Governo Bolsonaro é retrocesso sem fim, mas é possível resistir!
Há quase dois meses da posse, Jair Bolsonaro confirma todas as piores expectativas em relação ao seu governo.
Vem vindo chumbo grosso contra os trabalhadores, o povo pobre, as mulheres, negros, indígenas e LGBTs. Estão retirando direitos, pisando nas liberdades democráticas, aumentando a violência, entregando o país aos interesses internacionais e piorando as condições de vida da imensa maioria.
O projeto de contrarreforma da previdência apresentado pelo governo é o carro chefe do retrocesso. Aprová-lo é sua meta ao mesmo tempo imediata e estratégica.
Michel Temer não conseguiu chegar tão longe. Foi contido pelas próprias contradições de seu governo golpista e corrupto, mas também pela forte pressão popular, como no caso da greve geral de abril de 2017.
A situação hoje não é a mesma. Os endinheirados têm agora à sua disposição um governo de extrema-direita radicalmente neoliberal que passou pelo crivo eleitoral e construiu uma base social de apoio.
Trata-se de uma oportunidade rara para as elites. Não querem perder essa chance. Vão vir com tudo. Para derrotar esse governo, é preciso entender de onde vem sua base de apoio, entender suas contradições e trabalhar para desmascará-lo.
Falsa novidade e contradições do bolsonarismo
É verdade que a vitória eleitoral de Bolsonaro foi marcada por golpes e manobras, incluindo a prisão política de Lula, o candidato que estava em primeiro lugar nas pesquisas e era o principal opositor de Bolsonaro. Tivemos também as “fake news” nas redes sociais financiadas ilegalmente e a hábil manipulação do episódio do atentado em Juiz de Fora. Mas, isso não explica tudo.
A camada social mais consolidada no apoio ao bolsonarismo é composta principalmente pelos elementos mais reacionários da pequena burguesia, alimentados pela política do ódio, violência e valores reacionários, elitistas, racistas, sexistas, LGBTfóbicos, etc.
Mas, a vitória eleitoral de Bolsonaro só se deu a partir de uma ampliação de sua base de apoio, principalmente entre setores populares compreensivelmente insatisfeitos com a situação do país e que foram atraídos pelo perfil aparentemente antissistêmico do bolsonarismo.
A falência do PSDB em meio à crise do sistema político, agravada com sua participação no repudiado governo Temer, permitiu uma reorganização da direita numa linha mais extremista. O espaço político do PSDB foi tomado pelo bolsonarismo.
A mesma reorganização não aconteceu no campo mais à esquerda, que permaneceu sob a hegemonia lulopetista com seu legado de conciliação de classes e total adaptação ao sistema político.
O discurso da “mudança” com um viés antipetista/antiesquerdista, contra a corrupção e defendendo “mão de ferro” na segurança pública, permitiu que Bolsonaro crescesse e vencesse as eleições.
Voto em Bolsonaro não foi carta em branco para contrarreformas
Bolsonaro não fez campanha com base na agenda de Paulo Guedes e seu ultraneoliberalismo. Ele não saiu por aí nas praças públicas defendendo a idade mínima de 65 anos para a aposentadoria, nem o rebaixamento das pensões e benefícios às viúvas e idosos. O voto no candidato do PSL não foi necessariamente um voto na contrarreforma da previdência.
Boa parte do ideário reacionário de Bolsonaro não encontra respaldo popular. O Datafolha indica que 60% da população se coloca contra as privatizações e 57% rejeita a reforma trabalhista, apesar de toda a campanha mentirosa de que isso geraria empregos. Além disso, 66% discordam totalmente da política de privilegiar relações com os EUA, como tem feito Bolsonaro.
Em tempos de “Escola sem partido”, obscurantismo e perseguição de professores, constatamos que 71% da população defende discussões sobre política nas escolas e 54% se colocam a favor de educação sexual.
A vitória de Bolsonaro provocou muita confusão e retrocesso na consciência, mas não se trata de um processo irreversível, portanto.
A adesão plena de Bolsonaro ao programa ultraneoliberal de Paulo Guedes foi fundamental para que o candidato convencesse banqueiros e grandes empresários, daqui e de fora, de que seu governo seria um governo deles, sem vacilações.
Bolsonaro não era inicialmente o “Plano A” das camadas mais conscientes e com visão estratégica da classe dominante, que preferiam um nome menos arrivista, imprevisível e incompetente, queriam alguém mais estável e orgânico de sua classe.
