YouTube referente ao tema das opressões em geral.
A Lei Maria da Penha, o reconhecimento do termo “feminicídio”, o aumento de notícias e reportagens sobre o tema da violência contra a mulher, a popularização do termo “ser feminista”, o reconhecimento nos centros e nas periferias de que devemos meter a colher sim em briga de marido e mulher … para alcançarmos isso foi preciso coragem de muitas mulheres organizadas coletivamente. Foram muitos anos de incentivo à denúncia, para romper o silêncio sobre a violência contra a mulher.
Transformamos luto em verbo
No dia seguinte ao assassinato de Marielle e Anderson, milhares de pessoas foram às ruas por todo o país marchar em atos convocados para responder à altura da indignação. Um conforto em meio a tanta dor, a comprovação de que somos sementes, e de que jamais conseguirão deter a primavera feminista: até que todas sejamos livres, transformaremos o luto em verbo e honraremos Marielle e outras lutadoras importantes!
Não só no que diz respeito às lutas específicas, desde junho de 2013, as mulheres assumiram protagonismo em lutas importantes como a ocupação dos secundaristas contra fechamento das escolas, o Fora Cunha, o Fora Temer, a luta contra a Reforma da Previdência, sem falar no #EleNão, ano passado. O grupo “Mulheres unidas contra Bolsonaro” reuniu, em poucos dias, 4 milhões de mulheres por meio do Facebook. Ainda durante o processo eleitoral, colocou milhares de pessoas para se manifestarem, contra as ameaças de um candidato como Bolsonaro.
Nosso barulho incomodou
Nosso barulho incomodou (e segue incomodando) muita gente. O setor que propaga memes, piadas e palavras de ódio contra as feministas e as mulheres que têm se recusado ao papel de “bela, recatada e do lar” encontrou eco na candidatura de Bolsonaro. Em seu programa de governo, a violência contra a mulher é mencionada uma única vez de forma muito superficial. Nada surpreende, considerando que, quando deputado federal, votou contra Lei do Feminicídio. Somente na primeira semana de 2019, foram registrados pelo menos 21 casos e 11 tentativas de feminicídio no Brasil, e em sua maioria o agressor possuía alguma relação com a vítima (parceiro ou ex-parceiro). Ainda assim, no dia 9 o governo Bolsonaro ensaiou retirar dos livros didáticos os temas de igualdade de gênero e violência contra a mulher, mas por pressão popular, foi obrigado a recuar.
O debate sobre gênero e sexualidade nas escolas tem ocupado os espaços de parlamento e foi bastante comentado durante o processo eleitoral. Junto a isso, veio a promessa de liberar a educação domiciliar como uma das medidas dos primeiros 100 dias do Governo Bolsonaro, que parte de um pressuposto que a escola é um espaço que compromete os valores familiares, as crenças etc. É comprovado que a educação sexual nas escolas ajuda a identificar e enfrentar os casos de abuso sexual em crianças e adolescentes, sendo a maioria deles vivenciados dentro da própria casa.
Damares, escolhida para ser ministra da pasta de Mulher, Família e Direitos Humanos, faz pronunciamentos que não são apenas “polêmicos”, mas dão a tônica desse governo para reforçar uma visão conservadora sobre o papel da mulher na sociedade, por consequência se omitindo e sendo conivente com às violências. A declaração de que “meninas vestem rosa, meninos vestem azul”, evidentemente foi uma metáfora sobre a necessidade de distinguir os papéis de cada gênero na sociedade e conservar isso. Mas precisamos pensar o impacto disso em uma sociedade que meninas são, de diversas formas, colocadas como inferiores aos meninos.
Reforçar os papéis de gênero tradicionais implicam na manutenção dessa lógica patriarcal em que a dupla e tripla jornada de trabalho, a violência contra a mulher, a diferença salarial, a violência obstétrica e as mortes em decorrência do aborto, são parte disso.
Nenhum passo atrás
Ganhamos espaço na sociedade, e não podemos recuar nem um passo atrás. É difícil, sem dúvida, colocar para debaixo do tapete e ignorar a existência dessa realidade tão brutal: de acordo com o Instituto Maria da Penha, a cada dois segundos uma menina ou mulher é vítima de violência física. Em dezembro de 2018 foram 391 registros por dia de denúncias de violência contra a mulher no Ligue 180. São as mulheres negras as mais atingidas pelo feminicídio: nos últimos 10 anos, enquanto o assassinato de mulheres brancas diminuiu, o índice de assassinato de mulheres negras aumentou em 8%. A diferença é de 71% a mais em relação a mulheres brancas.
