O novo governo e o retrocesso da educação

A eleição do presidente de extrema direita Jair Bolsonaro afetou diretamente as concepções educacionais no Brasil. O presidente, a pedido de seu guru Olavo de Carvalho, filósofo conhecido pelas suas posições extremadas pela direita e pelo palavreado chulo, indicou o professor Ricardo Vélez Rodriguez para ministro da Educação. 

Para Bolsonaro e Olavo de Carvalho, a principal pauta da educação nos próximos quatro anos é enfrentar o problema do marxismo no Ministério da Educação. Não é o baixo salário dos profissionais da educação, a jornada excessiva de trabalho, o não cumprimento da lei de 1/3 de planejamento, as salas de aulas superlotadas de alunos, a falta de infraestrutura física das escolas, a má qualidade da merenda escolar, a falta de creches, a violência nas escolas ou qualquer outra demanda tão urgente e notória. Para eles, não são nada disso os problemas principais da educação brasileira. Para eles, o maior problema da Educação são as concepções pedagógicas de Paulo Freire. 

Paulo Freire recebeu o prêmio de educação para a paz em 1986, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência ea Cultura (UNESCO) e sua obra foi traduzida para mais de 40 idiomas. O educador recebeu 29 títulos de Doutor Honoris Causa em universidades de todo o mundo. Foi patrono da educação brasileira, homenagem feita em lei federal em 2012, tendo seu monumento exposto em frente ao Ministério da Educação.

Por um ensino que faz sentido para o aluno

Paulo Freire é também o autor do terceiro livro mais citado mundialmente na área de ciências sociais: “Pedagogia do Oprimido” (1968), segundo um levantamento feito no Google Scholar (ferramenta de pesquisa dedicada à literatura acadêmica). Neste livro, Freire apresenta uma proposta de educação dialética que leva em consideração os aspectos humanos, sociais e culturais dos alunos. Para o autor o conhecimento precisa fazer sentido para o aluno, transformando-o, assim, em um sujeito capaz de entender e transformar o mundo. Essa proposta pedagógica supera a educação tradicional defendida pelo novo ministro, onde o professor é visto como único transmissor de conhecimento, sendo assim a figura principal na sala de aula.

Segundo o relatório da UNESCO de monitoramento global da educação, publicado no dia 24/10/2017: “(…) A responsabilização desproporcional sobre os professores quando se refere a problemas educacionais pode ter sérios efeitos colaterais negativos, além de ampliar as desigualdades e prejudicar a aprendizagem (…)”. Ou seja, os estudos sobre os problemas na área da educação caminham no sentido oposto a preocupação do novo ministro da educação, que apoia o projeto escola sem partido (entendido pelos sindicatos de educação como escola com mordaça), que responsabiliza os professores pelos problemas educacionais no Brasil.

O ministro da Educação, perguntado recentemente pela revista Veja sobre se a liberdade de cátedra inclui ensinar marxismo, fascismo e liberalismo, respondeu: “(…) Liberdade é agir, fazer escolhas dentro do limite das leis e da moralidade. (…) No Brasil, por força de ciclos autoritários, temos uma visão enviesada da liberdade. (…) Nossas crianças e adolescentes devem ser formados na educação para a cidadania, que ensina como agir de acordo com a lei e a moral. (…) Doutrinas ideológicas devem ser estudadas apenas no ensino superior (…)”.

Precarização do ensino fundamental

Ricardo Vélez Rodriguez que acima parece ser um árduo defensor da lei, entra em contradição com a própria atual legislação brasileira educacional que permite liberdade de cátedra. Ricardo afirma acima em sua resposta de forma implícita, que os conteúdos de história como doutrinas ideológicas na educação básica devem ser alterados, e acreditamos que na prática isso é a defesa da precarização do ensino fundamental. 

Para o ministro, os alunos não deveriam estudar assuntos como revolução francesa liberal, revolução russa marxista ou as causas da segunda guerra mundial feitas pelo fascismo. Ou seja, a população brasileira só deve ter acesso a esses conteúdos na universidade, que para ele não deve ser para todos, somente para os intelectuais.

A valorização do ensino fundamental e do ensino profissionalizante colocada também como metas do novo Ministério da Educação é uma farsa, pois percebemos objetivamente que ele está defendendo para o cidadão brasileiro não ter acesso aos conteúdos universais, como descrito acima. Por isso, o ministro não pretende mudar a reforma do ensino médio que reduziu a carga de conteúdo obrigatório. Ricardo Vélez Rodriguez também apoia a nova Base Nacional Curricular Comum aprovada recentemente, que prioriza somente o ensino de matérias como português e matemática, secundarizando as demais disciplinas como eletivas. 

Educação para obedecer e idolatrar?

Além disso tudo, o ministro da Educação defende a volta da educação moral e cívica, que substituiu no passado as disciplinas de história, geografia, sociologia e filosofia no período da ditadura civil-militar entre 1964-1985. Ele pretende voltar com a história positivista dos grandes heróis, tão questionada e superada pela metodologia da historiografia atual. 

Para concluir, percebemos que realmente estamos diante de um retrocesso sem precedentes na educação brasileira. O objetivo deste governo é disciplinar os alunos a obedecer, sem criticidade e sem reflexão teórica. A população brasileira não pode aceitar isso, devemos fazer uma ampla aliança entre sindicatos, grêmios e comunidade escolar, para garantir o direito aos alunos de escolas públicas ao ensino de qualidade. O futuro das próximas gerações de brasileiros dependerá da nossa vitória nesta luta.

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