Mas, nenhum dos candidatos burgueses mais “sóbrios” demonstrou condições de chegar aos 57 milhões de votos que deram a vitória a Bolsonaro. A classe dominante soube adaptar-se a essa situação e busca tirar o máximo de proveito.
As expectativas e ilusões populares em relação a Bolsonaro, contra a corrupção e por mudanças reais, não tem como se sustentar diante da agenda neoliberal do grande capital implementada pelo novo governo. Vão se chocar com a realidade.
O ritmo desse processo vai depender de vários fatores políticos, econômicos e sociais, mas principalmente da capacidade de iniciativa do movimento organizado dos trabalhadores e todos os setores oprimidos.
Isso inclui a capacidade de reorganizar e renovar a esquerda sobre bases mais combativas, radicais, antissistêmicas e enraizadas na classe trabalhadora.
Corrupção e bate-cabeças no governo
Como fenômeno político que não nasceu no seio mais orgânico da política burguesa, o bolsonarismo traz para o governo um forte componente arrivista, instável e de alto risco.
Isso ficou evidente na primeira grande crise do governo Bolsonaro, que levou à queda do ministro Gustavo Bebianno, o homem que coordenou a campanha do presidente e ocupava o quarto andar do Palácio do Planalto como ministro da Secretaria-Geral da presidência.
A denúncia dos esquemas de candidaturas “laranjas” do PSL para desviar dinheiro público em Pernambuco provocou um conflito entre o clã de Bolsonaro e outros setores de políticos oportunistas e corruptos que compõe a base do governo. No bate-boca, o presidente escolheu o filho ao invés do ministro.
A queda de Bebianno gerou fissuras na base de apoio parlamentar ao governo. Na véspera do anúncio do projeto de reforma da previdência (que vai precisar de 2/3 dos votos), Bolsonaro sofreu sua primeira derrota no Congresso.
O decreto do governo que restringia a Lei de Acesso às Informações foi derrotado na Câmara, numa clara sinalização de que a vida do governo não vai ser tão tranquila quanto aparentava logo após as vitórias obtidas por Bolsonaro nas eleições das mesas da Câmara e do Senado.
As denúncias dos esquemas corruptos do PSL vão além do caso Bebianno. O ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, continua sendo investigado pelo envolvimento no desvio de recursos do fundo eleitoral do PSL de Minas Gerais, um caso que envolve até coação armada contra candidatas “laranjas” usadas pelo partido.
Os esquemas corruptos do PSL são apenas a ponta do iceberg. Antes mesmo da posse do novo presidente, veio a público o caso de Fabrício Queiroz, motorista e segurança lotado no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro, acusado de ser mais um “laranja” para desvio de recursos públicos.
Além do roubo de dinheiro público, o caso Queiróz expôs as relações do clã Bolsonaro com as milícias do Rio de Janeiro. Indicadas por Queiroz (um ex-PM), estavam lotadas no gabinete de Flávio Bolsonaro a mãe e a esposa de um ex-policial foragido da justiça por sua participação no “Escritório do Crime”, uma das milícias mais perigosas do Rio e também vinculada ao bárbaro assassinato de Marielle Franco, vereadora do PSOL.
Com Bolsonaro no Palácio do Planalto, uma nova leva de corruptos e gente ligada ao submundo do crime e das milícias ascenderam a um espaço de poder. O grau de instabilidade e explosividade disso ainda deve se manifestar de forma mais contundente no futuro.
Arrivistas, corruptos e fundamentalistas de direita
Além dos arrivistas e personagens protofascistas, como os filhos do presidente, e a nova geração de políticos carreiristas que quer aproveitar os novos tempos para encher os bolsos, o governo Bolsonaro também é composto por outras alas, numa colcha de retalhos que nem sempre se mostra muito compatível entre si.
Existe a ala mais ideológica de direita composta por discípulos do ex-astrólogo Olavo de Carvalho e fundamentalistas religiosos de direita. Nesse campo estão, por exemplo, os ministros da educação (Vélez), relações exteriores (Araújo) e família (Damares).
O ministro do meio-ambiente Ricardo Salles é uma mistura de direitista ideológico e um pragmático a serviço de quem quer lucrar destruindo o meio ambiente. Ao seu lado está a ministra da agricultura indicada pelo agronegócio, Tereza Cristina.
Por mais ridículos que possam parecer, esses setores são muito perigosos e já estão promovendo ataques aos direitos das mulheres, população LGBT, negros e negras, indígenas, quilombolas, camponeses, estudantes e professores. Sem falar no alinhamento absurdo do Brasil aos ataques promovidos pelo imperialismo dos EUA sobre a Venezuela.