Além disso, o Brasil é considerado o país com maior índice de transfeminicídio no mundo. Diversos especialistas comprovam que a maioria dos casos de agressões e assassinatos ocorrem quando a mulher decide sair da relação. Os questionamentos que se destacam na mídia e senso comum são porque as mulheres se submetem, deixando de considerar aspectos muito importantes que garantem que o ciclo da violência, que começa com verbal, se complete até a fatalidade: as mulheres que tentam denunciar enfrentam a exposição, contrariando às vezes familiares e conhecidos, enfrentam a dificuldade diante do próprio Estado em garantir medidas protetivas, além de muitas vezes dependerem economicamente dos agressores.
Assim, o incentivo à denúncia e a disputa na sociedade para que mulheres não se submetam à relações com violência e rompam inclusive com costumes que nos são ensinados (por exemplo, que a mulher é a responsável por garantir a manutenção da relação) é insuficiente se não lutarmos por garantias concretas e objetivas para tais decisões.
Capitalismo e patriarcado, uma parceria predatória para as mulheres
A divisão sexual do trabalho é algo que acompanha a história da humanidade, mas é com a propriedade privada e a acumulação de riqueza que se começa a atribuir um valor distinto para o trabalho feminino e o masculino.
É fundamental, no sistema capitalista, que as funções de manutenção da classe trabalhadora (roupas limpas, alimentação, casa organizada, cuidado de crianças e idosos) seja resolvida no âmbito familiar, mais precisamente às custas da mulher. Apesar de nós, mulheres, compormos parte significativa da classe trabalhadora, prevalece a ideia ou de que nosso trabalho é “complementar” e a desigualdade salarial, mesmo para ocupar os mesmos postos de trabalho, ainda é uma realidade. Estima-se que trabalhamos “de graça”, em relação ao salário do homem, 59 dias a mais. A mulher negra, no Brasil, chega a ganhar 60% menos que um homem branco. Não é por acaso que é o setor mais vulnerável a sofrer violência.
Essa segregação por gênero é importante também para o capitalismo na medida em que nos divide, divide a nossa classe. A cultura do patriarcado reforça a ideia da mulher como alguém inferior ao homem, legítima a diferença salarial, a violência e a cultura do estupro, o controle do Estado (e de nossos parceiros) sobre nossos corpos. Assim, na tal “guerra dos sexos”, a classe dominante sai novamente no lucro, garantindo a manutenção desse sistema perverso.Isso se agrava no caso das mulheres negras, lésbicas, bissexuais e transexuais
E, assim, apesar de nós que somos parte da classe trabalhadora, termos nossa força de trabalho explorada por uma minoria que é a classe dominante, por vezes parece haver um abismo entre nós diante dessas relações de opressão presentes no nosso dia a dia.
Nosso feminismo luta pela emancipação das mulheres porque defende a emancipação humana, e isso necessariamente passa por romper as amarras presentes no capitalismo. É por isso que para nós, não há feminismo sem socialismo, e nem socialismo sem feminismo! As diversas expressões de opressão e a exploração da força de trabalho andam juntas, e precisamos enfrentá-las e derrotá-las para construir uma outra sociedade, pautada na solidariedade, na igualdade na justiça e livre de toda e qualquer forma de opressão.
Um programa feminista e revolucionário como resposta
Assim como as opressões e a exploração caminham juntas, nosso programa deve buscar respostas para hoje, imediatas, mas precisa sempre estar atento a como levar a nossa luta à um novo patamar.
Em 2017 o 8 de março teve um significado bastante poderoso: com a greve internacional de mulheres, mostrou como nossa luta é internacional. Não estamos sozinhas e no mundo inteiro mulheres trabalhadoras também estão ocupando a linha de frente para enfrentar os duros ataques que temos sofrido. Já o início desse ano começou com um corredor de 620 quilômetros de mulheres cruzando um estado na Índia em que as mulheres não podiam entrar por serem consideradas impuras. Estima-se que foram 5 milhões de mulheres participando, em um dos países com maior índice de violência, defendendo a igualdade de gênero, no despertar de 2019.
Devemos reivindicar a campanha do ROSA, grupo feminista socialista, na Irlanda, por direitos reprodutivos, que teve um papel importante para garantir um referendo, realizado em 2018, para derrubar a lei que proíbe o aborto. Com ônibus que viajou o país distribuindo pílulas abortivas, até por drone, o movimento ganhou a sociedade irlandesa, que tem ainda uma presença muito forte das ideias da Igreja Católica. Esses e outros exemplos de radicalização da luta envolvendo muitas mulheres, nos permite pressionar e arrancar direitos!
Também em 2017, o 8 de março assumiu seu caráter de classe, ao assumir como um dos principais eixos a Reforma da Previdência, algo que se repete agora em 2019. Há dois anos atrás, a posição correta em se juntar com professores da rede municipal de São Paulo que estavam em luta para derrotar a reforma da previdência no município, categoria majoritariamente feminina, serviu como estopim para que, então, a luta assumisse um caráter crescente que resultou em uma grande greve geral em 2017, contra a Reforma da Previdência.
Resgatar a memória e assimilar as experiências de luta contra as opressões possibilitam avançarmos, pois não partimos do zero e temos muito o que aprender nessa aliança das lutas da classe trabalhadora por outra sociedade com as lutas de combate ao machismo cotidiano, defesa pela liberdade sexual,defesa por nossas vidas: vidas negras, vidas LGBTs, vidas de mulheres.
Hoje, a principal tarefa das mulheres se sintetizam nesses três eixos:
1) Vivas nós queremos: nossas vidas importam!
São as mulheres pobres, negras, das periferias, LBTs, quem mais são penalizadas por essa lógica capitalista que segrega, oprime e exclui. Apesar de nos taxarem de defensoras da “ideologia de gênero”, essa luta está longe de ser ideológica apenas. O machismo mata e mata todos os dias. As que não conseguem fazer um aborto seguro, as que não conseguem romper um ciclo de violência, as que não são aceitas por conta do seu corpo ou por conta da sua orientação sexual.
A campanha de combate a violência contra a mulher ganhou apelo na sociedade. Fomos vitoriosas em dar visibilidade para o tema, através do incentivo a denunciar e romper com o silêncio. Mas isso não deve ser apenas conquistado com conscientização. A Lei Maria da Penha foi um marco para efetivar conquistas, e precisa ser efetivada na sua totalidade, garantindo principalmente as medidas protetivas necessárias. Para isso, é necessário lutarmos por mais investimento nas políticas públicas de combate à violência contra a mulher, na implementação de delegacias 24 horas que de fato acolham as vítimas, e que não sejam violentadas novamente ao serem questionadas e/ou culpabilizadas. Um maior investimento envolve garantir casas abrigo, creche e moradia, mecanismos que ajudem a viabilizar independência econômica. A defesa pela igualdade salarial é também uma forma de enfrentamento à violência contra a mulher.
Ainda, a defesa pelo direito ao aborto é uma luta histórica para que tratemos esse caso como um caso de saúde pública, e não de polícia. Mulheres de todas as classes sociais abortam, mas são as pobres e trabalhadoras que morrem. A legalização do aborto é uma pauta urgente, que deve vir acompanhada de educação sexual e acesso à métodos anticoncepcionais.
2) Derrotar a Reforma da Previdência!
A menina dos olhos desse governo é a Reforma da Previdência. Isso foi anunciado e explicitado a partir do momento que o presidente foi eleito. Até então, sua base de apoio contava com medidas estapafúrdias como acabar com o “kit gay” – que não existe – nas escolas, com a “mamadeira de piroca”, e com “tudo isso que tá aí”.
Após as eleições, esse tem sido o assunto diariamente tratado como prioritário na agenda de Bolsonaro. A ideia de mexer com a previdência, porque esta é onerosa excessivamente para o Estado, é um escândalo por si só, considerando que se trata de pessoas que trabalharam a vida toda e que têm o legítimo direito de descansar dignamente. Enquanto isso, a somatória das dívidas das empresas com a Previdência ultrapassa R$450 bilhões.
No projeto apresentado por Bolsonaro, o aumento previsto é de 7 anos – de 55 anos para 62 – para as mulheres se aposentarem. São as mulheres que estão nos serviços mais precarizados, e a precarização dos serviços públicos impacta ainda mais a vida das mulheres (fechamento de creches, equipamentos de saúde etc).
Não podemos aceitar uma justificativa econômica – que protege o lucro dos empresários e banqueiros e ataca o bolso de trabalhadores – que impactará socialmente na vida de muitas pessoas. Na justificativa de proteger o Estado de quebrar, quebram (ainda mais) as pessoas! Isso é inaceitável! Por isso, derrotar a Reforma da Previdência é uma grande tarefa que as mulheres devem se engajar!
3) Marielle vive!
Marielle virou semente. Um ano ainda sem respostas de quem matou, e quem mandou matar. É um imperativo que deem andamento a apuração sobre seu brutal assassinato.
Defendemos justiça para Marielle, mas reivindicamos seu legado: Marielle sintetizava, no seu corpo e na sua luta, uma série de pautas atuais. Seu assassinato foi uma tentativa de silenciar as lutas por direitos, a luta por justiça, a luta por vida digna, a luta feminista e socialista. Lutaremos por ela e por outras que tombaram, lutaremos por nós e lutaremos pelas que virão! Até que sejamos todas livres!