O tripé Guedes, Moro e generais
A representação mais consequente do grande capital financeiro, porém, se dá através de Paulo Guedes, o superministro da economia. Ele é a peça chave no governo. É a ponte entre o governo e os bancos e a garantia de que, apesar das bizarrices, o governo Bolsonaro pode ser confiável e útil à grande burguesia.
Se Guedes não for capaz de entregar ao grande capital o que prometeu, a começar pela contrarreforma da previdência, isso pode gerar um nível de desgaste e instabilidade grave no governo, com mais divisões e dificuldades.
O papel de Sérgio Moro como superministro da justiça e segurança pública também é vital para o governo e para os interesses da classe dominante.
As ilusões de grande parte da população em Sérgio Moro como juiz implacável contra os corruptos e criminosos, algo totalmente infundado, ajuda a criar expectativas favoráveis em relação ao governo Bolsonaro.
A recente omissão cúmplice de Moro em relação à corrupção em pleno governo e na família Bolsonaro indica, porém, que as ilusões populares podem não durar tanto.
Mas, além disso, Sérgio Moro tem a tarefa de mostrar serviço no que se refere à segurança pública, um tema chave para a eleição de Bolsonaro e um problema social gravíssimo no país. O pacote dito “anticrime” apresentado pelo ministro representa um grande retrocesso. Representa o cumprimento da promessa de campanha de Bolsonaro de que daria aos policiais licença para matar agravando o extermínio da juventude pobre e negras nas periferias.
O pretexto do combate à criminalidade e ao crime organizado pode ser funcional para o governo no sentido de militarizar cada vez mais a sociedade e avançar na criminalização da pobreza e dos movimentos sociais.
Junto com Paulo Guedes e Sérgio Moro, completa o tripé que dá uma sustentação mais sólida ao governo a ala dos militares de alta patente em torno de Bolsonaro.
Já são pelo menos 46 militares nomeados por Bolsonaro em pelo menos 21 áreas do governo. O núcleo duro dessa ala militar é formado pelos generais de exército que atuam diretamente no Palácio do Planalto: Augusto Heleno, Hamilton Mourão, Carlos Alberto dos Santos Cruz e Eduardo Villas Bôas. A eles agora deve se somar o general Floriano Peixoto Neto, substituto de Bebianno na Secretaria-Geral da presidência.
Treinados no Haiti
Em comum esse grupo de generais tem sua experiência como comandantes das tropas da ONU no Haiti, onde o exército brasileiro auxiliou o imperialismo na sufocação da rebelião popular em meio ao caos social provocado naquele país.
Sua presença no governo reflete a opção adotada há não muito tempo pela alta oficialidade das forças armadas no sentido de buscar tutelar Bolsonaro para evitar maiores crises e conflitos decorrentes da irresponsabilidade e inconsequência do atual presidente e seu entorno.
Foi o que tentaram fazer no caso Bebianno, tentando manter o ministro, evitar a crise e diminuir a influência que os filhos do presidente exercem sobre o governo. Mas, nisso fracassaram.
Na eventualidade de uma crise muito mais grave, que poderia resultar num impedimento de Bolsonaro continuar exercendo a presidência, a presença do general Mourão como vice-presidente funciona como uma garantia de que existe uma saída pela direita, mais consequente até que Bolsonaro, na qual a classe dominante pode apostar e confiar. Esse é o perfil que estão tentando construir para o general Mourão.
Riscos e saída pela esquerda
Com todos os problemas, divisões e contradições, o governo Bolsonaro ainda tem força suficiente para impor derrotas e ataques gravíssimos sobre o povo brasileiro.
A tarefa mais importante e imediata da classe trabalhadora organizada e de todos os setores oprimidos é a de organizar a resistência aos ataques do governo Bolsonaro e seus aliados nos estados e municípios.
Mas, essa tarefa só poderá ser efetiva se estiver vinculada à construção de uma saída pela esquerda para a crise brasileira.
Na eventualidade de um agravamento da crise do governo, resultante também da resistência aos ataques em curso, já vimos que a classe dominante constrói suas alternativas no mesmo campo reacionário e direitista, aumentando qualitativamente os elementos bonapartistas e repressivos já existentes.
A unidade de ação contra o governo deve ser complementada pela tarefa de construir uma nova esquerda radical, combativa, construída pela base, anticapitalista e socialista.